Casa da Música
sexta-feira, maio 20, 2005
Nos corredores da Casa da Música [Porto] comenta-se que o Governo não vai chegar a acordo com o grupo de fundadores privados que ainda no anterior executivo se disponibilizaram para investir na Fundação Casa da Música [CdM]. O que consta também é que são os próprios que se estão a auto-excluir de participar quer na entrada do capital social da fundação, quer na gestão do novo equipamento, face às condições que a Ministra da Cultura anunciou publicamente há tempos e que passariam pela prerrogativa de o Estado nomear o presidente do conselho de administração [CA], pelos poderes especiais de ser este a aprovar as actividades da CdM, a escolher o director artístico e a definir o conteúdo das competências dos outros membros da administração. Ou seja, o Estado far(á)ia valer a todo tempo sua golden share no seio do CA da CdM remetendo os restantes membros do conselho para uma função quase que meramente decorativa. Desconheço as razões do Governo, tê-las-á com certeza, algumas delas até eu as imagino. No entanto, compreendo também que, desta forma, os “privados” não estejam interessados no “negócio” (ninguém se compromete a administrar factores de produção que não controla) e é pena. É pena, porque se perderá a primeira oportunidade de envolver de facto e de direito a sociedade civil e o mundo empresarial directamente na gestão de um equipamento cultural, indo para além da função de meros contribuintes de circunstância; Porque o sector púbico e privado da Cultura atravessa uma crise de financiamento e de gestão, tendo só a ganhar com a experimentação das “boas práticas” trazidas de fora e por quem efectivamente já deu provas de saber gerir; Porque as empresas de uma maneira geral olham de soslaio para a Cultura, não percebendo ainda as vantagens que poderão retirar estando a ela associadas, sendo, por isso, necessário observar os seus pares mais credíveis envolvidos em projectos desta natureza; Porque à partida, e em qualquer parte do mundo, a Cultura está enferma da incurável “doença dos custos” não passando este discurso para a sociedade e para alguns decisores políticos enquanto não forem demonstradas por quem tem a autoridade (não apenas académica) para o poder fazer; Porque esta seria também uma forma de dar sequência a uma medida do programa do Governo aqui sublinhada pela positiva; Porque apesar de a Cultura não ser na sua pureza um “negócio”, não deve deixar de se pautar pelos princípios da eficácia e eficiência a ele associados, estando certo que entes despolitizados (no sentido político-partidário) e com uma reputação empresarial a defender, iriam necessariamente ter de os seguir; Porque seria até mais fácil ao Estado ditar e por em prática políticas públicas numa base contratual, do que ser o próprio a fazê-lo; E, finalmente, porque de outra forma que não esta, sairá seguramente mais caro.
Provavelmente, não deixará de haver Fundação CdM, só que com outros fundadores privados, os mesmos do costume: PT(s), EDP(s), REN(s), CGD(s), GALP(s), etc e, quem sabe, também agora o BES porque precisará de gastar muito dinheiro para retocar a sua imagem institucional recentemente abalada. Acontece que o seu contributo não terá mais do que o simbolismo da esmola aos pobres, sem que, com ele, se venha a fazer qualquer diferença naquilo que é realmente importante ou seja a qualificação da governação e da gestão da CdM.
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Publicado por contra-baixo 14:29:00
A mim parece-me escandoloso que a parte de leão do financiamneto da cultura seja investido em um ou dois equipamentos, deixando todos os outros equipamentos em situação de indigência. Ver p. ex. as declarações da directora do Museu Nacional Soares dos Reis sobre a comparação do financiamento a Serralves e a todos os outros museus da rede portuguesa de museus. Pelos vistos uma única instituição absorve mais do que os outros todos juntos.
José manuel
Neste caso não se trata de uma "golden share", pois pelo que se sabe, o Estado participaria com mais de 50% do capital inicial (excluindo o valor do edifício). Então a posição assumida pelo estado é mais que maioritária, e como em qualquer organização o participante maioritário tem sempre a possibilidade de dispor, nomeadamente no que referiu.
A saber: "Golden share" é quando o Estado detem uma participação minoritária mas faz valer a sua antiga posição de proprietário e no âmbito de uma privatização "negoceia" esse previlégio na administração.
