Ministério Público / Polícia Judiciária
terça-feira, outubro 12, 2004
A ausência de sentido de Estado, a luta pelo vão poder, a disputa pelo protagonismo mediático e outras contingências minudentes, têm trazido à tona, acentuadamente nas duas últimas décadas, um problema gravíssimo na administração da Justiça.
O Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ) não se entendem, como seria exigível esperar-se, no modo como devem orientar o respectivo desempenho nas funções que ambos têm atribuídas constitucional elegalmente.
Deviam entender-se, pois não existem por si e para si, antes como instituições fundamentais no estado de direito.
Movo-me, porque aí se torna crucial que se coloque a questão, na esfera constitucional e legal.
Dava a ideia de que a Constituição impunha alguma articulação da PJ com o MP, donde resultasse, na espinha dorsal da sua estrutura, alguma"dependência" da polícia de investigação a uma magistratura que, face à Lei Fundamental e à lei comum, exerce a acção penal que, no seu mais alto ponto, conduz ou não conduz um cidadão ao julgamento de um juiz penal.
À polícia reservou o poder político a tarefa superior de investigação subordinada, é óbvio, aos interesses do processo penal que os órgãos de soberania definiram.
A breve trecho, contudo, a PJ tornou-se independente de tudo, depende do ministro da Justiça e não depende, depende do MP e não depende.
Por seu lado, o MP não encaixou que, como magistratura, não tem vocação investigatória, não tem meios, não tem competência técnica para investigar seja lá o que for. Que se fique pelos inquéritos de injúrias, de acidentes de viação, de desobediências, qualificadas ou não. Que se deixe de ser polícia de investigação porque o não é, não quer ser e quando o é faz mal a investigação.
Os magistrados do MP não têm apetência e competência para Baltazar Garçon nem de terceira ordem.
O MP na investigação criminal, sem a PJ, é a mesma coisa que nada. E toda a gente sabe disso.
Se for capaz de indicar caminhos em função dos crimes a investigar, deixando de lado as coisas menores, já faz muita coisa.
O que se espera do MP, nesta matéria, é que seja capaz de coordenar e dirigir, deixando a investigação efectiva à PJ. É isto que está na lei e isto nunca foi cumprido.
Por muitas e variadas razões, onde ressaltam as que inicialmente se apontou.
Outro ângulo em que se deve olhar o MP na sua interacção com a PJ é o da prevenção criminal.
Tenho que a lei quando confere este atributo ao MP não quer passar da retórica, o que a prática demonstra sobejamente.
Onde estão as acções de prevenção imaginadas e levadas a efeito pelo MP?
Como fazem, ou fariam, os procuradores acções de tal natureza? Com a escrivã do processo que quer sair, e bem, do tribunal à hora legal ?
Para promover ou realizar tais acções, o MP sempre teria de ser auxiliado, seja na sua programação, seja na sua execução pela PJ ou outra polícia, pois ninguém vislumbra o"sr.procurador" a entrar no bairro de Alvalade ou das Antas e, no terreno, realizar acções de prevenção de crimes de branqueamento de capitais ,corrupção, ou fraudes na obtenção de subsídios.
Aponto o dedo ("...a minha G3 são os meus escritos no blogue...") às superestruturas de ambas as instituições que têm gasto tempo e energias em"batalhas" de poderes, ao invés de, coordenando e dirigindo uns e investigando outros, conseguirem os maiores resultados na prevenção e repressão da criminalidade, com largos prejuízos para a realização da Justiça.
O sistema que o legislador gerou tem potencialidades que nunca foram devidamente aproveitadas por incapacidade de diálogo e de protocolos de entendimento que a lei impõe. Não se trata de ver quem manda, trata-se de cada qual desempenhar as respectivas funções com algum sentido de Estado. Não é uma questão de poder. É uma questão de exercer o poder legítimo que se detém na forma legal, com os objectivos legais.
Como muita gente, já vou, entrementes, pensando que, com certeza, é preciso mudar também aqui.
Clarificar as relações entre o MP e a PJ, de modo a que se saiba, sem discussões, o âmbito de intervenção das instituições em causa. Com certeza no tal pacto para a Justiça, o poder político terá de redifinir como é que é.
Para isso, também é preciso ter sentido de Estado e coragem política.
Alberto Pinto Nogueira
Publicado por josé 13:47:00
2 Comments:
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A dinâmica própria desta investigação, dita por vezes regras práticas que obliteram os textos legais e é disso que dá conta Pinto Nogueira.
O problema assume relevância acrescida quando a polícia é a PJ. Esta entidade, passou dezenas de anos em ambiente fechado e tem sido dirigida internamente por magistrados ao longo dos anos, sendo escalonada por grupos de investigadores altamente qualificados e que em muitos casos nada ficam a dever, em formação académica e prática, aos magistrados que supostamente dirigem os processos. Daí resulta um natural tensão, porque os polícias sentem intimamente que percebem bem mais do assunto da investigação do que aqueles que a dirigem. E será verdade- daí o paradoxo e a tensão que há muito devia ter sido aliviada.
Porém, a solução de Pinto Nogueira, não me parece a mais consentânea com o papel do MP, tal como lhe é atribuido pela lei actual.
Um magistrado do MP que dirige a investigação não pode sem mais, delegar a mesma na polícia, continuando a fazer de conta que dirige aquilo de que voluntariamente largou de mão.
Um magistrado que dirige a investigação tem que conversar; estudar; planear;decidir;combinar a estratégia e a táctica da investigação com a polícia que o ajuda. A meu ver,só assim fará sentido a expressão legal.
Mas então como conciliar esta atitude necessariamente "proactiva" ( detesto esta palavra, mas enfim, não arranjo outra...) com a reserva de gabinete que naturalmente é própria a quem lida mais com papéis do que com pessoas?
Só vejo uma solução e que é de compromisso: empenho pessoal do magistrado que dirige o processo! Empenho em falar com o director do departamento da PJ; empenho em criar uma cultura de cooperação que não existe; empenho em vestir o "fato macaco", sempre que for preciso- buscas, apreensões, prisões e demais actos processuais importantes e que limitem seriamente os direitos dos cidadãos.
Talvez nisto esteja o meio termo pacificador do actual estado de crise, entre a uma polícia ´capada` por falta de meios e um MP sem braços para agir.
Talvez assim se evitem as investigações efectuadas à base de escutas telefónicas, por falta de outros meios e que redundam em problemas sérios de obtenção de meios de prova inabalável.
Por outro lado, a responsabilização do MP enquanto entidade de investigação sairia reforçada e legitimada.
Poderá argumentar-se: mas então os DCIAPS e os DIAPS para que servem?!
Querem mesmo que diga aqui?!
Assim, tal como estão, para nada!
Ou antes, servem para enganar as pessoas.
Basta ver o que se tem feito numa área sensível e que passa pela análise de papéis: braqueamento de capitais.
Fico por aqui.
“La transgression implique que la limite soit toujours à l’oeuvre. Or la ‘pensée-qui-ne-veut-rien-dire’ qui excède, les interrogeant, le vouloir-dire et le vouloir-s´entendre-parler, cette pensée qui s´annonce dans la grammatologie se donne justement pour ce qui n´est nullement assuré de l´opposition entre le dehors et le dedans. Au terme d´un certain travail, le concept même d´excès ou de transgression pourra devenir suspect.“
Derrida, Positions, Minuit, 1972, p 21