"Pra Frente"


O país tem vivido num estado doentio de geral esquizofrenia. São cassetes, são violações disto e daquilo, são exageros de toda a ordem, são pedidos de demissões.

O país, meu Deus, não pode continuar assim, dependente, em forma de depressão quase geral, de um processo que deveria agitar as consciências e não resvalar o colectivo para o lugar esconso de um quase manicómio onde, aparentemente, todos vamos sobrevivendo.

Tempo é de finar com isto.

De andar pra frente.

Conta-me um amigo e colega que, há uns tempos, um Promotor de Justiça dos USA visitou Portugal. Um dos objectivos era analisar e conhecer o processo penal português e como, na prática judiciária, funcionava.

O meu amigo, então docente do CEJ, lá se esforçou por lhe fornecer o maior número de dados que pôde, seja em textos, seja proporcionando ao visitante o contacto com várias actuações no terreno na base do nosso processo penal.

Já no fim, o promotor dos USA comentou que Portugal era um país rico e que, na América, não havia orçamento para se fazer o que cá se fazia, em termos de processo penal.

Não sei bem o que tal entidade pretendia dizer.

Sei, todavia, que, com quase 600 artigos, o CPP tem tantas artimanhas, tantos incidentes, tantas regrinhas que, mesmo decorridos dezasseis anos, nem o jurista mais apetrechado é conhecedor de tudo quanto lá está. É um código complexo, pensado para um tempo que não é o de hoje, pensado para ser aplicado a alguns milhares de inquéritos e nunca para 500 mil inquéritos anuais.

O resultado está à vista.

De 1994 a 2000, prescreveram, que se saiba, cerca de 50.000 processos. Os restantes não se sabe nunca quando terminam.

A simplificação, garantindo, por um lado, os direitos e garantias do cidadão e, por outro, o dever do estado de perseguir e prevenir o crime, impõe-se rapidamente. Toda a gente sabe ou sente isso e é tempo de o fazer, com coragem, visão, estudo e ousadia.

O poder político, que é quem legisla, tem padecido de uma maleita bipolar, concentrando-se, doentiamente, em pontos muito restritos do processo penal: o segredo de justiça, a prisão preventiva, as escutas telefónicas, assim sujeitando, de modo redutor, a actualização de um código que devia ser, a meu ver, pura e simplesmente revogado, na sua quase totalidade, a meras operações impostas por certa conjuntura.

Não faz nenhum sentido que as provas recolhidas em inquérito não valham em julgamento, que tudo se repita, que tudo seja objecto de recursos e mais recursos.

Carece de senso que uma mera contra-ordenação possa ser causa de recurso para um juiz, depois para a Relação e até para o STJ.

Os julgamentos de matéria de facto nas relações são, como toda a gente sabe, uma farsa sem nenhum sentido. Julgar por cassetes...

Ninguém entende tantas formas de processo, o comum, o acelerado, etc, etc...

Garantindo-se sempre o direito ao recurso, o STJ deveria ter competência para decidir, liminarmente, os recursos a conhecer e a não conhecer.
Etc, etc,etc..

O código de processo penal que temos assenta, entre muito mais, num fundamento claro: o legislador teceu tudo, regulou tudo, criou normas e norminhas que só se entendem na base de desconfiança política nos magistrados. A acção destes está apertada numa teia que lhes restringe a legitimidade democrática. Não se trata de princípios constitucionais a ter em conta a cada momento processual, mas antes de regulamentações administrativas , quando adiam e quando não adiam, como ouvem e como não ouvem, o que transcrevem e não transcrevem, o que fundamentam e como e o que não fundamentam, em que prazos e sem prazos, o que certificam e não certificam, as provas que valem e as que não valem, quem fala primeiro e quem fala no fim.

A acrescer a tudo, como tenho dito neste local, uma jurisprudência repleta de citações, de notas e notinhas, de rodapés, infindável. Tão infindável e tão esotéria que, ao ler-se, nem se sabe se é uma tese de mestrado ou doutoramento ou se se está a resolver um caso concreto da vida real, se se tem um drama humano ou uma feira de vaidades onde cada magistrado procura ser mais "sabedor" que o anterior.

É óbvio que tudo está ligado ainda com a formação dos magistrados, com a sua formação contínua, onde nada se tem investido.

Para o Ministério Público, tem ainda a ver com alguns aspectos do seu estatuto, com a reorganização das Distritais, dos DIAPs, do DCIAP, do Conselho Superior do mesmo, o que será matéria para outra ocasião se a tanto "me ajudar o engenho e a arte, como diria o poeta.

Vamos mas é pra frente e deixemo-nos de alimentar guerras e guerrinhas, quem disse e quem não disse e como disse ou não disse.

