"Formação de magistrados e sentido de Estado."


O Director do CEJ (Centro de Estudos Judiciários) não viu ser renovada a sua comissão de serviço naquela instituição, por o CSM (Conselho Superior da Magistratura) ter entendido – ao que parece por unanimidade – que tal não seria viável por exceder dois períodos sucessivos de comissão de serviço. Isto, depois de o Conselho de Gestão do CEJ haver dado parecer positivo à sua recondução e tal recondução ser do interesse do Governo, que o solicitou ao CSM.

A atitude do CSM pode ser formalmente inatacável. Pode haver razões estatutárias ou regulamentares que a fundamentem. Só não se compreende qual a razão de o entendimento do CSM, noutros casos semelhantes, não ser idêntica, nomeadamente no tocante à permanência em funções de outros juizes para além de duas comissões de serviço de 3 anos cada uma (alguns no próprio CEJ).

Interessa, então, aprofundar as verdadeiras razões de tal atitude, de afronta pessoal ao Desembargador Mário Mendes e de «teste» ao poder político, concretamente ao Ministro da Justiça.

No plano pessoal, tratou-se de uma inominável desconsideração da pessoa e do cargo, tendo a deliberação sido tomada na antevéspera do início do ano lectivo do CEJ, deixando aturdidos todos os intervenientes e interessados no processo da sua nomeação (que havia sido garantida à anterior titular da pasta da Justiça), com as inerentes perturbações do funcionamento dos cursos actuais.

Mas, as verdadeiras razões são, porventura, mais profundas.

Face à posição do actual titular da pasta da Justiça no sentido de relegar o projecto de revisão da Lei orgânica do CEJ (elaborado por uma comissão restrita de representantes do CSM, do CSTAF, da PGR, e do MJ, em que o director do CEJ, Dr. Mário Mendes estava a título não institucional) para o estatuto de «elemento de trabalho» e vendo as propostas nele contidas presumivelmente comprometidas, sectores do CSM, desagradados com a posição distante dos seus interesses manifestada por Mário Mendes, entenderam inviabilizar a sua continuação no cargo, na expectativa de nomear alguém que os pudesse eficazmente defender.

Parece que, providencialmente, o ministro Aguiar Branco terá percebido que a questão da formação de magistrados é suficientemente importante para não se restringir a uma discussão de sábios corporativos mas, sim, ser objecto de um amplo e alargado debate da sociedade civil, das organizações políticas e de outros órgãos de soberania.

Se o ministro da Justiça percebeu «a jogada» – como se intui e espera – não deverá perder a oportunidade de dar uma resposta no mesmo campo (político) a esta afronta dos sectores que, no CSM, pretendem desvirtuar o modelo de formação conjunta das magistraturas e relativizar o princípio da cultura judiciária comum. Nem sequer precisará de hostilizar a magistratura judicial ou o seu órgão de gestão: basta-lhe exercer, em conjunto com o PM, os seus poderes de nomeação do Director do CEJ. Que pode nem ser um magistrado (muito embora seja desejável que seja alguém com ligação ao mundo judiciário e que se identifique, estrategicamente, com o programa de formação de magistrados que o Ministério da Justiça parece inclinado a defender).

A questão da formação conjunta de magistrados não é uma questão estritamente orçamental ou contabilística. Não é por «ser mais barato» formar conjuntamente magistrados judiciais e do Ministério Público que tal deve acontecer. É, antes, por decorrer de uma concepção que permita dotar os aspirantes às magistraturas dos conhecimentos, das técnicas, dos estatutos e dos limites e competências inerentes a cada uma das magistraturas, bem como possibilitar-lhes os instrumentos para uma opção conscienciosa e esclarecida – plasmada em diversos instrumentos jurídicos europeus e internacionais – devendo reconduzir-se a uma cultura judiciária comum, da qual não deverão estar postergados os advogados.

Ora, o CSM portou-se, neste surpreendente episódio, como um veículo de interesses puramente políticos. Mas sem sentido de Estado.

mangadalpaca© in Incursões

Publicado por Manuel 22:54:00  

2 Comments:

  1. Anónimo said...
    Já não se citam as fontes?????
    Pelos vistos não, pelo que se esclarece os leitores que este texto foi copiado do Incursões.
    Sugere-se rectificação, com inclusãao de link no post. É o mínimo...
    Kamikaze (L.P.) said...
    O comentário está inteiramente correcto, Pinto Nogueira, porque mangadalpaca é livre de enviar os seus escritos para onde muito bem entender, ou não? Neste caso mandou-o para mim, para que o publicasse no Incursões, como de outras vezes manda para o José, para que este publique na GLQL. É que não sei se já reparou que mangadaalpaca colabora nos dois blogs mas nunca publica directamente, pelo que talvez fosse interessante o caro Pinto Nogueira (que neste caso foi mais papista que o papa, dado que o Manuel já reconheceu o lapso) averiguar porque é que o nome de mangadalpaca consta como contributor na GLQL e não no Incursões...

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