Casa da Música III

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Em Portugal existe uma prática mais ou menos comum que me causa alguma perplexidade, a de os administradores liquidatários, não praticarem apenas os actos relativos à sua função de liquidação, mas a pugnarem ora por manter a actividade regular da empresa, praticando actos de gestão corrente que não fazem parte da função que lhes está destinada, ora por lançar as bases da entidade que lhe irá suceder, como se de uma comissão instaladora se tratassem, mas sem os limites que a lei impõe à actuação desta figura. No nosso modesto entender, para além de não ser de bom tom fazê-lo, não é da competência de um administrador liquidatário decidir contratar, nomear, despedir, adquirir ou assumir encargos futuros e permanentes em nome de uma sociedade em liquidação e que, já se sabe, vão onerar a herança dos quem lhe irão suceder na posse formal dos activos para exploração, o que não pode deixar de ser observado como uma situação que poderá vir a reduzir a margem de manobra de gestão da nova pessoa colectiva, seja ela de que natureza for, obrigando-a, mais tarde, a dispor de elevadas verbas para operações de reestruturação. Obviamente que haverá sempre quem ache que se está a controlar o processo, esquecendo-se que são os pequenos detalhes que, escapando normalmente à vigilância das tutelas, vão acabar por condicionar, determinar ou influenciar o futuro de uma organização em gestação. Toda a posta pode parecer demasiado teórica, acontece que é o que parece estar a verificar-se actualmente na e com a Casa da Música do Porto.

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Publicado por contra-baixo 14:32:00  

2 Comments:

  1. Anónimo said...
    Caro Contrabaixo,

    Em matéria de facto estou totalmente de acordo. A actividade de uma sociedade em liquidação deveria resumir-se a isso mesmo. E o conceito de liquidação é consensual.
    Mas, por deliberação dos accionistas [pormenor que desconheço] é permitido “continuar temporariamente a actividade anterior da sociedade” (CSC: artº 152º). É obvio que este parágrafo só é válido no caso da actividade da sociedade antes da liquidação [CdM] ser a que desenvolve actualmente.
    O bom senso [que não está prescrito] deveria ser sempre respeitado. Logicamente quando uma lei tem “folgas” estas são sempre usadas e abusadas.


    Ass: @nonymu
    contra-baixo said...
    Caro @nonymu:

    Agradeço-lhe a achega do 152º. Sabe, no entanto, que a questão aqui não se colocaria caso fossem apenas questões empresariais que estivessem em causa. Em bom rigor, a nenhum administrador liquidatário seria permitido pelos accionistas praticar actos, mesmo que autorizados em continuação temporária da actividade anterior da sociedade, que viessem a diminuir o valor do trespasse do estabelecimento na pendência da liquidação. O que, no caso concreto e numa lógica empresarial, poderia ser o que parece estar a acontecer. Também já ouvi a teoria que a nova entidade que irá suceder na posse do estabelecimento CdM não terá a obrigação de assumir as contratações anteriores à sua criação, nomeadamente as assumidas pela administração liquidatária. Sobre esta, saberá também como eu que tal não é admissível face às regras existentes para a transmissão do estabelecimento comercial. Ou seja, e em conclusão, está a ser criado um modelo institucional e de gestão de suporte à actividade da CdM que, face a uma possível herança de activos, eventuais passivos, encargos futuros e permanentes, pouca margem de manobra terá para actuar em prol da sua sustentabilidade e racionalidade do estabelecimento, por muito competentes que sejam as pessoas que para lá irão, a não ser que lhes sejam facultados recursos elevados para reestruturar uma casa que ainda agora está a começar, o que, convínhamos, é uma tristeza. A propósito de racionalidade, deixo-lhe os seguintes números: em torno da CdM já “circulam” bem perto das 200 pessoas, segundo dados fornecidos e em que acreditamos: 56 contratados pela Comissão liquidatária, 26 em regime de outsourcing, mais os músicos do Remix, ONP e Estúdio de Ópera que perfazem cerca de 120. E ao que se sabe a coisa não vai ficar por aqui.
    Não precisa que lhe explique mais nada, pois não!

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