um postal abrupto e notável

No Abrupto de J. Pacheco Pereira, com data de ontem, há um postal notável sobre os meandros do poder que merece transcrição integral e que ameaça continuar. Que não se faça muito rogado, pois o serviço é inestimável.

O texto do Público de hoje, assim como uma reportagem da Sábado sobre as “agências de comunicação”, são leitura obrigatória para perceber a linha para onde hoje o poder se recolhe, para fugir à falsa transparência do escrutínio em tempo real. Tenho repetido à saciedade que existe um efeito de Big Brother nas políticas em democracia: tudo o que é importante não se vê, ao mesmo tempo que as pessoas têm a ilusão que sabem de tudo, em directo e a cores. O que é importante está do lado de trás da câmara ( a célebre “produção" do Big Brother, os vidros negros e os espelhos que ocultavam as filmagens) ao mesmo tempo que as personagens estão a nu para o “voto” dos “portugueses”. Falsa transparência, real obscuridade. Uma parte do mundo de “negócios” que circula ao lado e dentro dos partidos é constituída por empresas que vivem das encomendas dos partidos (nas campanhas eleitorais) e dos governos. Muitas dessas empresas são formadas por antigos militantes e, nalguns casos, funcionários partidários, que começaram por prestar voluntariamente ou profissionalmente, dentro dos partidos, os serviços que agora vendem. São empresas de todo o tipo de dimensão, que existem a nível local, regional e nacional (neste caso quase só lisboeta), ligadas quer aos aparelhos dos partidos, quer das juventudes. Têm todas em comum serem constituídas por “pessoas de confiança” política, baseadas em amizades pessoais e políticas e conhecedoras dos mecanismos de decisão interna partidária. Fornecem tudo, desde serviços de tipografia, canetas made in China, construção de sites na Internet, “brindes”, marketing, “relações públicas” e “comunicação”. São uma das razões porque as campanhas eleitorais têm muita dificuldade em escapar aos modelos tradicionais, baseados em elevadíssimas despesas de propaganda, que são um excelente negócio que ninguém quer perder. Nos partidos, há toda uma série de intermediários para este tipo de serviços e de “negócios” e existe uma competição entre os fornecedores de serviços, que passa também pelos conflitos internos dentro dos partidos. A promiscuidade é total e uma parte do que se chama habitualmente “aparelho” é exterior às estruturas partidárias. Como em todas as coisas há aqui diferenças significativas de dimensão e sofisticação entre as “encomendas” de uma campanha autárquica no interior e as “encomendas” nacionais, envolvendo fundos muito significativos. Aí o que está em jogo é muito importante, e as paradas são muito altas. Com a sua obsessão pela propaganda, o marketing, a publicidade, e a “imagem” , o grupo à volta do actual Primeiro-ministro tem profundas relações com estes meios, com jornalistas, profissionais de “relações públicas” e de “comunicação”. Este é o outro lado complementar da tentativa directa de controlo da comunicação, ou seja, parte do mesmo processo. Em todos os sítios por onde passou, as despesas deste tipo elevaram-se exponencialmente, dando emprego e “negócios” a toda uma série de próximos que lhe manifestam, como é de esperar, fortes fidelidades pessoais e de grupo. Acontece que este grupo não é constituído por necessariamente as mesmas pessoas e empresas que “já lá estavam” com os anteriores dirigentes do partido, portanto há toda uma partilha a fazer, com gente a ganhar e outra a perder. Isto ajuda a explicar o significado da denúncia do antigo director do Diário de Notícias, que levanta o véu sobre uma realidade política, insisto política, que até agora não tinha sido realmente escrutinada, porque está por detrás das paredes da casa do Big Brother.(Continua)

Publicado por josé 20:50:00  

5 Comments:

  1. Anónimo said...
    Ja cansa o endeusamento deste tipo. O homem escreve bem (e as vezes ate com graca), mas a verdade e que e totalmente ineficaz nao passando de uma voz no deserto. Da-lhe imenso gozo ter essa voz que todos leem e ninguem ouve, mas nao e com este Pereira que sairemos da cepa torta.
    Porque e que nao decidimos todos deixar este pobre diabo sozinho com as suas onanisticas diatribes? Teriamos mais tempo para procurar os tais Generais de que se falou uma vez nesta Grande Loja...
    Anónimo said...
    Em relacção ao comentário anterior: quer dizer então que o Pacheco Pereira se deve calar porque ninguém o ouve ? ok... grande raciocínio....

