O embuste das «Férias judiciais»
sexta-feira, maio 13, 2005
De mangadalpaca©...
Sejamos claros: o governo do eng.º José Pinto decidiu incendiar o sistema judicial, pretendendo, com isso, ganhar apoios da opinião pública (ou publicada?), jornalistas incluídos, e desviar atenções de outros graves problemas do País.
À conta de uma desforra, ou não, do que sucedeu no processo Casa Pia, este governo vem, agora, pretender ser o campeão das preocupações que assaltam os cidadãos com o “calamitoso estado da Justiça” ...
Foram anunciadas medidas para descongestionar os tribunais. Uma delas, provocou reacções e incompreensões – a da redução das férias judiciais.
A verdade é que essa medida até podia ser necessária, desde que enquadrada noutro conjunto de intervenções. Mas nada foi explicado. Nem os pressupostos, nem os objectivos, nem a sua regulamentação. Ainda por cima, se faz crer que os magistrados não trabalham e que a culpa do estado de justiça é exclusivamente deles. Não seria de esperar o entusiástico apoio dos operadores judiciários, mas o que era preciso era o sinal de que se estava a “afrontar mais uma corporação”. Por isso, nem se justifica o alarido que se faz ouvir. Em bom rigor, a «batata quente» está do lado do governo, pois parece que ainda não se deu conta das dificuldades práticas e financeiras que tal decisão implicará.
Mas, percebe-se, agora, mais claramente, a verdadeira razão da afronta dos chamados «privilégios» e injustificadas prerrogativas dos magistrados: este grupo profissional é o único que pode, efectivamente, pôr em causa carreiras e interesses políticos.
Concretamente – para quem ainda não percebeu – é tentando controlar a actividade do Ministério Público (não dos juízes, pois a actividade destes é passiva, dependendo sempre da iniciativa daquele) que se conseguirá neutralizar qualquer veleidade séria no sentido de os responsabilizar, seja qual for a natureza ou tipo de infracção que se indicie. E os sinais vêm sendo crescentemente inquietantes (casos Casa Pia, Apito Dourado, Isaltino Morais, António Preto, Negócios do Min. Ambiente,..).
Por isso, o governo pretende vir propor, agora, a responsabilização do Procurador-Geral da República perante a Assembleia da República, através da definição das prioridades de política criminal, o que é inaudito: propor a um órgão de soberania o que devia ser iniciativa sua (está na Constituição). Um embuste, como se vê, não questionando que a AR deva estabelecer um conjunto de prioridades de política criminal, responsabilizando os órgãos competentes para participar na sua execução, desde que lhes conceda os meios necessários. Aliás, estou convicto que o malogro e inêxito da actividade do Ministério Público se ficam a dever a esse estado de indefinição ou, pior ainda, de indiferença, por parte do poder político.
A crispação com que o ministro da justiça (uma justiça com este ministro e estes secretários de estado é, com certeza, uma justiça pequena, ou com letra pequena) se dirigiu ao Procurador-Geral da República no programa Prós-e-Contras de dia 9, é disso revelador. A mensagem que passou, e que passa, é a de que o Dr. Souto Moura “está a mais”.
E é claro que pretendem incomodar o senhor, fazendo-lhe ver que é, definitivamente, persona non grata. Tudo isso porquê? Porque decidiu cumprir e fazer cumprir a lei e o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (sejam deputados, ou não). Facto que lhe valeu já romarias de protestos e “ralhetes” de senadores do regime.
Mas não têm coragem de o fazer de outra forma. O «gabinete da justiça» é formado pelo ministro Costa e por dois “jovens turcos” secretários de estado, que pensam ter a varinha de condão para a solução dos problemas da justiça. Um deles é um ambicioso e preclaro docente universitário e o outro é um ignoto ex-presidente da câmara e juiz dos tribunais administrativos e fiscais (curiosa combinação, não é? Que opinará desta nomeação o dr. Virtual Moreira? Juízes para os tribunais, não é?). E é desnecessário tentar fazer-lhes ver que podem não ter razão. Mas hão-de aprender à custa deles….
É que se devem lembrar que o Dr. Souto Moura foi nomeado no tempo do outro dr. Costa (o António). Certamente com a mesma convicção de quem nunca se engana.
mangadalpaca©
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Publicado por josé 23:16:00
3 Comments:
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1."Os magistrados ( judiciais) precisam de relativa tranquilidade, de continuidade no trabalho e na investigação para estudarem alguns dos processos mais complexos, por motivo dos factos acumulados ou por motivo da aplicação das normas sobre as quais têm de decidir. A rotina de qualquer tribunal não permite aos magistrados judiciais nem a tranquilidade mínima nem continuidade nas tarefas compatíveis com as exigências de muitos processos que lhes estão distribuidos. Embore tal escape à observação do homem comum, as horas de trabalho de qualquer magistrado minimamente cumpridor não se circunscrevem ao tempo que passa em tribunal. É quase sempre nas residências que os juizes estudam os processos e preparam os seus despachos e sentenças. Mas ós aos juizes dos tribunais superiores costuma ser dada a oportunidade de trabalhar com alguma suposta tranquilidade. Os outros são forçados a estudar no intervalo das audiências e de tarefas mais ou menos burocráticas. Por isso, os bons juizes mais conscienciosos sempre contaram com o período de férias para despacharem boa parte dos processos. Esses mesmos costumam entender que as funções judiciais exigem de quem as exerce um razoável nível de cultura.(...)O juiz menos culto tem sempre dificuldade em apreender muitas das questões sobre as quais é forçado a debruçar-se."
2. " "Uma segunda razão favorável ao regime especial de férias judiciais vou buscá-la aos ensinamentos carreados por psicólogos e por sociólogos, segundo os quais sem discrepância os trabalhos que provocam maior desgaste mental psíquico devem ser entremeados de férias frequentes e mais ou menos prolongadas.. Ora as profissões forenses situam-se entre as de maior desgaste psíquico."
3. "Os que ingressaram nas carreiras forenses fizeram-no na base de ume statuto legal próprio que inclui as particularidades do respectivo regime de férias. Um aalteração do referido regime havia de bulir também com os profissionais do foro em regime livre." (...) As falhas flagrantes que se notam no funcionamento dos tribunais portugueses têm origam externa. Designadamente a nível de uma legislação precipitada e contraditória. Os vícios mais salientes de quem enfermam os tribunais portugueses não residem nos que lá trabalham.
4. " os regimes de férias judiciais foram estabelecidos originariamente sobretudo, em atenção à tranquilidade dos povos, e nunca para comodidade da classe forense. Julgou-se conveniente assegurar uma relativa tranquilidade para todos durante um certo período do ano. Durante aquele período, exceptuados os casos e as medidas de urgência, ninguém seria citado pelo tribunal, nem sofreria os incómodos de ser ouvido como testemunha ou como perito."
São estas as razões do velho salazarista. À primeira leitura, ri-me: o tipo parou no tempo! Depois, ao ler aquela ideia de cultura acrescida; de repouso para compensar os mais "conscienciosos" e a ideia de tréguas estivais, fico a pensar que se o tipo não terá alguma razão de fundo como tiveram aqueles que fizeram antigamente o regime...de férias.