O nome da rosa.

É evidente que a intervenção político-partidária de juízes em exercício não poderá deixar de afectar a representação social da sua independência e imparcialidade.

Constituição da República anotada por Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 1993, pág.825.

A independência dos juízes, em Portugal como noutros lados, tem sido pedra de toque de justíssimas reivindicações e de discursos longos e relevantes dos vários Orlandos Afonsos, que têm passado na magistratura portuguesa.

A essência do discurso resume-se numa historieta - João Mendes Cecioso, burguês de Évora do séc. XVI, e vereador do concelho, resistiu quanto pôde ao apetite de D. Manuel I pelas “sisas dobradas”, impostos fundiários da época. Essa resistência advinha-lhe de uma certeza feita de convicção - tais impostos não tinham sido votados em cortes e eram por isso ilegais!

A relutância do Cecioso, incomodou de tal forma o rei que o mandou chamar, procurando diplomaticamente convencê-lo à cortesia do pagamento sem discussão. O Cecioso negou-se, invocando a lei e disse-lhe até que o poderia demitir, pois tinha bens de família que nem o rei lhos poderia tirar e com isso ficava seguro e ao abrigo de arbítrios. E o rei aborreceu-se mesmo e demitiu-o, ordenando-lhe o recolhimento forçado em casa, numa espécie de prisão domiciliária apenas mitigada pela eventual condescendência real. A imposição terá durado um único dia, pois o rei ter-se-á apercebido da falta de razão e da precipitação na ordem.

Ou seja, e tirando daqui a moral da história: - se o Cecioso fosse um teso e dependente de tenças reais, não teríamos história para contar!

Quanto aos juizes essa independência resume-se também numa outra historieta de um moleiro - em Potsdam, na Prússia de Frederico II, um moleiro recusava-se terminantemente a ceder um módico de terra ao rei que a pretendia e mandava adular o moleiro. O prussiano, perante o teimoso moleiro, desferiu-lhe um argumento final - "ou ma vendes ou eu sou obrigado a tirar-ta!"
E então, ter-lhe-á replicado o recalcitrante moleiro - "Isso é que Vossa Majestade não faz! Porque ainda há juizes em Berlim!"

É essa a noção essencial do que significa ser independente - poder falar aos poderes sem medo de serem cortadas tenças e pertenças! E ter uma Justiça a funcionar, para além dos demais poderes.

Talvez por isso, os juízes que dependem do Estado que lhes paga o ordenado, tenham efectiva necessidade de assegurar a independência através de lei.

O nº2 do Estatuto Universal do Juiz, estatui...
A independência do Juiz deve estar garantida por uma lei específica, que lhe assegure uma independência real e efectiva relativamente aos demais poderes do Estado. O Juiz, como depositário da autoridade judicial, deverá poder exercer as suas funções com total independência relativamente a todas as forças sociais, económicas e políticas, e independentemente dos demais juízes e da administração da justiça

Por outro lado, esse independência reforça-se com direitos especificamente atribuídos a quem não vive em conventos e se recolha a votos de clausura cívica.

Assim, o Medel, associação de magistrados europeus, define expressamente essas liberdades...
Os magistrados gozam, como os outros cidadãos, das liberdades de expressão, de crença, de associação, de filiação em partidos políticos e de reunião. Têm, também, direito à greve; porém o exercício deste direito não pode pôr em causa os direitos fundamentais de arguidos e réus.

Os magistrados têm o direito de constituir e de se filiar em associações e sindicatos de magistrados ou outras associações, nomeadamente para defender os direitos fundamentais, o serviço da justiça e os seus próprios interesses, para promover a sua formação.

Porém, mesmo assim, atendendo àquela ideia primária e primordial de independência, desde há muito que se tornou consensual entre legisladores, políticos e pensadores diversos que os juízes não podem nem devem confraternizar alegremente em convivências políticas, frequentando círculos eleitorais ou tugúrios de conspiração, e muito menos apoiarem listas e concorrentes de partidos com a política em pano de fundo, em campanhas alegres ou reuniões de confraternização, mesmo em noite de vitórias.

Por isso, a Lei dos partidos políticos de 2003, restringe direitos de cidadãos nestes termos...
  • 1. Não podem requerer a inscrição nem estar filiados em partidos políticos:
    • a) Os militares ou agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo;
    • b) Os agentes dos serviços ou das forças de segurança em serviço efectivo.
  • 2. É vedada a prática de actividades político-partidárias de carácter público aos:
    • a) Magistrados judiciais na efectividade;
    • b) Magistrados do Ministério Público na efectividade;
    • c) Diplomatas de carreira na efectividade.
  • 3. Não podem exercer actividade dirigente em órgão de direcção política de natureza executiva dos partidos:
    • a) Os directores-gerais da Administração Pública;
    • b) Os presidentes dos órgãos executivos dos institutos públicos;
    • c) Os membros das entidades administrativas independentes.
O Estatuto dos Magistrados Judiciais também não esqueceu essa restrição no seu artº 11º...
É vedada aos magistrados judiciais em exercício a prática de actividades político-partidárias de carácter público.


Por essas razões, se fixou em epígrafe, a frase dos constitucionalistas portugueses, agora conhecidos como apoiantes activos e empenhados do partido Socialista.

Tudo isto vem a propósito do facto de o Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, desembargador António Cardoso dos Santos Bernardino, ter festejado, visivelmente satisfeito, a vitória do PS, na sede deste partido, em Leiria! Sem problemas de maior e até com cachecol redrobado, da cor do partido!

Explicação do visado, segundo o Diário de Notícias...
Fui cumprimentar amigos meus que integravam a lista do PS/Leiria e no meio da confusão alguém me colocou um cachecol.

Violação do Estatudo de magistrado
?! Que nenni! A celebração é por via conjugal e prende-se com “relações de amizade que a mulher tem com a candidata Odete João”! E o dirigente socialista é “amigo pessoal” do Vice Presidente do CSM “ há mais de vinte anos” e por isso “normal” a deslocação à sede do PS para o cumprimentar!!

Abstenho-me de comentários e coloco aqui e a finalizar uma transcrição do sítio do Conselho Superior da Magistratura, sobre as respectivas atribuições...

O Conselho Superior da Magistratura funciona em Plenário e em Conselho Permanente.

Ao Presidente do C.S.M. compete representar o Conselho, exercer as funções que lhe foram delegadas pelo Conselho com a faculdade de as subdelegar no Vice-Presidente, dar posse ao Vice-Presidente, aos Inspectores Judiciais e ao Secretário, dirigir e coordenar os serviços de inspecções bem como exercer as demais funções conferidas na Lei.

O Vice-Presidente substitui o Presidente nas suas faltas ou impedimentos e exerce as funções que lhe forem delegadas.

E ainda uma frase de uma entrevista do juiz Batista Coelho, actual presidente do sindicato dos juízes, ao jornal O Diabo de 19/10/2004...

A crise da justiça é a crise do Estado Democrático

E ainda uma outra, do mesmo autor e saída de um artigo na revista FOCUS de 25/8/2004...
a independência do Poder Judicial não é um favor concedido à classe dos Juízes, é uma garantia dada à sociedade

Exactamente!
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Publicado por josé 19:00:00  

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