Vasco Pulido Valente - "Ecos"


Tenho estado a reler a bibliografia clássica sobre o nazismo. Não por acaso. Porque o nazismo, sendo um caso extremo ou, mais precisamente, o caso extremo da dissolução de uma democracia (a República dita de Weimar), ajuda à sua maneira, e apesar de passado mais de meio século, a compreender alguma angústia de hoje. Não se trata evidentemente de comparar o incomparável. Mas, de qualquer maneira, há um eco ou há ecos, que esclarecem e sem dúvida inquietam. Por exemplo: a idade e a natureza da gente que fundou o Partido Nazi e, ao princípio, o sustentou. De facto, a começar pelo próprio Hitler, e fora uma ou outra excepção, eram todos muito novos, entre os 25 e os 35 anos. Não tinham emprego, oportunidades, carreiras, futuro. Um deles, Speer, embora mais novo, descreve o ódio dessa geração a um «sistema» que pouco a pouco a sufocava - e, principalmente, dentro do «sistema», aos políticos. Pior ainda, os primeiros nazis não tinham tradições. Fosse qual fosse o seu passado e a sua educação (que ia do doutoramento, Goebbels, ao analfabetismo, Himmler), nada os ligava a uma igreja, a uma comunidade, a uma cultura ou sequer a um ethos social. Boiavam, sem raízes no mundo. O que os fazia aceitar qualquer ideia ou qualquer acto com uma indiferença moral absoluta. E, como naturalmente esperavam um milagre que os tirasse do anonimato e da pobreza, nem o limite da possibilidade existia para eles. Quando deixaram memórias, contam sempre a mesma história de vagabundagem intelectual, sentimental e profissional, de ambições frustradas, de sonhos sem sentido. Em 2004, a sua voz não é inteiramente irreconhecível. E, pelo menos, põe uma questão: que tensões se acumulam nessa massa amorfa que por aí cresce e se torna adulta, num país periférico, estagnado e em desordem? O futebol, a televisão e o Rock in Rio chegam para a consolar de uma vida perdida?

in DN

Publicado por Manuel 03:47:00  

2 Comments:

  1. Anónimo said...
    É um risco pensar que a história se processa com descontinuidades e que os factos históricos aparecem por geração espontânea: não se acumula experiências nem se aprende com os erros.
    Como nos romances policiais, é sempre importante verificar quem tira proveito do crime!
    Luís Bonifácio said...
    A Républica de Weimar foi a MÃE do Nazismo
    A Nossa 1ª Républica (Que o pai Soares tanto gaba) foi a única responsável pelos 48 anos de Estado Novo.
    As más democracias são as mães e únicas responsáveis pelas Ditaduras

Post a Comment