"O óbvio"

Recebido de "Olho Crítico", aqui fica o seguinte postal...


Falar e exprimir opiniões é uma coisa tão óbvia que, ao que me parece, poucas pessoas questionam na nossa comunidade dos anos 2000.

Mesmo os novos censores, quando exercem a sua censura, nunca assumem esse exercício como tal. Invocam razões de estado, razões de interesse dos serviços, e até a agressão ao que dizem de contraditório.

Nesta sociedade livre, ao menos para falar, vigoram regras de direito internacional e interno que, muitas vezes, são revogadas pela circular, pelo ofício, pelo telefonema, pela conversa a sós, onde está implícita a ameaça àquele direito.

Diria eu que, se não temos mais direitos, que nos deixem, pelo menos, falar e ficamos com a sensação enganosa de que já participamos na democracia, até no processo eleitoral que vai culminar em certo dia, a partir do qual já nada somos porque o poder, que está no Povo, passa a ser propriedade de quem é eleito por nós.

Em tempos, que não estão muito distantes, houve quem decretasse por despacho que os magistrados têm direito à liberdade de expressão, com as restrições do seu estatuto e da lei que se aplica a qualquer cidadão.

Houve quem logo aplaudisse. Não entendi, nem o decreto, nem o aplauso.

O decreto porque para mim sempre fora óbvio que os magistrados também são cidadãos, antes de serem magistrados. Aliás, nunca percebi, nem percebo, como se pode ser magistrado não tendo noções arreigadas de cidadania. Nunca percebi que magistrados defendam, no foro próprio, os direitos dos seus concidadãos, sem que eles próprios se atribuam os mesmos direitos. Se atribuam e os exerçam. Aí inclusa a liberdade de expressão. Com as condicionantes legais, como é também óbvio.

Daí que me disse que tal despacho vinha afirmar o óbvio. Afirmava o óbvio e era até perigoso, pois dava a entender, embora de modo oculto, que poderia haver outro entendimento qual seja o de que os magistrados estariam, até ao despacho, sujeitos à lei da censura vigorante até certa data do país e de que ora já é quase proibido falar.

Mas se “à concessão, por despacho, de um direito fundamental” ainda se poderia dar algum longínquo sentido pleonástico, o aplauso demonstra que, em certas áreas das magistraturas, reina ainda o espírito de submissão à hierarquia, a falta de consciência cívica e política que a Constituição e o estatuto dos magistrados evidentemente consagram.

Reina uma coisa muito pior: o medo.

Ora, magistrados medrosos não podem, com isenção, independência e imparcialidade, fazer, ou colaborar na administração da Justiça. Tais pressupostos têm de estar sempre presentes em quem julga, ou ajuda a julgar, os cidadãos. Magistrados timoratos podem ser muito certinhos na técnica jurídica, mas nunca serão os magistrados que o cidadão espera, com todo o direito, que os julgue.

Até certa altura, por exemplo, as circulares da Procuradoria-Geral da República eram instruções ou directivas secretas que ninguém conhecia.

Alguns objectivos se conseguiam com essa penumbra circulatória. Em primeiro lugar, quem as emitia, escondia-se atrás da opacidade do oculto, sem assumir as responsabilidades inerentes à ordem transmitida. Em segundo lugar, os destinatários directos, os magistrados, deveriam começar por aí a sua acção, e não por leis discutidas publicamente, como compete a uma democracia. Uma espécie de direito administrativo de caserna, ou de penitenciária.

Hoje, muitas das directivas e ordens da PGR são publicadas para o mundo conhecer no Diário da República.

Contudo, mesmo em democracia, continua a penumbra, ora mascarada de “interesse do serviço”, “lealdade às chefias”, o que, ao resto e ao cabo, só faz esconder o que deveria ser público: o mau funcionamento dos serviços e afasta o cidadão dos interesses que deveria ter pela res pública.

A tudo devendo acrescentar-se um outro dever, o chamado “de reserva”.

Reserva de quê? De pronúncia, de liberdade de expressão, de manifestação pública sobre o que se pensa de determinado procedimento.

Esse dever serve de rolha aos magistrados e de espada de Dâmocles sobre os mesmos, sobremodo quando não são do agrado das hierarquias conjunturais no poder.

É uma proibição que afronta a Constituição e Tratados Internacionais que o país subscreveu e serve para que sempre se possa, de modo mais ou menos eficaz, manter a opacidade da justiça, as suas dificuldades internas, a incompetência de quem governa e a impunidade de quem gere. E também sabem gerir os processo instaurados, fazendo com que durem meses e anos, assim amedrontando e mostrando aos magistrados “ quem manda”.

ATÉ QUANDO?

Olho Crítico

Publicado por josé 13:35:00  

8 Comments:

  1. zazie said...
    Uma pergunta: esse interesse do serviço”, “lealdade às chefias, direito de “reserva” funciona de forma velada, não está legislado, mas a possibilidade de se fazer parte de uma associação secreta, tipo maçonaria, como é? Está legislado, não põe em causa o “interesse de serviço”?
    zazie said...
    Lá vem outra porteira...

    Mas o que será que este quer ver? Não lhe basta o Crítico, será que está mais interessado no primeiro nick?
    zazie said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    zazie said...
    identidade óbvia parece-me esta: uma porteira da blogosfera. Mais uma. E aposto que até vem para o blogue sem tirar o avental ":O.
    josé said...
    Caro aNóNimo:

    Não reconhece o direito ao uso de pseudónimo de quem quer escrever sem ser com o nome próprio?!
    Porquê?
    Não significará tal pulsão exigente, um voyeurismo inconsequente?

    E se em vez de invectivar, produzisse um acrescento ao que lhe parece óbvio e afinal pode bem não ser?
    Acha mesmo que o direito à liberdade de expressão dos magistrados é um direito assegurado por todos os que o deviam fazer? Ou acha apenas óbvia a constatação da violação prátoca desse direito?

    Que acha do que o CSM fez ao juiz Rui Teixeira e mesmo à juiza Mata-Mouros? Acha que as sanções foram óbvias?

    E quem escreve a denunciar isso mesmo, como o fez o advogado António Marinho no Expresso, não merece o crédito de poder escrever sob pseudónimo, sem outros juizos de intenção, aNóNimos?!
    Não leva a mal as observações- escreva apenas sem essa pedra no sapato e vai ver que se sentirá melhor.
    Anónimo said...
    Afinal, Alberto João Jardim sempre resolveu festejar o Carnaval.
    Acabo de o ver a insultar o Prof. Cavaco Silva como qualquer arruaceiro irresponsável.
    Indigna-me que a Madeira continue a ser governada por tal espécime.
    Revolta-me que o País sustente este estado de coisas.
    Sou definitivamente favorável à independência imediata e total da Madeira, isto é, que não se lhe dê nem mais um tostão dos nossos impostos.
    Chega de palhaçada!
    Anónimo said...
    Escreva homem! não pare. Sou magistrado judicial e dá-me gosto lê-lo, é uma voz lúcida no deserto, mais sinto-me honrado em o ter por colega.

    parabéns e bem haja
    Anónimo said...
    parabéns Colega. Não pare, nem deixe que o parem.

    AT

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