Pedradas no charco, em forma de requisitório.
quinta-feira, setembro 16, 2004
Maria José Morgado, magistrada do MP, escreve hoje na Focus, como convidada especial. Titula o artigo, "A fórmula da paz podre", o qual se transcreve com a vénia devida à revista que aqui se publicita como trazendo, com chamada na capa, um artigo sumamente interessante sobre "a vida secreta de José Sócrates".
Ao contrário de outros que por dizerem o que pensam sobre o funcionamento do sistema, apanham com processos de cariz eminentemente disciplinador, Maria José Morgado tem habitualmente gozado de carta de alforria das hierarquias para escrever e dizer o que entende - e ainda bem que assim é, para ela e para todos nós que a lemos com agrado. Tomara que o direito à plena liberdade de expressão se estenda aos demais, sem restrições, mesmo encomendadas...
A luta pela autonomia do Ministério Público foi o último sonho de Abril. Teve como consequência uma justiça incapaz , autista, distante do mundo e das pessoas, em vez da afirmação da independência do sistema judicial relativamente ao poder político, enquanto regra essencial de um Estado democrático.
As razões desta estranha evolução desenvolveram-se a partir de um nódulo de incompetência e cobardia dos magistrados e dos políticos respectivamente. No cerne deste processo, o MP acabou por desempenhar um papel decisivamente retrógrado. Não fez da autonomia alcançada uma forma de dinamizar a justiça, antes um "choradinho" sobre a falta de meios e dificuldades várias invencíveis. Progressivamente, autonomia e impotência perante a alta criminalidade e a morosidade parecem confundir-se.
Numa primeira fase da construção do actual sistema penal, uma certa direita portuguesa perseguiu posições extremas de subordinação do MP ao poder político.
Arreigava-se tal programa na crença da suposta vocação do MP para uma hostilidade de raiz a certos sectores económicos e políticos, usando o pretexto de que seria falso que neles predominaria a corrupção.
Temia-se que, com um MP independente e dono da investigação criminal, se iria pôr em causa o funcionamento da economia de mercado.
O tempo tem demonstrado que assim não é. Agora são a sociedade, a economia e o Estado que precisam e exigem um MP operacional. O falhanço da direcção do MP na investigação criminal pode medir-se pelos resultados no combate à fraude, corrupção, evasão fiscal e branqueamento de capitais, sem os quais não temos uma verdadeira economia de mercado, porque não há um Estado digno desse nome.
Contudo, como o ministro da Justiça não responde pelo falhanço por causa da autonomia do MP, e o MP não responde por causa da falta de meios e a PJ ainda menos pode responder por causa da susa falta de autonomia- está descoberta a fórmula da paz podre. Políticos e MP estão "dispensados" de resultados no combate ao crime, ninguém é responsabilizado e o verdadeiro resultado traduz-se nas morosidade, irracionalidade e iniquidade do sistema.
A direcção do MP na investigação criminal não funciona e a Polícia é a única entidade com capacidade de execução da investigação. No entanto, a falta de um programa de política criminal, com metas e prioridades definidas objectivamente, tem-se transformado num travão da actividade policia necessária. O MP não pode escolher o que investiga, diz-se. Como não pode escolher, também não pode acreditar no bom funcionamento da justiça.
Tudo isto tem provocado efeitos nefastos indesejáveis para muitos magistrados. A imagem de impotência e de crise tem acompanhado penosamente a justiça dos últimos dez anos, pelo menos. A noção de um dever de produtividade judicial tornou-se ofensiva para muitos. Os deveres do cargo encolheram face a reivindicações idiotas sobre horários e cargas processuais. A pretendida autonomia reduziu-se ao seu lado mesquinho.
Não há reformas de códigos que ponham termo a este marasmo , porque esta autonomia romanesca se espalhou como mel, dentro e fora do sistema. O poder disciplinar tornou-se tão tímido que pode suceder que se admita como convicção jurídica o que foi erro grosseiro do magistrado. A maior parte dos políticos prefere continuar a não ter de ser responsabilizado pelos défices do combate ao crime.
O sistema está de tal forma corroído que não é possível, por exemplo, analisar as razões do falhanço de um qualquer megaprocesso, nem apresentar os custos fabulosos que acarretou para o contribuinte.
A única forma de ultrapassar a crise é superar o dogma da autonomia romanesca. O ministro da Justiça deve apresentar, perante o Parlamento, um programa periódico de combate ao crime, com definição de metas e prioridades. O MP deve executar esse programa. O procurador-geral da República tem competência para dar instruções concretas , nessa matéria, a todo o MP. O PGR deverá mesmo apresentar perante o Parlamento, anualmente, a estatística da luta contra o branqueamento de capitais.
Só assim as questões dos meios e da orgânica judicial farão sentido. Só assim haverá um rosto, um nome para os falhanços. Só assim se compreenderá, definitivamente, que o Estado democrático vale aquilo que valerem os seus tribunais.
Maria José Morgado, Focus, 257/2004
Publicado por josé 15:28:00
Testemunho:
Um magisrado do MP, uma advogada conversam. O magistrado quer comprar uma casa e receia quwe o pedido de empréstimo não seja aprovado (30 000 contos). A advogada diz.
Com o que tu ganhas! Não tens problemas.
Eu só declaro 100 contos por mês e o banco emprestou-me 80 000 contos, para comprar um apartamento no Algarve, e queres saber mais, nem olharam para os papeis.
Só não os apanham porque não querem
MP
MP.