Ass: AA
Sabemos ambos perfeitamente o que é uma golden share (GS). Acontece que segundo o anunciado pelo MC, o Estado (governo central) estaria minoritário no CA (dos 5 adm: 3 privados, 1 CMP e 1 MC), beneficiando assim de uma prerrogativa que em tudo é semelhante à GS, dado que, sendo minoritário, actua numa posição qualificada que lhe assegura TODOS os poderes. A questão para o Governo, prende-se com o facto de vir a ser o maior contribuinte líquido para o financiamento da actividade da CdM. neste caso entende-se no direito de poder determinar unipessoalmente toda a gestão do equipamento. Até aqui parece-me tudo bem quanto ao pressuposto e à finalidade, só não percebo é porque é que então não o assume politicamente, adoptando como modelo institucionl para a CdM a figura do instituto público, da direcção geral ou mesmo da repartição pública, escusando-se nesse caso de meter os privados na história. Se o AA fosse um deles com certeza que não gostaria que o quisessem só para “entrar” permitindo-lhe, quanto muito, uns palpites nas reuniões do CA.
Sobre a questão de quem administrará melhor, penso que a minha posta indicia o que eu acho.
Sou acionista "microminoritário" em duas SAs recentemente privatizadas. E o que é que sou, senão um "contribuinte financiador" (eu e muitos mais investidores anónimos)e com a desvantagem de não ser tido nem achado em qualquer dos cinco poderes de acionista maioritário. Por outro lado e como consequência nós, pequenos investidores, nunca ameaçamos retirar os n/ capitais dessas SAs.
Mas há mais. O voluntarismo mecenático não é competivel com essa sede de protagonismo dos investidores privados.
Ass: AA
(As duas SA(s) das quais tem acções, provavelmente estarão cotadas em bolsa, o que, para além dos dividendos que lhe poderão trazer permite-lhe transaccionar as suas acções no mercado com mais valia e isto para além de outros benefícios fiscais que eventualmente ainda possam existir com a participação em privatizações, não me parece pois que os seus investimentos tenham carácter de beneficência e estou certo que os manterá enquanto constituírem para si uma vantagem patrimonial. Quanto à participação nos órgãos sociais, creio que o CSC é perfeitamente claro quanto a isso, logo não me parece que pudesse aspirar à partida a tomar parte nas decisões das empresas).
Sobre a CdM, não é uma SA que está em causa mas sim uma Fundação, logo o exemplo não se aplica. A participação dos privados teria uma dupla função: entrada no capital social e participação na gestão. Na perspectiva deles entendo perfeitamente que a primeira seja causa da segunda, além do mais foram essas as condições acordadas inicialmente. Também não li em lado nenhum que esta participação iria ser tratada como mecenato, este, de facto é incompatível com contrapartidas pois já lhe estão associadas as vantagens fiscais. No entanto, embora tenha dúvidas que no quadro geral da lei a participação no capital social da fundação possa ser tratada fiscalmente como um apoio mecenático, não me chocaria que assim fosse, pois efectivamente não seria retirada qualquer renda tangível da aplicação. Mas isto não invalida que possa conceder no aspecto que participar com capital de uma fundação com aquela natureza terá benefícios intangíveis aos participantes. Penso no entanto que este não é o cerne da questão.
Reconheço a imperdoavel confusão entre a minha participação nas SAs e a participação nas decisões da CdM dos "futuros" fundadores. Não tem nada a haver. No entanto para aí fui arrastado quando o meu amigo aplicou a figura da "golden share" a uma posição mais que maioritária do Estado Português na constituição do "FUNDO SOCIAL" da futurissima CdM. Também aqui há confusão. As entradas no Fundo Social de fundações com as caracteristiscas da CdM configuram uma parceria institucional. Na maiorira dos casos há uma associação de imagens que pode resultar para o bem ou para o mal ( que não tem nada a ver com os intangiveis - que não percebi porque entram aqui).
Por outro lado as entradas iniciais dos fundadores muito dificilmente serão consideradas como donativos mecenáticos. Mas também não são participações socias (IF). Se não abatem à matéria colectável por via do mecenato, são sempre Custos e perdas, pois destinam-se à prossecução de fins de uma fundação que obviamnete será reconhecida de utilidade pública.
Por tudo isso (e muito mais)acho que:
1. Como está em maioria, o Estado deve decidir;
2. Em minoria e sem decidir, o fundadores além de vantagens fiscais, têm a vantagem de estar associado a um projecto cultural de dimenssão consideravel;
3.Impacto social (ver autores americanos que escrevem sobre a 3ª geração de gestores).
Ass: AA
Obrigado pelos seus comentários.
Só mais umas notas:
- Com certeza que percebeu que a minha referência à Golden Share é porque existe um quadro em que o Gov, estando representado de forma minoritária no conselho de administração, concentra, nesse conselho e ao mesmo tempo, todos ou os principais poderes deliberativos. Se alguma coisa está errada, então, é a sua forma de representação que deveria ser maioritária e não minoritária, daí que considere essa participação qualificada. (atenção que o estado não vai ser tão maioritário assim no CS, no projecto inicial nem o era sequer, naquilo que o Estado (Gov) vai ter peso é no financiamento da actividade corrente).
