"fantasmas e bons sentimentos"
terça-feira, janeiro 04, 2005
Na RTP discutiu-se se devemos ser optimistas ou pessimistas neste ano que começa. Gostei de ouvir D. José Policarpo apelar ao "realismo" e à "competência" para enfrentar os problemas. Maria de Fátima Bonifácio disse uma coisa interessante, sabendo-se que nunca diz coisas desinteressantes: provavelmente, e ao contrário do que se pensa, um dos nossos males é não estarmos ainda suficientemente deprimidos. Na realidade, as pessoas andam mais "chateadas", por exemplo por não terem dinheiro para tudo o que desejam (e desejam muito), do que propriamente deprimidas. E José Gil pôs o dedo na ferida. Não somos uma sociedade de enfrentamento e temos medo do conflito. Neste "debate" entre pessimistas e optimistas, percebe-se que a razão nunca está inteiramente num dos lados. A minha costela céptica, cínica e "hobbesiana", inclina-me muito decididamente para o pessimismo. No entanto - e há anos que o venho dizendo - sigo um provérbio russo antigo que li em epígrafe a uma versão francesa do "Livro do Eclesiastes": "um pessimista é um optimista bem informado". Francamente não espero grande coisa deste ano da graça de 2005. Isto porque não espero praticamente nada dos homens que conheço e que, de uma forma ou de outra, estão "à frente disto" nas mais diversas áreas. Gostava de poder esperar mais deles bem como de outros "registos" ou "ideias-fortes" que também fazem parte da vida, quando não mesmo constituem a própria vida, no que ela tem de absurdo e de infelicidade. Mas isso remete-me inconscientemente para o melhor "romance" traduzido no ano que passou, A Mancha Humana, de Philip Roth (D. Quixote). Está lá praticamente tudo sobre nós e o "outro", esse terrível torvelinho irresolúvel que nos mata um pouco mais todos os dias. Mostra-nos, como só a grande literatura o consegue fazer, a que ponto - e tão optimisticamente - nos deixámos conduzir tão para o fundo de nós mesmos, à conta, afinal, de fantasmas e de bons sentimentos.
in Portugal dos Pequeninos
Publicado por Manuel 03:06:00
2 Comments:
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Gabriela Arez
Não gostaria de me armar em conhecedor dos mistérios do comportamento humano, pois todos somos mais ou menos diletantes nessa matéria.
Porém, o JG acaba de me convencer a ler o livro do Roth.
Os escritores podem efectivamente cumprir essa função essencial de iluminação do caminho da percepção. A luz pode não chegar, e muitas vezes nem sabemos se somos alumiados por uma candeia ou apenas por uma luzincu.
Contudo, parece-me que a propósito do amor se poderá dizer isto: tem-se na medida em que se dá! E no sexo, a afirmação ainda é mais verdadeira, parece-me.
Parece-me...não tenho ainda bem a certeza. :-)