A cópia do dia...

...é este texto tirado do blog Cum Grano Salis de utilidade evidente para quem precisa de ler as leis.

O texto é da autoria de um juiz Conselheiro - Simas Santos - da secção criminal do STJ e é implacável para a nova legislação punitiva do novo Código da Estrada.

O legislador - essa entidade abstracta que na maioria das vezes é uma pessoa singular, assessorada por alguns comissionistas, - entendeu que agravando as coimas diminuiriam as infracções e acidentes que nos envergonham estatisticamente. Por outro lado, a recolha de verbas subirá em flecha e talvez sirva para... para... ajudar no combate aos acidente rodoviários!
Não será assim?!

O texto é este...


O Código da Estrada e as novas coimas

Escrevia o Conselheiro Artur Costa a 30.9.04, no JN, a propósito do novo Código da Estrada, que nós portugueses “somos fortes em leis”, para salientar que, demasiadas vezes, em vez de resolvermos os problemas, legislamos e, na incapacidade de as aplicar, alteramos as leis que temos, endurecendo-as, como se essa proclamação voluntarista, que também são as leis, sanasse os problemas. E concluía que “neste país instável e inseguro, quase se poderia dizer que os legisladores são os bombeiros de serviço”. A esse justo juízo crítico acrescentaria que falta muitas vezes a esses bombeiros formação especializada na feitura das leis, não obstante o esforço que vem fazendo o INA no estudo e divulgação da legística e o Relatório da Comissão para a Simplificação Legislativa, nomeada pelo Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública (Março de 2002). Ora, um dos pontos em que essas carências se manifestam são, como sugeria o texto que me serve de mote, as sanções cominadas no novel diploma. Sabido que a margem de autuação por parte das polícias, quanto às infracções mais graves é relativamente reduzida, como o é a da efectivação desse sancionamento, procurou-se a panaceia, no endurecimento dessas sanções. Esse procedimento, para além da sua relativa ineficácia, coloca questões que se prendem com as condicionantes constitucionais do direito de punir e com o próprio equilíbrio do sistema punitivo, criando dificuldades inesperadas noutros domínios daquele sistema. Como é sabido a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.º, n.º 2) (1). Um dos pressupostos materiais para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste no princípio da proporcionalidade (princípio da proibição do excesso) que se desdobra nos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, ou seja:– As medidas restritivas devem ser o meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (adequação);– As medidas restritivas devem revelar-se necessárias (exigibilidade);- Os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida» não devendo ser as medidas restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos (2).Daquele último normativo resultará a inconstitucionalidade da lei penal quando o legislador ordinário se exceda no tipo e/ou medida da pena (3), o que é igualmente válido para o restante direito sancionatório.A leitura apressada do novo Código evidencia o agravamento das sanções e a dureza da sua medida actual, que poderão afrontar aqueles princípios constitucionais. Mas que seguramente criarão dificuldades ao juiz penal, quando comparadas com as penas de multa previstas directamente no Código Penal e as que resultem da substituição da prisão. Estas sairão aviltadas na sua função, face a acrescidas necessidades de prevenção geral de integração que dificilmente se continuarão a satisfazer com os montantes das multas criminais que vêem sendo fixadas nos Tribunais Criminais, e que passam a ser inferiores à maior parte das coimas do Código da Estrada. Do mesmo passo, o dano a um referencial ético dirigido ao julgador que o Código Penal já causa, com a dispersão e multiplicidade das molduras penais abstractas, é agravado com a perturbação causada pelas novas coimas, num ilícito de mera ordenação social.


(1) Simas Santos, Medidas substitutivas da pena e penas alternativas, in A Justiça nos dois lados do Atlântico, FLAD, 1997
(2) Cfr.. V. Moreira e G. Canotilho, CRP Anotada, 3ª Ed., pág. 152.
(3) Cfr. Maria C. Ferreira da Cunha, Constituição e Crime, Uma Perspectiva da Criminalizarão e da Descriminalização, pág. 200-215.

