"A reforma das mentalidades"


Do Portugal salazarista para o Portugal democrático muitas foram as transformações, mas o nível de corrupção pouco ou nada se alterou. Mudaram as caras, verificou-se uma mutação de processos criminosos mas o Estado continua a ter um número significativo de agentes que se deixam corromper ou que promovem a corrupção, inviabilizando a competitividade económica saudável e a justiça social e fiscal.

Se antes era necessário pagar 20 ou 30 contos – quando este valor era o salário mínimo – para acelerar uma escritura de compra e venda ou “comprar” um chefe de uma repartição de finanças para rasgar um processo de dívida ao fisco, hoje as necessidades são outras.

Mas concordo com o RCP que o maior dos problemas não é a pequena corrupção, mas sim os processos criminosos que estão invariavelmente ligados ao financiamento ilícito dos partidos políticos portugueses. Só não acho que a solução legislativa chegue. É necessário uma forte acção dissuasora por parte do poder judicial.

O fenómeno não é exclusivo de Portugal – basta olhar para os casos do ex-maire Chirac, do ex-primeiro-ministro Kohl ou dos vereadores do PSOE de Madrid e as suas relações com empreiteiros locais – apenas a ineficácia, inexistência, receio ou desinteresse do poder judicial.

Isto sim é único na Europa desenvolvida.

O aparecimento de casos como o de Felgueiras, Amadora, Apito Dourado ou de António Preto revelam que algo está a mudar em Portugal. O facto de uma magistrada judicial de 30 e poucos anos ter coragem para impôr a detenção preventiva durante 48 horas do presidente do Metro do Porto, da Câmara de Gondomar e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional numa prisão por este estreada, representa um corte epistemológico. Assim como o trabalho de Carlos Teixeira do Ministério Público na investigação do caso Apito Dourado também deve ser tomado como exemplar.

Uma nova geração de magistrados judiciais e do Ministério Público com um nova mentalidade capaz de exercer os poderes fiscalizadores dos Tribunais é essencial para combater o cancro da democracia portuguesa: a corrupção ligada ao financiamento ilícito partidário.

Por alguma razão, o Bloco Central reage. Não só PSD e PS querem mudar o regime de escutas em vigor, como nos bastidores as pressões não cessam. Homens como Isaltino Morais, Valentim Loureiro e Joaquim Raposo sabem muitos segredos da República. Os pés de barro do regime podem não aguentar certas revelações.

As relações de promiscuidade entre futebol, política e obras públicas (caso Apito Dourado), entre poder autárquico e promotores imobiliários (caso Amadora) e um que pode ser a mistura de todos estes (caso Isaltino) são um teste ao Ministério Público e à sua hierarquia.

Nada pode ficar no “congelador” outrora inventado por Cunha Rodrigues. Essa seria a reforma das reformas.

in O Insubmisso

Publicado por Manuel 18:19:00  

2 Comments:

  1. Anónimo said...
    Em democracia, muitas vezes, também é preciso ter coragem para não prender e sobretudo lutar pela liberdade.
    Cronista Oficioso da 3R said...
    Caro Manuel,
    Vou aproveitar os comentários a este seu post para responder a um contra-comentário que assinou em que visou algumas observações minhas ao post «Brincar aos Processos» colocado no incursões e de que só agora tive conhecimento:
    1. A entidade com competência para resolver conflitos entre magistrados do MP de dois distritos judiciais diferentes é o PGR (por força do CPP, lei a que suponho que está vinculado e sem que tenha proposto qualquer alteração da mesma, pelo que reforçdamente tem de cumprir a lei como a generalidade dos magistrados)
    2. A entidade com competência para no âmbito do MP definir os critérios de resolução de situações duvidosas em termos de competência também é a PGR (ao que sei a mesma não tem sido exercida, pelo menos relativamente a casos mais controversos).
    3. Referir os factos a propósito de um post alheio não visa ninguém, a não ser a verdade... que alguns tanto proclamam (digo isto sem acrimónia pois até aprecio muitos dos textos daquele Manel que me visou mas às vezes há exageros a propósito da teoria da conspiração que são acompanhados do perigo de se colocar num saco de inimigos quem a entrar nessa guerra até preferia estar na sua barricada!)

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