Vasco Pulido Valente
"Higiene Pública"


Assisti, sem pasmo, ao momento de verdade de Francisco Louçã na conversa com Paulo Portas. Para Louçã, Portas não podia condenar o aborto, porque nunca tinha "gerado" e nunca vira o sorriso de uma filha. "Gerar" e ver o sorriso de uma filha parece que transforma um homem e o legitima para condenar ou defender o aborto. Esta idiotia, que no fundo não passava de uma insinuação torpe, indignou toda a gente e a própria esquerda. Aqui Louçã, o apologista da liberdade pessoal, caiu em si e o "Bloco" veio pressurosamente em seu socorro. Para o "Bloco" a coisa devia ser vista em "contexto". Que espécie de "contexto"? Ora muito bem: se Paulo Portas se declarava "conservador", estava necessariamente obrigado a viver como um conservador. No caso, a casar e a produzir, no mínimo, uma filha com um sorriso tão admirável como o sorriso da filha de Louçã. Caso contrário, era um hipócrita e merecia a uma boa correcção em público. Como costumava dizer o Partido Comunista, merecia que o "desmascarassem".

A técnica conhecida por "desqualificação do adversário" não nasceu ontem e não admira que persistisse no "Bloco", herdeiro do que havia de pior na tradição revolucionária clássica. Mas, dado o "contexto", talvez fosse de esperar do "Bloco" mais cuidado. Porque afinal quem são os senhores do "Bloco"? São uma centena de intelectuais de Lisboa e do Porto, com um eleitorado de classe média urbana, que subiram à custa de imaginárias "rupturas" com a moral tradicional, de um radicalismo inteiramente retórico e de um certo talento para a televisão. Nada disto é de esquerda e nada disto lhes permite falar em nome dos trabalhadores ou, de resto, de quem quer que seja. Não representam mais do que uma difusa repugnância pelo regime e as banalidades da moda ideológica do tempo. Se aplicassem a si próprios a regra que pretendem aplicar a Paulo Portas, também eles precisavam de mudar de vida. Repudiar a gravata, a favor de um arzinho "estudantil", não é identificação bastante com o povo explorado e oprimido. Se o conservadorismo pede a Paulo Portas que ele "gere" uma filha com um sorriso, o que não pedirá o trombeteado esquerdismo do "Bloco"? Uma pessoa treme de pensar e ninguém deseja que o dr. Louçã se incomode e sofra. Só convinha talvez que se coibisse de examinar a virtude do próximo e que não falasse tanto em "hipocrisia". Por razões de gosto e de higiene política.

in Público

Publicado por Manuel 20:06:00  

2 Comments:

  1. zazie said...
    Não sei se já pensaram como a imprensa começa a ficar desactualizada neste tipo de crónicas em relação à blogosfera. As crónicas semanais vão ter de se afastar do apontamento factual...

    (isto em nada invalida o que o VPV disse. Mas já toda a gente o tinha dito.)
    Anónimo said...
    Pois, pois... mas, apesar de o Louçã ser um pateta(como só agora foi descoberto é que me parece mais estranho!!) todos sabemos. Basta reparar no homem a falar sobre a fome em África, os ricos, os pobres, a guerra no Iraque, no Cambodja, no Cu de Judas... fala sem tropeçar, sem pestanejar... não, não confio e jamais confiarei em alguém que não pestaneja ou se engasga(não muito, pois claro, mas um bocadinho apenas...) quando abate o seu verbo sobre quaisquer temas!!! Mas, há algo no que diz que é uma verdade a merecer reflexão lenta: Paulo Portas é um rapagão e não tem nem filhos nem namorada(s). Nada de novo nisto, nem de mal nisto. É apenas um facto que colide, no essencial, com o vulgar(não corro o risco de usar a palavra "normal") no seio da sua emergência ideológica, no âmago das suas referências doutrinárias. Que significa isto?? Nâo sei. Sei apenas que o Louça também não sabe! E, por isso, devia estar calado!
    primo Sousa

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