- A minha referência a intangíveis, tem a ver com o conjunto de vantagens que os privados poderão retirar da participação e que não são mensuráveis, intangíveis, portanto;
- Também tenho a ideia que a solução contabilística seria levar a participação a “custos e perdas do exercício”, embora, não tenha grandes certezas acerca disso;
- Não conheço a literatura sobre a 3ª geração dos gestores, pode enviar-me referencias para o email desta Loja;
- Uma questão/desafio: posso depreender das suas palavras a conclusão que a CdM terá mais empenho na gestão, se gerida por uma figura próxima do comissário político, do que por representantes de entidades privadas que investem o seu próprio dinheiro e do qual, à partida, até nem vão retirar outr renda que não seja “imagem”. É que esta é a questão de fundo da posta.
Aceito o desafio. Se a gestão da CdM for efectuada por um comissário polítco já todos sabemos no que vai dar, apesar de haver raras e honrosas excepções. Por outro lado recorrendo a parcerias (com entrada de capital dos parceiros privados, como seria o caso dos fundadores da CdM)temos também experiências infelizes - ver caso do hospital Amodora Sintra cujo modelo de gestão atravessou dois governos de partidos distintos e não colheu unanimidade entre eles.
Em minha opinião a CdM poderia servir de exemplo de gestão. Um gestor público, nomeado ou recrutado pela tutela e com objectivos fixados. Executaria um plano de actividades definido pela tutela, e responderia pelo seu fracaaso ou colheria frutos do seu sucesso. O mérito e a ambição desse plano e sua execução seria o "isco" de financiamentos (mecenáticos.
Em relação à bibliografia:
http://www.esce.ips.pt/principiosgestao/arquivo/ProgPG200405.pdf
Ass: AA
Agradecido pela indicação bibliográfica.
Comentários:
- A experiência do Amadora/Sintra, que não conheço em detalhe, tem um elemento que faz com que não seja um bom exemplo de comparação: a procura do lucro por uma das partes e o cumprimento da missão de um serviço público de outra das partes, esta situação provoca certamente distorções pois uns e outros dificilmente coincidem no objectivo;
- O modelo que propõe não é muito diferente daquilo que já hoje é a gestão da coisa pública: os gestores/directores/presidentes já são nomeados e recrutados pela tutela; tem de cumprir planos de actividades definidos por si e aprovados pela tutela (a sua ideia é mesmo ser a tutela a defini-los?); supostamente, já devem prestar contas da sua execução. (É verdade que de ora em diante os gestores terão de assinar a carta de missão, sinceramente não vejo a vantagem da tal assinatura, dado que já fazia o juramento no termo da posse e a missão já faz parte do estatuto da organização - é um bocado como obrigar as pessoas a confirmar por escrito que leram um regulamento que, já de si, é de cumprimento obrigatório).
Continuo a achar que a diferença deve/ia / Pode/ia ser feita de outra forma.
1.A (má) experiência do hospital Amadora Sintra “e de outros Amadoras - Sintra” resulta do facto do Estado não possuir meios para construir o manter em funcionamento estruturas de serviço público. Como tal recorre a parcerias (publico - privadas). Acontece que o objectivo de qualquer entidade privada é o lucro, seja o Grupo José de Mello ou os futuros (?) fundadores da CdM. Estes últimos participem no fundo social inicial da fundação ou financiem actividades pontuais, têm sempre como finalidade o lucro. E aqui não podemos limitar o conceito de lucro a RLE. É que estar associado a um projecto como o da CdM, apesar de todos os trambolhões iniciais, incorpora sempre uma imagem positiva para a sociedade. Por outro lado temos a “verdadeira renda” da parceria:
-Quando a CdM publicitar a sua actividade mencionará sempre os seus mecenas. Por outro lado a possível exposição de um out-door no edifício da CdM implica uma publicidade estática ao “preço da chuva”.
- A CdM pode ainda ser uma cobaia para aferir o interesse nesta área de negócio.
É que: os fundadores são (quase sempre) SAs que têm accionistas que só vêm uma coisa à frente - a demonstração de resultados.
No pior dos cenários a verbas transferidas para a CdM são considerados mecenato e em contratos plurianuais podem ser considerados como custo em 1,3. Como a taxa de IRC é de 25% (esses grupos económicos suportam sempre uma taxa inferior), já estão a ganhar 5%. Grão a grão…
2.A tutela deve definir que actividades os organismos tutelados desenvolverão e dota-los com o recursos respectivos. Os romances paroquianos de nomeação e demissão são uma orgia de desresponsabilização por parte da tutela.
Ass: AA