    Regressando ao post, recordo também que o Pacheco Pereira foi das poucas vozes que na altura escreveu imenso sobre a compra da Lusomundo pela administração socialista da Portugal Telecom. Socialistas esses que agora andam aí como umas virgens ofendidas. Meus caros, o Santanismo não existe, todas estas polémicas recentes (TVI/Marcelo/PT/Agênciass comunicação) são apenas e só gueterrismo no seu estado puro, versão 2.0
    Nada disto é novo. Não se lembram da importância do Edson Athaíde na comunicação do gueterrismo ? Não se lembram como a empresa de Edson ganhou a criação da nova imagem corporativa da Portugal Telecom ? Não se lembram como empresas ligadas a esta agência renovaram os sites todos da Lusomundo (e fizeram uma grande trampa que sobreviveu até há poucas semanas atrás, diga-se de passagem). Não se lembram como foi a cobertura escandalosa do Diário Notícias na campanha eleitoral que deu o 2º mandato a Guterres ?

    As virgens ofendidas é que só aparecem agora com o Santanismo. Porque será ?
    josé said...
    Não se trata de endeusar o JPP que escreve por aí, no Abrupto e no Público.
    O JPP é apenas um comentador privilegiado no panorama político. Evitei comentar o comentador, como já o tinha feito, às vezes em tom chocarreiro e provocatório por me encanitar nas análises que fez. Desta vez,não, porque a crítica é feita ao âmago do assunto em que ele próprio se encontra enfarinhado.
    JPP é encartado pelo PSD de antanho e notabilizou-se em combater uma ideia básica e peregrina que veio sempre a fazer caminho desde a Revolução: a que nasceu do comunismo e do socialismo, ou seja, a verdadeira herdeira do socialismo de esquerda. A sua luta, parece-me, foi sempre essa. E continua a ser, parece-me bem.
    Nesse aspecto, não sou antagonista e até aprecio o protagonismo.
    Porém, no que embirro solenemente, é na arrogância da pose e numa aparente aristocracia posicional balofa e infrequentável.
    JPP pretende figurar como nemesis do comunismo abatido e para tal assume a atitude de carrasco que esquarteja para entrever entranhas. Pretende fazer autópsias da mentalidade socialista leninista.
    A gente pode perguntar-se: para quê?!
    Outros, melhor apetrechados intelectualmente, a fizeram e geralmente em ficção. Para quê escrutinar os segredos da Lubianka se o Aljube ajuda a compreender?
    Para quê bisbilhotar segredos de arquivo em Moscovo se o Cunhal não fala e já disse tudo o essencial e que se resume ao seu ser? Finalmente, para quê remexer em fichas poeirentas se as importantes já foram reveladas na ex-RDA?
    Só vejo uma explicação: divertimento pessoal; gozo na pesquisa. É pouco e inútil como actividade filantrópica.

    Assim, o presente ensaio curto sobre os problemas da organização do poder político tem muitissimo mais relevância e deveria ser ponto de partida para contestação interna no seio do partido que mais as utiliza: o PS/PSD, o partido do centro.

    Contudo, será JPP capaz de inventariar os defeitos e apontar as soluções coerentes?!
    Duvido. Além do mais,porque no início da década de 90 teve uma prestação na AR que não me agradou de todo e notoriamente procurou um lugar na política que o ajudou no percurso pessoal de uma vida bem respaldada e que estaria destinada, sem esse respaldo, a uma simples actividade de professor, como milhares que por aí há, a ganhar a mensalidade dos 300 contitos e também a escrever em jornais de província e em blogs.

    Ainda bem para ele.Mas JPP é irrelevante no contexto da política.
    Não se afixou como personagem determinante, provavelmente porque não lambeu suficientemente as botas de outros e falta-lhe carisma para aceitar imagens postiças. Não conta muito como líder de opinião, porque é demasiado nuanceiro e poucos o entendem. Não marca agendas políticas porque se calhar não tem espaço para tal.
    E perdeu o comboio do poder político, porque escolheu comentá-lo. Tal como MRS.

    Tudo isto para dizer que JPP, no panorama dos comentadores é importante; nos blogs, talvez interessante. Como político, uma frustração inevitável.
    É, para mim, aquilo que se chama um cromo, mas no bom sentido: de luxo.
    Rui MCB said...
    Absolutamente brilhante o comentário do José.
    Quanto ao comentário de JPP parece descrever uma inevitabilidade (além de algum originalidade específica de Santana Lopes). Como resolver o problema? Sempre haverá fornecedoresdas campanhas? Não deverão ser os partidos a escolhe-los?
    Havendo transparência nas receitas e despesas dos partidos a situação passa a ser respitável e/ou desejável ou é preciso fazer algo mais?
    zazie said...
    absolutamente brilhante é pouco. Este José ainda vai a sábio. E é isso mesmo, sem complexos, o JPP dá um bom comentador e ocupa um lugar privilegiado. Não se espere muito mais que isso mas aproveitem-se estas pequenas denúncias.
    Quanto ao resto, aos vasculhos ao Cunhal e RDAs é o seu passado. Foi também aí que perdeu demasiado tempo político, possivelmente.

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