A lucidez e a sabedoria
quarta-feira, junho 15, 2005
O Jornal de Notícias, através de Joaquim Forte, entrevistou Emídio Guerreiro por ocasião da morte de Álvaro Cunhal.
A entrevista dispensa comentários. Apenas um: aos 105 anos, Emídio Guerreiro revela uma lucidez que muita gente nova nem sequer percebe.
[Jornal de Notícias] Qual é a recordação que o professor Emídio Guerreiro tem de Álvaro Cunhal?
[Emídio Guerreiro] Conheci-o, pessoalmente, bastante tarde, já quase no fim do meu exílio (de 42 anos, durante o Estado Novo), alguns anos antes do 25 de Abril de 1974. Conheci-o em Argel, no momento da Terceira Conferência da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Desde daí, na verdade, não tive mais relações nenhumas com Cunhal. A não ser políticas, visto que ele era chefe de um partido e eu de outro (Secretário-Geral do PPD). Foram relações entre políticos, pautadas por um tom institucional para evitar atritos entre as duas formações.
JN- Como político, que importância atribui ao papel que ele desempenhou?
EG- Álvaro Cunhal foi um estalinista e morreu estalinista. Temos de lhe fazer justiça. Foi um homem que nunca mudou de ideias. Enaltece-lhe a coerência, como muita gente... Essa coerência, para mim, é uma catástrofe. O facto de ser coerente com um bandido como era o Estaline não beneficia nada a personalidade do Cunhal. Isso pode ser sinal de fundamentalismo.
JN- Fala-se muito, agora que Cunhal morreu, se ele terá sido um vencedor ou um perdedor no tabuleiro da política nacional e até internacional.
EG-Foi um perdedor, sem qualquer dúvida. Teve que se exilar e esteve preso. Esteve ao serviço da União Soviética até ao 25 de Abril e depois continuou, como estalinista, a servir a lógica da URSS. Isso não quer dizer que eu não tenha uma grande, ou melhor, uma certa consideração pelo papel político do Álvaro Cunhal.
JN- Ele foi responsável por organizar um partido que veio da clandestinidade.
EG- Julguei, quando vim para Portugal, a seguir ao 25 de Abril, que ia encontrar um partido comunista organizado, com estruturas. Não, não havia partido comunista. Havia, sim, meia dúzia de pessoas que se sacrificaram, no partido, que sacrificaram até a vida, mas o grande PC, que eu julguei que existia em Portugal, não existia. A mim, interessa-me o aspecto geral da política portuguesa. O que é que o ele (PCP) fez na política portuguesa. Eu estava convencido, como lhe disse, que grande parte das pessoas, pelo menos a classe trabalhadora, fazia parte do PCP.
JN - Não reconhece o papel do PCP, por exemplo, na defesa dos trabalhadores?
EG - É claro que o PCP teve e tem o seu programa político e social, tem lugar na política portuguesa. Mas esteve sempre muito confundido. E muito à imagem do Cunhal. Mesmo depois de ele ter deixado de exercer funções no PCP, creio que os continuadores não deixavam de o consultar, para saberem a sua opinião e até para certas decisões.
JN - Acha que foi uma figura marcante do século XX?
EG - Foi uma figura marcante em Portugal. E nada mais. A meu ver.
Publicado por josé 11:56:00
6 Comments:
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Nem sequer percebo o porque deste alvoroco todo em torno de um personagem maquiavelico, egoista e limitado. Muito melhor seria esquece-lo, ou apenas recordar, para nao se ter saudades e nao se repetir os mesmos erros. Mas assim nao da!
José manuel
Embora Oriana Fallaci não escrevesse para o Independente acho mais provável que isso tenha acontecido. Afinal de contas Cunhal não dizia coisas sem pensar, nem tinha necessidade (antes pelo contrário) de dizer hoje coisas para as desmentir amanhã. Nem isso era o seu feitio.
José manuel
e diz uma coisa que nunca é referida: não existia um partido organizado. E é bem capaz de ter razão...