A cabala
Num ponto qualquer das nossas vidas nacionais, entrou pela porta dentro a teoria da cabala. Que rapidamente se transformou na mania da cabala. O marido bate na mulher? Cabala? O ministro sente-se acossado? Cabala. O arguido é acusado? Cabala. O partido parte-se todo? Cabala. A Madonna converteu-se ao judaísmo? Cabala. Ou Kabbala.
Eis como passámos de um texto filosófico que acreditava na existência de uma religião secreta dentro do judaísmo e de um enigma a decifrar dentro da Bíblia, com todos os grupos esotéricos e místicos que nasceram à sua sombra, para as pouco sábias palavras do ministro Gomes da Silva que começa a tornar-se um famoso «gaffeur». E que de cabalas nada percebe.
Cabala involuntária, diz ele. Do EXPRESSO, do Público e do Professor Marcelo. Tríade admirável. Eles não conspiraram voluntariamente mas, a cabala existe. O ministro Gomes da Silva tem um problema com a língua portuguesa, antes de ter um problema com os jornalistas e comentadores portugueses. Toda a conspiração é, por definição, voluntária, ou não seria conspiração. O mesmo se aplica à cabala. Este tipo de trapalhadas com a língua não ajudam a língua e ficamos todos com a língua de fora a tentar perceber o que quis dizer o ministro.
O primeiro dos trabalhos de Hércules da famosa Central de Comunicação criada pelo Governo é comprar uns dicionários e promover cursos de português que permitem ao discurso oficial uma melhor «capacidade comunicacional», como se diz agora. Se se gasta tanto dinheiro, dois milhões de euros ao que consta, que se gaste algum em gramáticas e dicionários e menos em assessores. O segundo trabalho é o de ajudar os ministros comunicacionais a falar claro e bem. E a nunca, nunca, proclamar o vício como uma virtude. Porque todos, rigorosamente todos, os Governos em Portugal, tal como os grupos e poderosos agentes económicos, tentam limitar a liberdade e independência dos jornalistas. E fazem-no velada ou descaradamente.
Por persuasão ou por ameaça. Às vezes, por corrupção das almas, que também existe, visto que nem todos os jornalistas são limpos embora todos se reclamem puros. Outras vezes, os poderes políticos e económicos tentam estimular a auto-censura através do medo, método muito mais eficaz de os silenciar. O que nenhum ministro fez até hoje foi proclamar alto e bom som que o Estado deve interferir na definição da independência do operador público de televisão colocando-lhe limites, comunicação bem mais grave do que a cabala involuntária. E bem mais grave porque transforma o hábito controlado e a tentativa de manipulação de um poder pelo outro, que sempre existiram, num desígnio nacional e num programa de Governo.
Entre a tentativa de controle e o controle como política oficial vai uma distância. E aqui chegados, o ministro Morais Sarmento tem que se explicar muito bem ou calar-se de vez. Porque, se a intenção é essa, a comunicação social tem de matar o ministro antes que o ministro a mate a ela. E, se lermos os jornais e virmos as televisões, é isso que a comunicação social está a fazer. Mais, está a matar este Governo, com a ajuda poderosa de membros deste Governo. Gomes das Silva e Morais Sarmento sabem que se querem que exista um limite à independência e actuação dos jornalistas e comentadores, nós também queremos que exista um limite à mãozinha autoritária dos ministros. E, para sermos todos francos, a Central de Comunicação devia explicar urgentemente aos ministros que esta é uma guerra que eles não ganham. Estamos em 2004.
Clara Ferreira Alves, Diário Digital
E assim caros leitores, por causa de uma pluma caprichosa, já está aberta mais uma frente de frisson entre Nuno Morais Sarmento e Pedro Santana Lopes.
Publicado por Manuel 18:48:00
2 Comments:
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Está na sua natureza...
Esse gajo é uma besta, sempre foi.
Está desde há anos a abichar umas largas centenas de contos mensais na AA (ah!ah!), mas - para mostrar que nada tem a ver com quem lhe dá o pão... - até já escreveu um livro em que ridiculariza os colegas. Estes, que não passam de uma cambada, não se importam de conviver com o animal. Pudera!!!