Alberto Pinto Nogueira

Publicado por josé 16:25:00  

12 Comments:

  1. josé said...
    Parabéns por este lúcido e corajoso texto, Pinto Nogueira! Depois de o colocar, lendo-o, vejo-o como uma imensa pedrada num charco.
    Tomara que outros lhe seguissem as pisadas teóricas e desmontassem a tenda, apontado o rei que vai nu!
    zazie said...
    a continuar assim, este blogue corre o risco de se tornar mais útil que a Loja do Cidadão...
    ";O)))
    Gomez said...
    Parabéns PN por mais um abanão seriamente reformista. De reformas a brincar já estou farto...
    Anónimo said...
    Não sou jurista mas acho o texto sério, corajoso, construtivo.

    Mas o que denuncia é um pouco arrepiante.

    Porque será que os vários partidos tudo fazem para "complicar" e não "facilitar" a justiça?

    Caramelo Amargo
    Unknown said...
    Não sou jurista nem coisa que o valha! Mas que tinha uma vaga suspeita de que a "Coisa" era assim tinha.
    Anónimo said...
    Ao usar termos como "esquizofrenia","depressão" e maleita "bipolar", parece que o contexto é o da clínica no registo da saúde mental, mas a óptica do autor é jurisdicional e/ou judiciária.
    Mas de facto o tema que aborda tem de facto que ver com a saúde mental colectiva.
    Vejamos então: o cenário de fundo legal, a norma abstracta, remete para um Alter Ego(aquilo que deveríamos ser);a organização (material e humana)tenta um Super Ego(aquilo que queremos ser);mas a praxis individual e colectiva não produz mais do que o Ego(o que realmente sou, ou somos).
    O que é que falta? Vontade, carácter, personalidade.(Por outras palavras: frontalidade - assertividade - responsabilidade)
    O que é que há a mais: Ambição,cobiça, inveja, mentira, ódio.(Por outras palavas: negação - denegação - mediocredidade - falta de responsabilidade cívica e profissional - impunidade - abuso de poder).
    A que é que isto conduz? À confusão colectiva e à oligarquia.

    Última nota:A reacção do Promotor dos EUA não é de espantar - Mais importante que a Lei, é quem lhe dá rosto e quem a encarna, isto é o Juíz(Tribunal)e as Polícias.
    Nos EUA, para o melhor e para o pior, a Justiça é cega, mas os seus agentes andam de olhos e ouvidos bem abertos, e quando abrem a boca são responsáveis pelo que dela sai.

    Ass.MARIA DA FONTE II
    Anónimo said...
    Esse ex. do Japão não me parece vir muito a propósito. Recordo que, se é verdade que a "Revolução Meiji" de finais do séc. XIX colocou o Japão na senda da modernidade, ela levou-o também ao imperialismo e ao fascismo, que culminaram nas atrocidades cometidas sobre a Coreia e a China e na Segunda Guerra Mundial. A Democracia e o tal "sistema de justiça" conheceram um caminho bastante tortuoso lá para aquelas bandas... Por vezes é necessário avivarmos um pouco a memória histórica e não nos deixarmos levar pelos entusiasmos balofos e simplistas de alguns 'gurus'...
    O Japão dos livros de "management" (e de outros) é apenas um falso mito - e não é exemplo nenhum de liberdade, democracia ou justiça. É um país como todos os outros, com as suas forças e fraquezas.


    The Twilight Samurai
    Anónimo said...
    Meus amigos, quando a verdade é contada pela metade de baixo, sobra sempre para o mexilhão. Não é verdade que seja sempre assim. Dou exemplos que conheço relativamente bem: fora de Lisboa, Porto e Coimbra eu explico como se passa: O juiz é amigo... conhecido... padrinho de um filho de alguém que tem um interesse a correr no tribunal... e tudo anda sob rodas; na província todos se conhecem e os senhores dr. lá do sítio bebem o cafezinho, o chá das cinco... com os senhores doutores juizes! Ora, perante isto, é garantido: não interessa muito a verdade, interessa sempre a ... convicção do meritíssimo. E isto, quando toca a jornalistas na barra do tribunal é absolutamente escandaloso!! Como seria bom que os grandes media nacionais se interessassem por isto... é uma vergonha esfarrapada!!
    primo Sousa
    Anónimo said...
    Gostei e subscrevo.
    oncasinositenet said...
    Thanks for sharing.I found a lot of interesting information here. A really good post, very thankful and hopeful that you will write many more. Thanks for writing such a good article, I stumbled onto your blog and read a few post. I like your style of writing... Feel free to visit my website; 온라인카지노사이트넷

    oncasinosite 카지노사이트 said...
    Thanks for a very interesting blog. What else may I get that kind of info written in such a perfect approach? I’ve a undertaking that I am simply now operating on, and I have been at the look out for such info. Feel free to visit my website; 배트맨토토프로

    casinositewiki 카지노사이트 said...
    Thanks for the marvelous posting! I certainly enjoyed reading it, you’re a great author. I will ensure that I bookmark your blog and may come back from now on. I want to encourage you to continue your great writing, have a nice day! Feel free to visit my website; 카지노사이트위키

Post a Comment