Pactos para patos.

Ontem, no DN, Joaquim Fortunato, presidente da AECOPS, dizia que...

Ou há pacto de regime ou há revolução para que entre uma nova classe política. Tem de haver uma política coerente, uma estratégia para os grandes projectos de infra-estruturas que tenha o acordo dos dois principais partidos, para não haver sobressaltos.

Exactamente! E ainda disse mais...

...não podemos é continuar a viver num regime em que um governo chega, estabelece prioridades, define as infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento do país e, quando as empresas começam a preparar-se, a criar gabinetes de estudo, a admitir técnicos, a encomendar projectos, a constituir consórcios para concorrer e executar obras, vem outro Governo e diz que tudo aquilo é um disparate, que não se vai fazer. E pára tudo.


No mesmo jornal e secção, noticia-se que as imperiosas Associação Industrial Portuguesa e a Associação Empresarial de Portugal, dirigidas por luminárias como Ludgero Marques e Rocha de Matos...
entregaram um documento aos partidos políticos que pode ser visto como um caderno de encargos prè-eleitoral para o crescimento da economia. (...) Concertaram um conjunto de propostas que consideram indispensáveis para estimular a competitividade , ressaltando a imperiosidade de reformar a administração pública e redefinir o papel do Estado

Tal e qual! "Redefinir o papel do Estado"! "Revolução se não houver pacto...", etc. etc.

Os nossos detentores do capital e de meios de produção estão cada vez mais afoitos em reivindicações aos políticos e governantes. Falam alto, de cátedra e em tom ameaçador.

Só faltam os 500 romeiros do Beato, - os detentores de cargos nas administrações das Galp's, das EDP's, das PT's, das REFER´s , das CGD's … os gestores e os seus ex-gestores, e quadros superiores, presidentes de Institutos Públicos, coordenadores dos "grupos-de-estudo" e que fazem consultadoria para os vários ministérios aparecerem também a reivindicar qualquer coisinha dos políticos... que os nomearam!

Aliás, já o fizeram! Deram de barato 30 medidas para pôr Portugal nos eixos!

É o Portugal do colarinho branco e gravata a condizer com o fato liso ou de risca, a sair à rua, num dia assim, a anunciar a morte da economia se ficarem... enfim! É o anúncio da Revolução, já, se os políticos não obedecerem, agora!

É inédito, espantoso e temível. Dá a verdadeira dimensão do Estado a que chegamos. A revolta não vem dos descamisados da função pública que não recebe aumentos há dois anos. Não vem dos pensionistas e assalariados pelo mínimo. Marx, enganou-se! O PCP está perdido! A revolução não é proletária nem virá dos pequenos e médios empresários e comerciantes em convivência alegre com os assalariados.

Virá antes das cúpulas da super-estrutura empresarial, já anunciada se não houver pactos! Virá da ACEOPS!

No mesmo jornal, e em contraponto, João Cravinho , escrevia...
Nos últimos tempos sucederam-se apelos a pactos de regime, como se a salvação do país deles dependesse. Curiosamente, um dos raros, senão o único recomendável nas actuais circunstâncias, nem sequer é mencionado. Nada poderia ser mais salutar para consolidar a confiança nos políticos, partidos e instituições democráticas que um exigente e eficaz pacto anticorrupção. Que a ideia não tenha ainda ocorrido a quem solicita a confiança do eleitorado é mistério desconcertante.

Será assim tão misterioso e de desconcerto, a falta de acerto dos políticos mais em evidência, em pactuar com a transparência nos concursos e nas empreitadas e nas fiscalizações das mesmas e nas responsabilizações pelos incumprimentos? E que dizer das consultadorias várias e das encomendas de pareceres e atribuições de avenças aos mais diversos profissionais liberais da nossa praça?

João Cravinho ainda adianta que "O princípio da administração aberta deveria ser objecto de aperfeiçoamento e aplicação rigorosa." Administração aberta? Talvez, mas só a quem sabe bater às portas certas...

Por exemplo, como se concebe, em regime democrático e de administração aberta, o que se passou com a atribuição de uma consultadoria ao escitório de advogados PLMJ, de José Miguel Júdice, aquando da última "fase" privatização da GALP? Que sabemos nós sobre isso? Quanto foi pago até agora? Porquê e para quê? Alguém ainda deu resposta pública à solicitação pública do deputado António Galamba do PS, efectuada no Parlamento?!

Alguém se importa?!

