"A querida vaca sagrada"


Governo, oposição, sindicatos, comunicação social, enfim, os protagonistas do costume em toda e qualquer matéria que afecta a vida de milhões de portugueses, que assistem por norma na bancada a estes interessantes debates sobre o seu futuro, iniciaram a discussão anual sobre os aumentos da função pública. Resumindo as posições em confronto, o Executivo fala em subidas de acordo com a folga orçamental, que é curta, e os sindicatos, organizações que neste mundo em mudança se destacam pela seu reaccionarismo e irresponsabilidade, não têm qualquer pejo em avançar com valores que vão dos 3,8 aos 5 por cento. Neste contexto, só não se percebe a interferência de uma estrutura esquisita, que dá pela sigla TSD - dizem-me que são os trabalhadores sociais-democratas, cujo líder é há décadas um senhor, o único membro conhecido do grande público, cujo nome próprio é Arménio.

Como se vê, nada mau para um País na cauda da Europa em muitos domínios, nomeadamente em matéria de crescimento económico e produtividade, em que o Estado gasta 49 por cento da riqueza nacional produzida pelos seus súbditos. Nada mau, realmente, para um País em que os ordenados dos 700 mil funcionários e dos muitos reformados do Estado consomem a totalidade das receitas do IVA, IRS, ISP, IA, imposto de selo e também das estampilhas. Nada mau para um País em que o Estado gasta 81 por cento do Orçamento com o seu pessoal, activo e na reforma.




Com este panorama aterrador, é normal que as pessoas se interroguem, se espantem com o estado a que este sítio chegou e exijam reformas sérias, determinadas, corajosas e urgentes nessa enorme vaca sagrada que ninguém ousou afrontar até à data chamada função pública. Fala-se muito em concursos, avaliações, contratos individuais de trabalho, ordenados de mérito e outras coisas mais, todas elas lindas histórias para se contar às criancinhas, ler-se na praia, no campo ou numa terrível noite de insónia. Fala-se muito, é verdade. Não há Governo, de esquerda, de direita, do centro, mais à esquerda ou mais à direita, que não prometa reformar a vaca. Mas a dita, sagrada, valendo-se do seu peso, nomeadamente eleitoral - ganha-se ou perde-se o poder em função dos seus humores políticos -, ri-se, olha para o lado, choraminga um pouco quando as coisas parecem mais sérias e lá continua com o seu enorme ventre espetado, segura do seu poder. Até um dia em que os políticos se esqueçam das eleições e anunciem a este País anoréctico que a vaca vai entrar, finalmente, num radical e irreversível regime de emagrecimento.

António Ribeiro Ferreira in DN

Publicado por Manuel 00:10:00  

2 Comments:

  1. Rui MCB said...
    81% diz António Ribeiro Ferreira e o Expresso.
    60% diz Bagão Felix.

    Se nem neste número acertamos também não será fácil acertar no que fazer.
    Anónimo said...
    "Bonjour paresse”

    Com larga e penosa experiência, quer no sector empresarial, quer na AP, diria que em ambos, e a médio prazo, se terão de adoptar novos métodos de gestão (que não se reduzam a enxotar os seus funcionários para “outro aeroporto”... – vide o filme “Terminal”).

    Não pretendendo contradizer as afirmações de ARF, considero que, em Portugal, as empresas (muitas – talvez não todas) enfermam exactamente dos mesmos vícios da AP os quais são retratados nas lúcidas afirmações de Corinne Maier "Bonjour paresse” (in Público-Economia, 2004.09.13):

    " (...) É inútil tentar mudar o sistema - isso só o torna mais forte (...) O trabalho que faz é inútil e você será um dia substituído pelo cretino que trabalha na mesa ao lado - por isso trabalhe o menos possível e cultive uma rede de compadrios que o tornará intocável na próxima leva de despedimentos (...) Você não é julgado pelo seu mérito, mas pela sua aparência (...) Fale em linguagem tecnocrática: os outros vão pensar que você é inteligente (...) Não aceite posto de responsabilidade: vai ter de trabalhar mais, sem ganhar muito mais. (...)”

    Entretanto, na tão odiada AP portuguesa, e como é noticiado hoje no Público: “Nos tribunais portugueses faltam 1400 funcionários. As vagas estão abertas, mas não são preenchidas. Há cerca de quatro anos que o problema se arrasta sem que ninguém o resolva. Entretanto, a pendência de processos foi aumentando. E há cada vez menos funcionários para dar resposta ao volume de trabalho.”

    Será que a panaceia da gestão privada virá resolver os problemas da “vaca sagrada AP” nos Tribunais, Quartéis, Hospitais, Escolas, Orgãos da Administração e do Ordenamento do Território, entre tantos outros?.

    MJ

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