os juízes
"Novo Figurino"


Há uns dias, o ministro da Justiça, numa entrevista a um canal televisivo, decretou ser necessário um novo paradigma de juiz, um homem completo, técnico de leis, "mas também um homem íntegro", atento aos movimentos sociais e ao mundo em que se vive.

Tem de convir-se que o governante tinha alguma razão, mesmo ao pé da letra, pois que os coitados dos juízes, alombando com centenas de processos para decidir e despachar, pouco tempo e espaço lhes resta para estarem atentos ao telejornal, muito menos para, com a devida atenção, se dedicarem seriamente à leitura e estudo de um filósofo ou mesmo de um tratado de direito que lhes enriqueça os conhecimentos jurídicos, os ponha a par do que vai no mundo, ou mesmo dos acontecimentos pequenos da nossa pequena vida política quotidiana.

Havia, porém, nas palavras do Sr.Ministro algo de preocupante. E preocupante porque um ministro não fala por falar, fala com conhecimento de causa, baseado em estudos sérios e fundados que lhe são fornecidos pelos seus serviços de investigação, ou herdados do seu colega anterior e dono da pasta correspondente.

Reporto-me ao ponto em que o Sr.Ministro, no tal novo paradigma, tenha pensado no juiz como "...um homem íntegro...", o que quer dizer, penso eu, um homem independente, isento e imparcial no exercício da sua função. Mas se este homem faz parte do novo figurino de juiz de que o país precisa, tem de concluir-se que o governo entende que ele não existe. Se eu fosse da Nobreza (corporação dos juízes) ficava ofendido, pois, à letra, o governante estava a dizer que eu não era, na minha profissão, um homem íntegro.

Mas tenho o ministro da Justiça por um homem de boa fé, um advogado distinto, com muitos anos de advocacia, não lhe passando pela cabeça que os juízes, os que o são hoje, e os que o foram ontem, não sejam e não tenham sido "homens íntegros".

Donde me imponho a conclusão de que o Sr.Ministro foi vítima de um lapso resultante, como é natural, de quem não está avezado aos microfones da televisão.

Mas a ideia do governante bem aproveitadinha, e encadeada no que disse a seguir, já terá algum sentido quando o ministro se referiu à formação dos magistrados.

O tal juiz (e não só, Sr. Ministro) começa no CEJ. Aí é que o Estado tem, realmente de investir, deixando, de vez, para trás, uma formação livresca e resumida ás áreas jurídicas, antes se alargando a outros sectores da ciência, como a sociologia, a filosofia, a história. E, quer gostem quer não, à boa educação, ao respeito pelos cidadão, à consciência bem funda de que a Justiça se faz em nome do Povo.

Há muitas coisas na administração da Justiça que não passam por técnicas jurídicas, nem com elas têm algo a ver. Passam por formação democrática, cultura constitucional.

Se o Sr. Ministro, no fim do seu mandato, tiver conseguido, nesta matéria, resultados visíveis, conseguindo dos magistrados, os da Nobreza e os do Clero, condutas e comportamentos em que não esteja o autoritarismo, donde se afaste a arrogância, a consciência sentida de que os tribunais são do ESTADO para se fazer Justiça em nome do Povo e que não são, como muita gente supõe, uma coutada murada de certas "vacas sagradas", terá tido um bom governo e terá feito um PACTO apreciável para a JUSTIÇA.

E se o Ministro despir os juízes das vestes de amanuenses, bastando para isso alterar dois ou três artigos dos Códigos de Procedimentos, desonerando-os daqueles longos relatórios em que se repete o que outros já disseram até à exaustão, vai ver que a produtividade e eficácia da justiça aumenta. Entre outras muitas coisas simples que perturbam o andamento dos processos. Em muitos casos, é só conhecer e querer mudar.

Alberto Pinto Nogueira

Publicado por josé 22:24:00  

2 Comments:

  1. Fernando Martins said...
    Isto das "integridades" tem o que se lhe diga...
    À dias, na garbosa cidade do Lis (chamar-lhe-ia a perfumada Leiria mas alguns talvez não gostassem...) um funcionário da sua mais antiga Escola Secundária atacou uma sua colega à dentada. Homem morde cão é notícia, mas contínuo morde contínua (em linguagem PC "Auxiliar Educativo", mas não soa bem...) parece ser só notícia para sensacionalista TVI! De resto, todos os Media (incluindo locais) olimpicamente esquecem a estória...
    Mas, contada com mais pormenores, o incidente fica mais saboroso: o funcionário com instintos caninos foi considerado o melhor funcionário da Escola, depois de morder a colega ainda agrediu outra funcionária e os alunos que intervieram dizem que tentou violar a colega mordidada...
    Apimentando ainda mais: o funcionário tem fama de beber imoderadamente (não, não é água), de tratar incorrectamente alunos, professores e seus colegas, e ainda teve diversas queixas apresentadas na Direcção da Escola sobre estes comportamentos.
    Depois disto tudo, perguntas:
    1. Onde está a integridade do Conselho Directivo dessa Escola?
    2. Como podem os meios de informação ignorar tais factos?
    3. Em que estado estão as Escolas Portuguesas!?!
    4. Como é possível tão poucos manipularem tantos...?

    Julgar deve ser difícil, mas fazer o correcto e apenas o correcto ainda mais difícil...
    Gomez said...
    Falou e disse caro PN!
    Acresce que por vezes o défice não chega a ser de cultura democrática, mas apenas de elementares boas maneiras. O terceiro estado - advogados - já ficava bastante satisfeito se aos Srs. Magistrados fossem incutidas as noções de urbanidade e civilidade de que alguns andam tão carecidos. Isto de ser órgão de soberania unipessoal, independente e irresponsável, não é para todas as psiques e volta e meia lá aparece debaixo da beca o "vilão" a que puseram a vara na mão...

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