Publicado por josé 10:09:00  

2 Comments:

  1. Luís Bonifácio said...
    Não contesto nem uma linha do que este meretíssimo escreveu.
    No entanto sempre achei estranho que a amior parte dos Juízes em Portugal, ao julgar condutores que assassinaram famílias inteiras, achem que o facto de o condutor assassino necessitar do carro para a sua vida profissional, seja considerado um facto "desagravante" da pena imposta (apreensão de carta)
    josé said...
    O problema da impunidade dos "assassinos" pode colocar-se assim:

    Um acidente de viação é um fenómeno dinâmico ( et pour cause) em excesso. Toda a gente que conduz tem a noção disso mesmo, porque de certeza já experimentou aquela sensação aterrorizante que é a de, numa brevíssima fracção de segundo, vislumbrar o desastre iminente. Ao escaparmos à fatalidade, todos sabemos o que correu mal: excesso de velocidade;imprudência na ultrapassagem ou na manobra;distracção momentânea e natural;risco assumido ou azar momentâneo.
    Entre estas causas directas dos acidentes -e outras haverá - depois do desastre ocorrer, vêm os danos.
    São os pessoais que mais contam e a morte de pessoas que se repete infalivelmente a um ritmo cadenciado e permanente leva à indignação de se reclamar punição para "os assassinos da estrada".

    O risco de conduzir veículos é tão grande que nem a maior prudência afasta o perigo de acidente. Pode diminuir-lhe as causas, como acontece em países mais civilizados na condução estradal, mas não os elimina.
    Assim, o assassino pode ser qualquer um de nós.Basta que numa descida do IP4, numa noite de chuva intensa, o condutor não se aperceba que numa curva, a velocidade que costuma usar no local, sem qualquer problema, se torna imperiosamente proibitiva.
    Ao não se aperceber, provoca o acidente fatal e mata involuntariamente pessoas. Isso transforma-o automaticamente em "assassino"?!

    Estas questões de índole complexa, pôem-se na maior parte dos casos em que se verificam acidentes mortais, também por várias razões:
    Devido ao extraordinário dinamismo dos acidentes, torna-se muito difícil determinar o grau de responsabilidade dos envolvidos. Na maior parte dos casos, parece-me bem, a responsabildade pela ocorrência dos acidentes é repartida. Como se torna necessário, em termos jurídicos, apurar o comportamento determinante e causador do acidente, fazem-se inquéritos.
    E começa aí outro problema maior: como é que se fazem estes inquéritos? A GNR-BT é quem aparece a "tomar conta da ocorrência". Vê os carros parados, estampados, desfeitos, capotados ou em posições incríveis e pede-se-lhes que reconstituem o facto, a ocorrência.

    A melhor forma de o fazer, é, como toda a gente compreende, fazer registos fotográfico ou em vídeo. A GNR faz isto?!
    Faz! MAS SÓ AGORA! - De há poucos meses a esta parte!!
    Então como é que se fazia antes?
    COm "croquis" em que os agentes desenhavam a posição dos veículos e as distâncias.
    Para além disso, as testemunhas são fundamentais! Mas já ouviram alguém a relatar um acidente depois dele ter ocorrido?! Nomeadamente, já repararam nas versões e nas opiniões sobre quem teve "culpa"?!

    É com estes elementos de prova que os inquéritos são instruídos e os julgamentos efectuados, geralmente muitos meses ( ou anos) depois do facto.
    Quando há julgamentos em processo crime, geralmente aparece como arguido um pacato pai de família, longe da imagem do "assassino". A versão que o arguido conta, pouco esclarece, normalmente. Quem morreu, já não fala.
    E as testemunhas, contam o que lhes pareceu terem visto.
    Geralmente um carro " a grande velocidade" ou a ultrapassar; ou seja outra circunstância que nem o julgamento no próprio local permite apurar com certezas.

    Assim, os "assassinos" deixam de ter a face visível do terror e passam a poder ser qualquer um de nós que anda por aí na estrada, escapando por casualidade e sendo vítima por acidente...

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