"Um caso de sucesso educativo"
quinta-feira, junho 16, 2005
De um leitor devidamente identificado recebemos, por email, a seguinte parábola...
Algures no Portugal continental e europeu, numa escola pública igual às demais, ontem, numa reunião de avaliação, um aluno igual a milhares de outros por esse País fora, que pouco mais fez durante todo o ano lectivo do que estar de “corpo presente” nas aulas, foi classificado com quatro níveis inferiores a três (não digo “quatro negativas” porque é proibido usar a expressão, por imposição do doutíssimo Ministério da Educação...).
O aluno estaria, assim, reprovado (perdão “não aprovado”, porque tal termo é pedagogicamente incorrecto, psicologicamente traumatizante e também proibido pelo Ministério da Educação...).
Como o pensamento pedagógico dos iluminados construtores do Sistema Educativo Português está já completamente entranhado na mentalidade e na conduta dos professores, houve que arranjar maneira de salvar o petiz da reprovação (perdão, da “não aprovação”...).
Logo duas solícitas professoras se disponibilizaram para tão piedosa missão: uma de Matemática e outra de Francês. O aluno nunca tivera ao longo de todo o ano lectivo uma única positiva (perdão uma “classificação de nível três”...) e tinha média de 40% em todas as provas escritas realizadas... 40%... Mas, de uma penada só, passou de quatro negativas (perdão “quatro níveis inferiores a três”...) para duas negativas e de reprovado (perdão, “não aprovado”...) para “admitido” ao exame do 9.º ano de escolaridade...
Escusado será dizer que o aluno para transitar para o 10.º ano só tem agora que se levantar da cama nas manhãs de segunda e de quarta-feira, comparecer na respectiva escola e assinar a folha da prova de Português e de Matemática. Como o exame vale apenas 25% na classificação final, basta-lhe estar presente na prova e escrever o seu nome, o que por si só é algo já muito meritório... Com efeito, 0% no exame equivale a Nível 1. Somado ao Nível 3 que prodigamente lhe ofereceram, o jovem está “passado” (perdão, “transitará de ano”...). No fim-de-semana pode gozar umas “merecidas” e retemperantes férias na praia, depois de nove meses em que se esforçou ao máximo para fazer o menos possível...
O que se passou algures, ontem, numa escola portuguesa, aconteceu seguramente em mais mil escolas de Portugal, com dois ou três alunos pelo menos em cada uma das turmas. Isto falando só de classificações artificialmente alteradas à última da hora nas reuniões de avaliação, sem considerar que, por todo o País, pelo menos um terço dos níveis 3 atribuídos vale verdadeiramente 2...
Na estatística nacional este é mais um caso de retumbante sucesso educativo... E é isso que verdadeiramente interessa..., o sucesso estatístico!...
Quando, daqui a umas semanas ou meses, soubermos os resultados (catastróficos) de tais exames, que em nada influirão no sucesso estatístico dos alunos, que passarão como sempre passaram desde que entraram na escola, sem esforço e sem conhecimentos..., ouviremos as desculpas já preparadas há muito: que foi a primeira vez que se realizaram exames no 9.º ano..., que houve um instabilizador atraso no início do ano lectivo por causa do falhanço na colocação de professores..., que os alunos não se esforçaram porque sabiam que a classificação do exame não influiria na classificação final...
Esperemos para ver...
Por acaso, não foi perspectivando os tenebrosos resultados que aí vêm que, todos em profícua colaboração, Ministério da Educação, Professores, Encarregados de Educação e Alunos, conseguiram que tais exames, em vez de 30, valessem apenas 25%, por forma a disfarçar a trágica realidade educativa portuguesa e a assegurar, pelo menos por mais um ano, a continuação do artificial sucesso estatístico?...
Publicado por Manuel 19:42:00
6 Comments:
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Além do mais, as estatísticas ficam "confortáveis" e os professores (alguns - muitos ?)livram-se da "maçada" de chumbar alunos.
O professor do nível seguinte que resolva o problema. Ou não, tanto faz.
Volto a perguntar: como é que se pode fazer greve a professores destes ?
Uma tristeza.
(citando a Ministra da Educação na entrevista de hoje ao DN)
Curioso.
Se não é feito na área respectiva, onde será ?
Já agora, não querendo ser cínico, será que acrescentam créditos à carreira em áreas como culinária ou bordados ?