João Cravinho ainda vai mais longe...
Certos actos, contratos ou procedimentos passariam a ser acessíveis em suporte informático, sempre que possível em tempo real, á inspecção do respectivo ministério, Tribunal de Contas e Inspecção Geral de Finanças. Os departamentos do Estado deveriam realizar auditorias específicas de risco de fraude, corrupção ou abuso de finalidade traduzidas em adequados planos de prevenção e correctivos, sob responsabilidade directa de membros do Governo. As missões e meios das inspecções dos ministérios deveriam ser reequacionadas. O Conselho de Ministros realizaria periodicamente sessões especialmente dedicadas ao combate contra a fraude, a corrupção e desvios contra a transparência. O seu relato pormenorizado ficaria acessível ao público, salvo restrições de confidencialidade.
Pois é. João Cravinho foi ministro; é socialista da esquerda antiga do MES; acreditou eventualmente na revolução proletária por meios pacíficos, (como se isso fosse possível!); será até de loja secreta e mesmo assim, não se abastardou. É um exemplo pelo que diz, porque não há outra forma de o dizer!

Quis reformar a JAE, por causa destes problemas. É dos poucos, em Portugal, que escreve sobre estes assuntos, conhecendo-os por dentro e aos corredores onde eles se geram.

Que paralelo poderemos fazer entre esta concepção de João Cravinho e de um ou outro notável que por vezes escrevem sobre estas coisas e a do empresariado português das AECOPS e AIP´s, em comandita com os gestores públicos que tramitam de EP para EP, como os dossiers nos armários?

O paralelo é de preocupação pela discrepância de conceitos de vida pública e de sentido do Estado. Há uma distância que se mede em anos luz de concepções democráticas e de transparência e modernidade, entre as reivindicações das AECOPS e AIP`s o bem público.

Provelmente, o que Cravinho diz é olhado com menosprezo, senão com desprezo absoluto, pelo liberalismo rompante que entende estas coisas como fenómenos menores e laterais ao progresso individual e à própria ideia de "sucesso". A corrupção não é problema para um liberal porque é um problema do Estado e o Estado é abominável. Logo, sem Estado, não há corrupção, certo?!

Errado! A corrupção não é só um problema do Estado, mas da mentalidade reinante do esquema de enganos. Quando o sucesso é meta, não importam os atalhos. No fim, sobram os melhores. Não é assim a competição?

A corrupção mais perigosa e alienante é a do sentido crítico. A aceitação da prática de esquemas de negócios que contrariam regras gerais e aumentam custos, subverte a boa convivência em sociedade, ao criar distorções entre o que se diz publicamente e o que se faz secretamente. É por isso, uma Mentira, aquela em que vivem os condescendentes com estas práticas. A Mentira é um Mal! Ponto final.

A prova da afirmação, está à vista: somos o país mais atrasado da Europa, mesmo depois de termos recebido fundos de maneio da Comunidade para nos posicionarmos no pelotão da frente! O dinheiro chegou e foi distribuído. Como, é que já não se sabe muito bem. Mas talvez a ACEOPS e a AIP e os gestores do Beato saibam algo sobre isso.

Como nos atrasamos desse modo inadmissível para muitos e criminoso para outros tantos, a AECOPS talvez pudesse dizer-nos alguma coisa, em vez de ameaçar fazer a Revolução!

Pouparia, além do mais, trabalho a sociólogos que se esmeram em análises empíricas baseadas em estudos do meio.

Talvez bastasse perguntar aos senhores doutores e engenheiros da AECOPS que conhecimento têm do modo como as empresas existentes à época e criadas para o efeito, negociaram com o Estado (os governos, os ministros, os directores-gerais), os fundos estruturais que chegaram em carradas da CEE e da UE ; como fizeram as auto-estradas, as pontes e viadutos; como foram realizadas as grandes Obras do CCB; da Expo'98 que se pagava a si mesma; do Euro'04, etc. etc.

Mais, talvez fosse conveniente perguntar quem decidiu na realidade dos factos nus e crus, fazer tais obras?

A resposta andará certamente no vento, como dizia o poeta, mas por mim, sugeria umas perguntas sociologicamente orientadas (talvez pelo António Barreto) a estes senhores. A estes também. E também a estes. E principalmente a estes!

E depois de obter essas bravas respostas, falemos então de pactos, para os patos que somos nós.

Publicado por josé 15:22:00  

1 Comment:

  1. zazie said...
    A revolta não vem dos descamisados da função pública que não recebe aumentos há dois anos. Não vem dos pensionistas e assalariados pelo mínimo. Marx, enganou-se! O PCP está perdido! A revolução não é proletária nem virá dos pequenos e médios empresários e comerciantes em convivência alegre com os assalariados.

    Virá antes das cúpulas da super-estrutura empresarial, já anunciada se não houver pactos! Virá da ACEOPS!
    Que grande texto, José, este vou guardar, ok?

    Mas é isto mesmo, estes gajos falam em sucessos, em competitividade e são uns comunas que não conseguem existir sem as benesses do Estado.

    Eu só pergunto, e como é? Quem leva a melhor? Estes que são “nossos” e que se aproveitam, ou os estrangeiros que lhes passam a perna?

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