O CONTRADITÓRIO. Vai uma grande algazarra pela blogosfera e, imagino, pelas redacções, sobre o apelo de Gomes da Silva em defesa do contraditório. Acho absolutamente estapafúrdia a questão, sobretudo do ponto de vista legal. Toda a gente sabe (ah, esta expressão pátria...) que, do ponto de vista legal, Marcelo Rebelo de Sousa podia falar durante vinte e quatro horas seguidas na TVI e daí não viria mal ao mundo. E se houvesse obstáculos legais, ninguém ousaria pôr em causa a autonomia da programação televisiva; olha quem a televisão faz muita falta em vésperas de eleições e em momentos de crise. Sim, podemos perguntar (com o dedo levantado e a certeza de estar a fazer a citação correcta) se é normal haver um comentador político que ocupe 45 minutos de tempo de televisão, aos domingos, a dizer o que lhe apetece. Não é. Mas, sinceramente, não se pode fazer nada: MRS veio da TSF, onde ocupava uma hora a fazer o mesmo, dando notas, atribuindo classificações, eleito como «o professor». Não estão em causa os seus dotes as suas habilidades ou a sua seriedade, a sua argúcia, as armadilhas que estende, as alfinetadas, os sorrisos, os segredos. É esse o seu trabalho. MRS é, nessa qualidade televisiva, um entertainer; ou seja, para a TVI funciona como um entertainer, ocupa 45 minutos de antena, faz subir as audiências tem o seu preço. Contraditório? Não. Havia contraditório quando Santana Lopes respondia em tempo real na RTP e, mesmo assim, a TVI esperava que Santana e Sócrates falassem. Eu percebo, toda a gente percebe, que a ideia de um contraditório é justa e decente. Mas já era justa e decente quando MRS era comentador da TSF num congresso do PSD, minutos antes de descer à terra para ser eleito líder do PSD. Eu acho, repito, justa e decente a ideia de um contraditório, seja no que for, onde for. Também acho que devia existir um contraditório quando Miguel Sousa Tavares fala às terças-feiras e expõe as suas convicções. E que devia existir um contraditório de cada vez que Alberto João Jardim fala na Madeira e é citado ou louvado pela imprensa que o governo regional paga. Para a TVI, numa perspectiva aceitável do seu ponto de vista, MRS não precisa de contraditório para ser um sucesso de audiências (de contrário não se explicava que o Jornal Nacional do último domingo tivesse apenas uma notícia e tudo o resto fosse ocupado com MRS).
Eu percebo o contraditório, finalmente, quando as pessoas falam em nome da decência, que é um valor como qualquer outro mas que eu prefiro. Mas quando põem o seu melhor ar escandalizado quando vêm protestar contra a barafunda em que isto está (depois de a terem causado e de a terem autorizado), o melhor é sorrir e passar adiante. Lembram-se da polémica à volta do «Acorrentados»? Há muito tempo que não se ouvia tanta gente pedir ordem nas ruas, moralidade na escola, disciplina no lar, fim do massacre das classes médias.
O que o dr. Gomes da Silva (e, por interposta pessoa, o dr. Santana Lopes) teme não é a decência; o que ele quer, realmente, não é o contraditório (contraditório entre quem? entre dois militantes do PSD?). O que o dr. Gomes da Silva quer é que julguemos que decretar uma ponte no dia 4 de Outubro foi uma medida justa, administrativamente aceitável e politicamente louvável. Não é, não foi. Foi outra trapalhada. E merece ficar, pois, com o seu melhor ar de trapalhada.
Francisco José Viegas
Publicado por Manuel 01:15:00
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