A "herança" de Borges

Não é que dê para ter pena de António Borges, mas as sucessivas declarações públicas dos seus proclamados "apoiantes" servem para desenhar um quadro cruel dos bastidores da política portuguesa. Ontem, um, à Visão, insinuava que Borges lhe teria pedido, a ele e aos visados, ou quase, desculpas por ter afirmado à RTP que qualquer projecto reformista, e sério, não contaria com luminárias como Morais Sarmento e José Luis Arnaut, hoje, outro, Jorge Bleck, numa entrevista antológica, deu-se finalmente a conhecer ao país político que (ainda) não o conhecia, hoje ainda o Professor, Marcelo de seu nome, dá uma entrevista mordaz a A Capital.

É verdade que António Borges só se pode queixar de si próprio, não fez os trabalhos de casa, foi absolutamente desastroso na selecção dos recursos humanos, foi ingénuo e se deixou rapidamente deslumbrar com os holofotes, e, pior, julgou as intenções dos outros com a mesma bondade com que julgava as suas, mas também é verdade que António Borges era uma ameaça, uma ameaça que importava travar. Borges era uma carta fora do baralho, a única a falar activamente de temas como a corrupção e isso incomodava, e a melhor maneira de o arrumar foi "apoiá-lo", foi reduzir a sua moção a uma mão cheia de lugares comuns, que mais parece uma redação da guidinha, foi reduzi-lo a uma caricatura de si próprio, a um tigre de papel.

Por agora a herança de Borges não é brilhante, e afecta todo o sistema político português. Durante anos falou-se na necessidade de sangue novo, de caras novas, de gente da dita sociedade civil, Borges teve passadeira vermelha, tempo de antena como poucos e pura e simplesmente desiludiu. Desiludiu nos compromissos que fez, nos nomes com que achou por bem fazer-se acompanhar, nas mensagem que desistiu de querer passar (a moção!?, nem o mais empertigado detractor de Borges acha que o homem só tem aquilo na cabeça), etc, etc, etc. E ao desiludir, ao arrebentar o balão da forma lastimosa que este está a arrebentar, António Borges está a prestar um serviço lastimável à democracia portuguesa, porque doravante vai estar novamente dificultado e muito, o acesso a não políticos profissionais à vida política, porque se vão preferir políticos cinzentos mas (politicamente) experientes a quadros capazes mas, na linha de Borges, politicamente inábeis e voláteis.

O Congresso do PSD começa hoje, e Borges vai lá estar, presume-se já, com a plena consciência de que está verdadeiramente sozinho. Bom tribuno, se por uma vez abdicar de agradar a este e áquele, de não querer hostilizar quem quer que seja, e abandonar o discurso delicodoce das reformas sem dor, (tudo verificado à exaustão na sofrega entrevista ao Público) talvez consiga, ainda, reservar um lugar para o futuro no combate político português. O presente, esse desbaratou-o. Veremos.

Para terminar voltemos ao Bleckgate, o script da entrevista de Bleck a O Independente, que tanto irritou Borges, é tudo menos original, há passagens inteiras extraordinariamente parecidas com... outras passagens da entrevista de... Marcelo à Capital. Como não parece que Bleck seja o scriptwriter de Marcelo está visto quem se esteve a divertir nos últimos tempos. Como habitualmente, e mais uma vez, António Borges foi o último a perceber... Enfim.
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Publicado por Manuel 14:41:00  

1 Comment:

  1. Ruvasa said...
    Viva!

    Mas o maior "amigo" de António Borges dá pelo curioso nome de... António Borges!

    Então não foi o dito cujo que, em entrevista a Maria João Avilez, elogiou as qualidades do candidato a presidente do PSD, Marques Mendes, entendendo-o um pretendente muito credível e muito bom - e que ele, o sobredito, estaria muito disponível para integrar um bom governo (entendido como um governo do pretendente), num cargo mais apagado do que o de primeiro-ministro - para, logo de seguida, lhe dar a "naifada" da ordem no "costame", ao dizer que o homem não tem carisma, não arrasta ninguém consigo (o que até constitui verdade indiscutível, diga-se...)?

    E não é o redito António Borges que, talvez enquanto se olhava no espelho, ufano, resolveu apresentar uma moção de estratégia global ao congresso que hoje se iniciou, sem que, coerentemente, tivesse tido a inteireza de se apresentar ao eleitorado como candidato? Apresentando uma moção daquelas e mantendo-se por detrás da cortina, o que é que o homem quer? Um levantamento das massas, à procura do homem providencial, como na Figueira? Homens providenciais?! E essa espécie não está ainda extinta? E, se o não está, qual a razão por que não se intensifica a caça e o abate?

    E se não está à espera que as massas ululantes o levem ao colo (será que comprou carro novo ontem ou hoje?) até à ribalta, estará à espera de que votem maioritariamente a sua moção para que o vencedor nominal do Congresso a cumpra?

    Pois é! Ou o PSD se livra destes iluminados ou estamos todos feitos ao bife!

    Desculpe o arrazoado, mas perco as estribeiras com senhoritos destes.

    Felizmente, espero que os meus correlegionários - neste fim de semana como em outros que hão-de aparecer - acabarão por dar a cada qual o prémio que merece.

    Por mim, todos os teriam. Porque ainda não foi desta, infelizmente, que as ideias se sobrepuseram aos homens e às máquinas aparelhísticas. Mais tarde ou mais cedo, o partido vai pagá-las. Mas que é isso com a vã glória de uns tantos, que tanto confundem a Divina Providência com a sua própria crua realidade!

    Cumprimentos

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