A propósito dos últimos comentários, permitam-me este momento:
«Saldanha Sanches afronta a corrupção autárquica» e nós não dizemos nada, acusa um leitor! Mas há aqui um equívoco, digo eu, ou talvez vários.
Primeiro, SS não «afronta nada», limita-se a mandar uma «boca», que teve honras de primeira página num jornal que é suposto trazer «notícias», o que logo o inutiliza quanto à credibilidade do que diz, já que não concretiza o que afirma e muito menos demonstra o que propala.
Segundo, nem todos temos de andar a comentar o primeiro que sai à rua [e todos os dias saem muitos] a dizer coisas deste género, para a primeira página dos jornais. Tome-se isso a sério e vamos ter em cada dia que «à la une» títulos garrafais como «é impressionante o número de advogados que enganam os clientes», «é vasto o número de médicos que maltratam os doentes», «é grande o número de jornalistas que ludibriam os leitores», «enorme o número de filhos que aldrabam os pais», «enorme o número de prostitutas que desiludem os clientes», tudo para todos os gostos, mas sempre sem individualização, assim com foros de generalidade, a puxar ao sentimento, a gerar uma ideia, a esconder pelo geral o particular.
Quando li aquele comentário estava a ver na TV [já ia a meio] o «Citizen Kane», onde no momento se dizia: «quando o título é a três colunas, a notícia é grande!». Acho que é isto mesmo que vem a propósito dizer.
Segundo, lá vem o José Gil. Ele há o José e há o Fernando, ambos filósofos, que se fartaram de escrever para as estantes, ignorados. Bastou, porém, alguém em França dizer que o José era um dos 250 melhores e estamos condenados a levar na cara com o seu «medo de existir» [que - já sei que vou ser incinerado com esta - é um vulgar livro de crónicas de jornal e não uma obra filosófica digna desse nome!] , cada vez que escrevemos na escala de ré do piano dos sentimentos. Já com o Damásio aconteceu o mesmo [mesmo sendo o Damásio um investigador difícil de lêr] e com o Pessoa a coisa chegou a pontos de se poder dizer «tanto Pessoa até enjoa». Nisso, nós os portugueses, somos excessivos em tudo: no ignorarmos e no exaltarmos.
Finalmente, fica a questão de este «blog» ser um espaço «meramente lúdico» e não ser um espaço que nos liberte de coisas como o «medo de ofender os mitos sebastiânicos que vamos inventando para nos confortar», essa «constante definição de presentes e em lamuriento queixume do futuro». Eu agradeço muito a expectativa de que eu fosse aqui outra coisa diferente que não aquilo que sou. Mas, se me permitem, sou incorrigivelmente assim.
Lembro-me sempre, a este respeito, do «Valente Soldado Chveik» esse magnífico livro de Jaroslav Hasek. Interrogado pelo façanhudo oficial, sobre se seria, afinal, tão parvo quanto parecia, o nosso desconcertante soldado respondeu, batendo o tacão da bota no chão, em continência «declaro com obediência que sou realmente tão parvo quanto pareço».
Amén.
José António Barreiros
«Saldanha Sanches afronta a corrupção autárquica» e nós não dizemos nada, acusa um leitor! Mas há aqui um equívoco, digo eu, ou talvez vários.
Primeiro, SS não «afronta nada», limita-se a mandar uma «boca», que teve honras de primeira página num jornal que é suposto trazer «notícias», o que logo o inutiliza quanto à credibilidade do que diz, já que não concretiza o que afirma e muito menos demonstra o que propala.
Segundo, nem todos temos de andar a comentar o primeiro que sai à rua [e todos os dias saem muitos] a dizer coisas deste género, para a primeira página dos jornais. Tome-se isso a sério e vamos ter em cada dia que «à la une» títulos garrafais como «é impressionante o número de advogados que enganam os clientes», «é vasto o número de médicos que maltratam os doentes», «é grande o número de jornalistas que ludibriam os leitores», «enorme o número de filhos que aldrabam os pais», «enorme o número de prostitutas que desiludem os clientes», tudo para todos os gostos, mas sempre sem individualização, assim com foros de generalidade, a puxar ao sentimento, a gerar uma ideia, a esconder pelo geral o particular.
Quando li aquele comentário estava a ver na TV [já ia a meio] o «Citizen Kane», onde no momento se dizia: «quando o título é a três colunas, a notícia é grande!». Acho que é isto mesmo que vem a propósito dizer.
Segundo, lá vem o José Gil. Ele há o José e há o Fernando, ambos filósofos, que se fartaram de escrever para as estantes, ignorados. Bastou, porém, alguém em França dizer que o José era um dos 250 melhores e estamos condenados a levar na cara com o seu «medo de existir» [que - já sei que vou ser incinerado com esta - é um vulgar livro de crónicas de jornal e não uma obra filosófica digna desse nome!] , cada vez que escrevemos na escala de ré do piano dos sentimentos. Já com o Damásio aconteceu o mesmo [mesmo sendo o Damásio um investigador difícil de lêr] e com o Pessoa a coisa chegou a pontos de se poder dizer «tanto Pessoa até enjoa». Nisso, nós os portugueses, somos excessivos em tudo: no ignorarmos e no exaltarmos.
Finalmente, fica a questão de este «blog» ser um espaço «meramente lúdico» e não ser um espaço que nos liberte de coisas como o «medo de ofender os mitos sebastiânicos que vamos inventando para nos confortar», essa «constante definição de presentes e em lamuriento queixume do futuro». Eu agradeço muito a expectativa de que eu fosse aqui outra coisa diferente que não aquilo que sou. Mas, se me permitem, sou incorrigivelmente assim.
Lembro-me sempre, a este respeito, do «Valente Soldado Chveik» esse magnífico livro de Jaroslav Hasek. Interrogado pelo façanhudo oficial, sobre se seria, afinal, tão parvo quanto parecia, o nosso desconcertante soldado respondeu, batendo o tacão da bota no chão, em continência «declaro com obediência que sou realmente tão parvo quanto pareço».
Amén.
José António Barreiros