É o carácter, pá!

Sondagens recentes apontam Cavaco Silva como candidato imbatível para presidente da nossa República, por uma maioria esmagadora de preferências. À frente de todos os putativos contendores, incluindo António Guterres.

Porque será?

Arriscando uma análise simplista e eminentemente opiniática, tal só poderá explicar-se pelo Carácter.

Pessoas de muitas latitudes, apreciam o carácter dos indivíduos que mandam e que aparecem em posição de líderes.

Na América, as discussões sobre essa parcela da personalidade dos indivíduos que mandam, estão muitas vezes na ordem do dia dos artigos de opinião, revelando um interesse inusitado pela psicologia aplicada e pela filosofia de sempre.

Por cá, é raro lermos algo sobre o assunto da parte de quem o entende melhor: os filósofos, particularmente os dedicados à análise política. É pena que eles não peguem na pena e esmiucem o problema.

Assim, abre-se a porta aos diletantes, para perorar sobre esse assunto candente, com base no empirismo original e na impressão , muitas vezes desbotada e superficial. Aqui fica o contributo de mais um...

Seguindo Aristóteles, parece que o carácter será aquilo que revela o nosso fundamento moral, onde ficam à vista as escolhas que se fazem, de opção ou rejeição, nas circunstâncias em que se fazem, principalmente quando essas opções não são claras. Um bom carácter transporta consigo a capacidade de tornar algo mais credível.

Para além disso, também o mesmo filósofo diria que o nosso carácter é o resultado da nossa conduta.

Em Aristóteles – na Retóricao carácter não será a personalidade moral do orador, mas a impressão que, pelo seu discurso, este causa no público. Em Cícero a posição já será diferente:
Carácter são as virtudes éticas ou competências morais, ou seja, desenvolvem-se através do hábito, da educação e da prática. Aí cabem a honestidade, a moderação, a coragem, a justiça, o amor, a fidelidade, o humor… tudo virtudes!

Para Maquiavel a palavra virtude podia ter vários sentidos, combinados até: capacidade, perícia, energia, determinação, força, brio, coragem ou proeza.

Bem, bastará esta pequena amostra, para perceber que esta busca do significado exacto do conceito, pela vertente filosófica, é um caminho de perdição intelectual e mais vale já receber a extrema-unção da condescendência, pois morrerá aqui mesmo, a esperança de tal alcançar.

Assim, resta escrever em palimpsesto e reproduzir o que outros já disseram, adiantando opinião implícita.

Parece-me que nas escolhas eleitorais que se avizinham, estará em jogo a personalidade e o carácter dos actores mais visíveis da peça em exibição: a conquista do poder político!

Quem opta por Cavaco, escolhe o quê? A seriedade e a competência. Real ou presumida.

A capacidade de mandar bem e a habilidade em fazer escolhas acertadas, encontra em Cavaco o eco dos desejos de muitos que sentem carência de qualidades que julgam residir em permanência, no antigo governante. Parece evidente.

O denominador comum a estes tempos de análise política em painéis de televisão, inquéritos de esquina de rua ou sondagens avulsas em conversa de café, prende-se invariavelmente com a falta de qualidade dos políticos: “são todos iguais”; “ medíocres”;há falta de qualidade na democracia” (Marques Mendes dixit...) . Estamos, por isso, perante um problema de falta de Carácter, em sentido amplo. Faltam virtudes aos políticos conhecidos.

O problema, porém, surge mais agudo quando se começa a pensar que tipo de carácter é preciso para o cargo. Que qualidades se exigem ao político militante que dirige o orienta?! As da seriedade, honradez, competência técnica e intelectual? As inerentes ao espírito empreendedor, com a visão intrépida e temerária dos exploradores do ignoto? As da coragem, próprias do lutador inato? A lucidez do sábio e a prudência do cogitante?

Uma mistura de todas elas, num cadinho de personalidade? E como se detectam as qualidades? A olho nu da observação televisiva e mediatizada ou só pelo contacto pessoal e intransmissível?

É esse o problema do votante comum: não sabe exactamente, porque não conhece os termos da escolha!

E é por isso que a imagem corrente conta muito. Substitui a essência do conhecimento pessoal e transforma uma pessoa sem qualidades primorosas, num candidato de públicas virtudes, feito de promessas. E à primeira quem quer cai. À segunda ainda se vai lá espreitar e alguns acabam no logro inicial, por quererem, num wishful thinking esforçado, ver doses melhoradas onde só há pratos requentados e acabam por colocar a cruz de votante, num aldrabão militante.

Na América, uma senhora chamada Peggy Noone, na área dos neo-conservadores e que escreveu discursos para Ronald Reagan disse algo sobre o caracter que merece atenção...

In a president, character is everything. A president doesn't have to be brilliant... He doesn't have to be clever; you can hire clever... You can hire pragmatic, and you can buy and bring in policy wonks. But you can't buy courage and decency, you can't rent a strong moral sense. A president must bring those things with him... He needs to have, in that much maligned word, but a good one nonetheless, a "vision" of the future he wishes to create.. But a vision is worth little if a president doesn't have the character-- the courage and heart-- to see it through.

