"Mediocridades"


Quem se mete em polémicas, de vontade ou empurrado, fica, no geral, magoado, fica com um travo amargo, fossem as ditas justas ou injustas.

Quem escreve nos jornais, num blogue, ou fala na rádio ou televisão, não escreve por escrever, nem fala por falar. Quer transmitir uma mensagem, quer ser lido ou ouvido. Se assim não fosse, escrevia um diário íntimo ou adquiria um gravador.

A escrita e a fala, se não apenas do statu quo, se se dirigem à crítica social, cívica ou política, semeiam, é bom de ver, aquele sabor desagradável no criticado, semeiam odiozinhos, seja ela justa, seja ela injusta. Mesmo aceitando a crítica, lá bem no fundo, o criticado sente ter entrado numa polémica, a tal que deixa sempre um travo amargo e que ele preferia não ter de suportar.

Não é novidade nenhuma que, num espaço democrático, a participação cívica ou política envolve, muitas vezes, uma posição crítica, de discordância. É feita, tantas vezes, com veemência, de modo contundente. E deve ser lida como tal, como crítica, como jeito diferente de encarar as coisas, os problemas, os desafios que, em certo momento histórico, são colocados à república, à comunidade e mesmo a um indivíduo concreto. E aqui é que bate o ponto, no momento em que certa personalidade, certo indivíduo bem concreto é objecto de crítica. Entra, sem o querer, na polémica de que falei.

Em geral, a polémica não se fica pela troca de "galhardetes" entre os discordantes, pela defesa firme e convicta dos divergentes pontos de vista.

Uma palavra a mais, um dito menos feliz, uma referência mais picante, é tida como ofensa à honra, à dignidade.

Se um funcionário subalterno alude de modo mais "atrevido" ao mau funcionamento do serviço, logo o chefe lhe instaura um processo, por deslealdade, por falta de respeito, ou por ofensa a um outro qualquer dever funcional. Se, numa reunião camarária, um vereador afirma que o presidente da câmara é incompetente e usa mal os dinheiros da autarquia ou favorece o partido, logo se tem o segundo por ofendidísssimo na sua honra. Se no jornal ou televisão se diz que o gerente ou administrador de certa empresa se passeia com os carros desta, assim mal gerindo os respectivos cofres, logo a mesma honra fica abalada, de dor, de sangue, ele gestor ou administrador e mesmo a família.

Por aí fora, por aí fora.

E tanto maior é a ofensa quanto mais certeira e correspondente á verdade for a imputação.

O Código Penal é rapidamente chamado a intervir.

Somos um país de "virgens ofendidas", de honras ofendidas, de dignidades ofendidas.

Por carências várias. Ausência de poder de encaixe. Incapacidade de aceitação da crítica.

Fraqueza de convicções. Espírito de baixa vingança. Odiozinhos medíocres. Ao cabo e ao resto, por défice de formação democrática que nos preserve da necessidade da condenação do adversário.

Se, por força de uma qualquer energia a deslindar, Eça de Queiróz cá voltasse, os processos que teria de alombar acumular-se-iam aos magotes em qualquer arquivo de um majestoso tribunal, não haveria espaço nos cárceres onde o resguardar e a sua conta bancária sempre estaria no zero pelas sentenças condenatórias que haveria de suportar, face às suas contundentes críticas, à sua ironia mordaz que, no geral, dirigia sem dó nem piedade ao meio social, mas, igualmente, aos actores relevantes, ou não, que pululavam no país de então. País que, que se saiba, jamais se lembrou de punir o escritor pelas crónicas que, sem dó nem piedade, superiormente escreveu.

Por essas e outras me causam, e sempre me causaram, um certo fastio essa coisa de pequenez sem limites de, por tudo e nada, correr ao juiz penal porque sicrano ou fulano não foi de destreza literária ao tecer este ou aquele comentário menos agradável.

Somos mesmo uma terra de medíocres.

Alberto Pinto Nogueira

Publicado por josé 11:00:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    É por posts como este que sigo cada vez com mais interesse a GLQL e o contributo que esta tem dado para despertar consciências sobre necessidade crescente de participação cívica e crítica nestes tempos tão conturbados, em que a democracia nos parece quase moribunda. Apesar do ocasional tom amargo e desiludido, de que texto de A. P. Nogueira é um bom exemplo, estou em crer que a existência de consciências críticas como as vossas (e de alguns comentadores que por aqui passam) nos fazem ainda alimentar alguma esperança para o futuro deste país.
    Bem-hajam!
    J. L. Amaral
    Alexandre said...
    já dizia o outro: há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. e ainda bem.
    Anónimo said...
    Alfred Sloan, o homem que fez da General Motors (nos anos 50?) a maior empresa do mundo, era o PCA quando uma decisão considerada muito importante foi a votação, o resultado foi a aprovação por unanimidade da proposta.
    O senhor Sloan tomou a palvra e disse aos seus colegas do Conselho de Administração que ela proposta era demasiado importante, demasiado importante para ser aprovada por unanimidade, sem vozes contra, sem discussão... A votação foi adiada para daí a um mês para que as pessoas se consciencializassem das suas implicações, dos seus pontos fracos e das suas vantagens.

Post a Comment