A irracionalidade criativa (corr.)
quinta-feira, abril 07, 2005
Venerável António,
escreveste, e bem:
O Venerável Rui Branco lançou a ideia de que as alterações ao nível do indice de confiança dos consumidores, estariam relacionadas com as alterações verificadas no poder legislativo em Portugal.
Exactamente! (Quase) sem tirar nem pôr. O resto do teu texto, no entanto, deve ser dirigido essencialmente a outra pessoa pois não me parece que tenha defendido a racionalidade (ou irracionalidade) dos consumidores, que tenha retirado ilações tão detalhadas sobre a situação económica (na perspectiva de análise de um economista) ou coisa que o valha. Nem piei quanto ao que se passa com os inquéritos que avaliam a confinaça dos empresários.
A única coisa que disse, e mantenho, é que os níveis de confiança dos consumidores são permeáveis, fortemente permeáveis (foram em 1995, em 2002 e em 2005, pelo menos), a alterações políticas próprias do ciclo democrático.
Que são permeáveis ao desemprego, ao custo do dinheiro, ao resultado da selecção portuguesa de futebol no Euro 2004 e por aí fora já todos admitiamos, ainda que nos grandes números das probabilidades fosse/seja difícil estabelecer correspondências unívocas.
Os consumidores são racionais? Respondo-te dizendo que os empresários talvez sejam mais um bocadinho, ainda que em Portugal a dúvida, face a estes últimos, também me pareça muito razoável, em muito casos.
O que me levou à singela afirmação é que muitos pareciam não reconhecer que há aspectos muito concretos da avaliação política que as pessoas fazem dos seus governantes (dispenso-me, por agora, de discutir se concordo com elas ou não) que determinam, também, a percepção que os consumidores fazem das suas perspectivas económicas, projectos de investimento e afins. O exercício político, incluindo as medidas que nada têm a ver com política económica chamemos-lhe clássica, têm impacto na economia, mais que não seja por via dos níveis de confiança dos consumidores.
A coincidência destes "outliers" que apresento no gráfico com momentos chave nos ciclos políticos é que me parece digno de nota e relevante para quem tem responsabilidades ao níveis de política económica.
O que fazer com esta informação?
Muitos houve que vieram com discursos positivos, para insuflar expectativas, mas claramente ficaram aquém de contrariar o ciclo conjuntural dominante, outros fizeram discursos dramáticos e aprofundaram a crise de confiança de forma abrupta antecipando em vários meses aquilo que veio a ser uma queda (mais suave e não tão profunda) na área euro. Outros ganharam eleições e, no mesmo mês, (ou nos meses imediatamente seguintes - recordo-me de 1995) vêem ocorrer a maior subida dos últimos anos nos níveis de confiança dos consumidores. Será pelos seus lindos olhos? Será por "boas" razões económicas?
Sinceramente, não tenho uma resposta definitiva, e dificilmente acreditarei que alguém tenha, mas desconfio que estas espantosas coincidências tem muito a ver com o passado político recente e seus actores e com as expectativas futuras relativas aos agentes políticos do momento. Melhores níveis de confiança nada garantem mas são condição necessária para que algo se faça. Deve ter sido isso o que de mais extraordinário aconteceu na economia portuguesa em 20 de Fevereiro (sim, também na economia!). Consegues discordar com isto?
Em que é que se vai traduzir? Olhando com atenção para as variáveis de base (as 12 do inquérito mensal e não apenas as 4 que integram o indicador de confiança) não me parece encontrar algum tipo de euforia absolutamente patológica, mas parece-me que há condições para os consumidores (eufemismo para os portugueses, para os mais distraídos) embarcarem num novo ciclo político-económico, mais afastados da depressão psicológica em que se arrastavam há largos meses. Não me parece que só por isto entrem de imediato numa cavalgada consumista, aumentando o seu endividamento, por exemplo. Mas parece-me saudável que as perspectivas quanto à situação económica do país e do agregado para os próximos 12 meses não sejam agora tão depressivas quando ao mesmo tempo reconhecem que nada mudou quanto à sua capacidade de realizar poupança ou de vir realizar investimento em bens duradouros nos próximos doze meses. Para estes últimos dados deverão aguardar talvez pela confirmação das expectativas que depositam no governo, talvez pela melhoria do rendimento familiar...
Parece-me razoável admitir isto quando a subida espetacular de confiança não afectou as apreciações quanto a estas variáveis, tal como me parece razoável dizer que estão à coca, mais predispostos a alterar o seu comportamento ou primeiro sinal. Existirá esse sinal? Será ele o ideal para sustentar uma retoma do consumo privado? Cá estaremos para conversar, na altura. Mas dito isto, pergunto-te António, serão assim tão irracionais os consumidores? Ou, se preferires, será a sua irracionalidade económica motivo de preocupação?
De todas as indicações recentes, a única que me deixa algo apreensivo é a variável desemprego onde, aí sim, os consumidores parecem depositar grandes esperanças nesta "qualquer coisa" que aconteceu entre Fevereiro e Março. Mas veremos se os próximos registos não mitigarão um pouco este "outlier" e parte dos outros; desconfio contudo que no essencial esta subida de Março será sustentada nos próximos meses - se o governo se mantiver dando provas de serenidade e sinais de desempenho continuado. Adiante.
É engraçado que estas minhas "desconfianças" me parecem relevantes, urgentemente relevantes, para quem vai decidir em quem votar no próximo congresso de PSD, e não apenas para o analista económico.
Os consumidores não param de me surpreender com a sua irracionalidade criativa, essa é que é essa. Em Fevereiro parecem ter sido assim uma espécie de antí-cristo para muitos analistas económicos e políticos da imprensa nacional.
.
Publicado por Rui MCB 13:00:00
3 Comments:
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Há um pormenor que me parece interessantíssimo que é a abordagem sociológica destes fenómenos que estão longe de poder ser aprendidos e avaliados estatísticamente - o impacto da mediatização do discurso no comportamento dos agentes económicos e nos consumidores.
Desde o famoso "discurso da tanga" que ambos escrevemos sobre o pernicioso alcance dessas palavras reproduzidas "ad nauseum" pela comunicação social e, cogito agora, se não será coincidente com o pensamento e o alcance que Jorge Sampaio pretendeu e insiste em dar relevo ao seu "discurso positivo".
O que parece ser verdade é que o poder da comunicação social se estendeu, desde os anos 80, muito para além do poder político, atingindo agora o económico e influenciando fortemente o comportamento dos cidadãos.
Não me admiraria nada que, muito brevemente, a pressão do sector publicitário sobre as redacções se torne insuportável ao ponto de se transaccionarem notícias.
Uma das perguntas que gostaria de ver discutida com quem se opôs a minha afirmação inicial (pelo menos com o António) era a de saber "o que é que vale a opinião/ a confinaça dos consumidores em termos económicos".
Mas infelizmente a conversa descambou para uma discussão mais vasta, para a qual não me sinto muito motivado. Acho que anda por aqui muita gente a precisar de cotonetes para os olhos :-) Temos que levar a coisa para fora do meio escrito senão não nos entendemos.