Todavia, quem discorde um pouco desta visão simplista e ponha o dedo numa ferida aberta de relativismo moral e mostre a hipocrisia social num esplendor de poleiro...
Professor James Davison Hunter is co-author of a report that found Americans recognize a need for strong moral character but display confusion and contradictory views about it. The report, “The Politics of Character,” found that the moral character of candidates “is trumpeted, but more as the absence of corruption than as the display of particular virtues.”

“It seems as though Americans don’t have the capacity to look beyond the rhetoric of character,” Hunter said in an interview Tuesday. “I’m not sure that voters care so much about the issues of character, about a principled public life, that they are capable of being motivated to seek it,” he said.

Hunter said the report “seems to suggest that image-making is more important than the substance of genuine leadership.” The report should encourage political consultants by reassuring them that their talents are still very much needed in American political life, he said.

A situação piora ainda se a análise desliza para o período da reeleição de Clinton, em que estas questões assumiram interesse nacional...
Better people then Clinton have seen their careers ruined over ethics. Nonetheless, the public is prepared to finally issue a mandate that ethics are independent of politics. Eventually, lack of character in politics will adversely affect the public’s wallet; whereupon they will finally realize that character and politics will forever be intertwined.

Em que ficamos? Escolhemos então os nossos líderes de partido e de governo em função da ética e do carácter de cada um? Ou apenas nos fiamos nas aparências das virtudes para lhes dar um valor putativo?


Queremos um Cavaco pela suposta preservação de valores que reclamamos ou apenas pretendemos a aparências das virtudes como reclame moral?

E Santana, Sócrates e Portas, como se portam, neste panorama? Que ideia fazem os portugueses em geral da particular personalidade de cada um que se reflecte nas escolhas públicas que fazem? E será consistente com a realidade, ou seja, conhecêmo-los suficientemente para os julgar nesse plano da moral e da ética?

Será pelo aparente carácter que são julgados e a escolha releva dessas impressões? E se assim for, quem nos ajuda a determinar o contorno da personalidade de cada um? Os seus actos mais recentes ou os antigos?

Questões e mais questões não respondidas - e que merecem reflexão , parece-me.


Publicado por josé 12:35:00  

3 Comments:

  1. zazie said...
    O José pegou num tema muito engraçado.
    É pena ter de trabalhar noutras coisas mas ainda assim sempre lhe digo.

    Essa questão do “carácter” anda sempre de mãos dadas com a da “personalidade”. E depois quem a usa antes de nós são os partidos. Os líderes já tiveram de fazer um longo percurso para chegar ao topo, à custa duma mistura do dito “carácter com a força da personalidade” que, na prática, pode ser feita por via da falta dele contrabalançada pela boa gestão da outra- da personalidade- ou da força da imagem.

    Por isso, eu costumo olhar para as coisas de outro modo. Se já chegou aqui muito foi preciso. E cada vez me parece ser mais preciso, porque não vejo um bom carácter a resistir à máquina partidária”.

    Agora o povo tem sempre os seus sonhos e as suas esperanças. E por alguma razão nunca se mostram as outras personagens. Nunca ligamos aos segundos e terceiros e nonos e por aí fora das listas.
    O chefe é que reflecte tudo. E dele e nele se aposta tudo.

    Depois, quanto aos actos e provas do dito carácter, temos sempre memória curta. E grande lata dos que sabem disso. Às vezes nem sei se é espírito de tolerância se habitual laxismo nosso.

    Mas, se quer um exercício gratuito aqui vai. Não lhes apalpei as bossas mas cá para mim, por intuição é mais ou menos isto que me parece.
    Santana- um grande vigarista. Nota-se demais
    Sócrates- uma boa máscara para poder ser tudo, incluindo um camaleão. Não se nota tanto.
    Cavaco- um grande hipócrita narcisista. Passa por sério porque é bom trabalhador.
    Portas- um retorcido e velhaquete com coragem. Passa pelo que é e pelo que não é.


    Agora não tenho tempo para traduzir a história em termos políticos ":O)))
    zazie said...
    Só para acrescentar uns niquitos

    Santana- vigarista sim mas com uma ambição desmedida. É capaz de fazer obra nem que seja para chegar lá.

    Sócrates- camaleão mas arrogante é capaz de estragar qualquer coisa para provar que manda.

    Cavaco- faz sempre tudo para não partir a cara. Pode-se contar que vire as costas quando for preciso

    Guterres- um boa pessoa trabalhador que faz sempre tudo para não ser chateado. E com grande arrogância para não se notar.

    Sampaio- um boa pessoa de afectos e suficientemente banana que quando quer provar que manda desmanda. Mas não é por mal.
    zazie said...
    ups! esqueci-me do
    Portas- tem coragem por todos os outros e se não lhe tirarem o tapete debaixo dos pés é capaz de desbaratar o seu próprio "exército" ":O)))

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