"Matrix"
segunda-feira, agosto 09, 2004
Portugal aprecia uma boa novela, sempre adorou. À crueza dos factos prefere o sonho e a ilusão, só assim tolerou 40 anos de ditadura Salazarista, só assim tolera o Lopes a Primeiro-Ministro, só assim tolera o que se está a passar à volta do Caso Pio.
Para o comum dos mortais, sejam eles o vulgar cidadão, ou jornalista, o Caso Pio não é um escândalo - não é um crime - é antes um fait-divers, uma novela da vida real que ou suscita curiosidade ou serve para vender papel. Não é para levar a sério como durante muito tempo Salazar não foi levado a sério... É algo de distante que não atingindo directamente a esmagadora maioria da população é digerido como um reality show que até mete famosos à mistura.
O bom português é um voyeur, gosta de ver, de dar palpites, mas nunca de participar no jogo, é o típico treinador de bancada, basta ver a minoria que resistiu contra Salazar e a maioria que veio para as ruas quando se deu a Revolução. Como bem diz o ditado "gostavam de ser padrinhos mas só depois de o baptizado estar feito".
Portugal é assim, de vez em quando aparecem coisas que nos fazem abanar colectivamente, Timor por exemplo, mas essa é a excepção que confirma a regra.
E por estas bandas há a consciência disso. Não temos a veleidade de pensar poder mudar o mundo, se calhar até nos confortamos se ele não ficar pior do que já está mas não nos conformamos.
Não temos a pretensão de ser a verdade absoluta, não temos uma agenda comum muito menos um discurso alinhavado nos bastidores, aquilo que nos une na diversidade é tão somente uma veia reformista, um inconformismo face à passividade reinante, face à indiferença, face ao deixa andar, nada mais, nada menos. É este tão só o espirito desta Venerável Loja, mais do que ser a verdade absoluta fazer pensar, lançar o debate, provocar também uma certa catarse, enfim ser um moscardo que vá agitando consciências...
Dito isto, já há vários meses aqui assinei que fora o óbvio respeito que me merece o sofrimento das vítimas, que as houve, o Caso Pio per se não me interessa por aí além. O que é verdadeiramente interessante, até de um ponto de vista sociológico, é o que o Caso revela dos mecanismos de funcionamento dos diferentes poderes e das lógicas perversas que os regem, o que é verdadeiramente relevante é que de facto, e como Democracia, deixamos bastante a desejar...
Agora discutem-se cassetes, ou melhor o conteúdo de cassetes... Há meses apelava-se ao fim do segredo de justiça por ser absurdo (dizia Júdice), hoje apela-se a uma caça às bruxas para se imolar na praça pública quem hipoteticamente violou o mesmo segredo de justiça. Portugal é assim.
O Caso Pio não existe, é um mero intermezzo entre estes fenómenos. É claro que o diabo são sempre os detalhes, mas quais detalhes ? Ninguém perde um minuto - um segundo - a questionar-se sequer porque é que algo que foi perdido (roubado?!) há uma data de tempo só agora entra em circulação, porquê e para quê... Os mesmos que outrora se indignaram com a carta anónima a Sampaio, ululam e salivam agora à espera que alguém dispare o primeiro tiro, divulgue a primeira gravação, para a seguir gritarem, berrarem, pedirem cabeças, exultarem de novo a tese da cabala. Princípios ? Quais princípios ? Se dá tanto jeito...
Germano Marques da Silva - membro eleito do Conselho Superior do Ministério Público - e qual padre que a meio da homilia declara que não acredita em Deus, já veio dizer ontem, sem meias palavras, que "Está tudo muito podre. Se calhar é preciso começar de novo". Se está tudo muito podre, se "se calhar" é preciso começar tudo de novo que faz afinal Germano num dos Orgãos alicerces do actual sistema judicial ? Não estará podre também ? Ou não será é um sinal de podridão moral querer estar com um pé dentro e outro fora no sistema, como manifestamente Germano Marques da Silva mais uma vez se coloca ? Apesar de leccionar na Universidade Católica talvez fosse pertinente a tão desinteressado e dedicado defensor da democracia recordar os dizeres da Biblia que falavam sobre as condições prévias ao atiranço de Pedras... Porque Germano Marques da Silva que se tivesse uma pinga de dignidade, e depois do que disse, não punha mais os pés no CSMP, não é uma Maria Madalena arrependida, antes um perfeito jogador deste sistema.
Já José Miguel Júdice mais requintado e com a refinada ironia que lhe vem do seu velho culto juvenil por Primo de Rivera nos vem dizer que «Gostaria que o Ministério Público averiguasse se há casos de violação do segredo de justiça nesta situação, em defesa do bom nome das personalidades envolvidas», afirmou ao jornal «Público». Júdice não se mostra preocupado com as gravações em si, uma vez que considera que estas «seguramente» não violaram o segredo de justiça. Em suma, o mesmíssimo Júdice que em tempos se indignou solenemente - e apelou até, recordam-se?, a que o tirassem do filme - contra interpretações "abusivas" de lobbying telefónico é o mesmo que agora procura um papel principal no novo filme em produção - onde querem meter à força Souto Moura - que é o de descobrir em qualquer frase, em qualquer silêncio, em qualquer desmentido, uma escabrosa cabala, uma calamitosa violação do segredo de justiça - o tal que ele considerou em tempos absurdo... Curiosamente ou talvez não ninguém parece querer uma investigação à verdadeira origem, método e timing de divulgação das mesmas gravações (e porquê estes duetos, só com estes e não outros ?) , coisa que se começaria a impor até porque as explicações esfarrapadas e nebulosas de Octávio Lopes e João Marcelino do Correio da Manhã não convencem nem o mais crédulo (a tentativa subliminar de colagem da legitimidade e "bondade" das gravações à legitimidade da própria investigação do Processo Pio é simplesmente pornográfica). Portugal também é assim.
O Portugal profundo no fundo não quer saber, nem tenta, desiste, demite-se... Agradece até que não lhe contem, como aquele personagem do Matrix o qual confrontado com as agruras da vida real preferiu regressar ao falso e virtual mundo onde foi criado...
... mas nós contamos, para memória futura, não porque isso mude o passado ou sequer altere o presente, mas porque talvez possa impedir que se repitam erros futuros. E não contando tudo, porque não sabemos, porque não podemos, grão a grão, esperamos que um dia o que agora às vezes possa parecer curto, enigmático, gratuíto até, eufemístico, hiperbólico, possa vir a ser útil para compreender os erros presentes de modo a ajudar a que Portugal volte a ser outra vez um País.
Publicado por Manuel 07:10:00
Chegados a este ponto, as conjecturas são sempre piores que a verdade. Tudo devia ser esclarecido. O conteúdo das gravações, se houve ou não autorização de gravação, investigação policial e assumir das responsabilidades por parte dos intervenientes.
!- Isto já era falada há muito, certo? os ditos cds andavam por aí? e agora é que o dio jornalista diz que lhe roubraam? e roubaram o quê? o que ele pôs a circular?
2- se uma pessoa me gravar uma conversa sem eu saber alguém tem o direito de a publicar?
A lei permite que se divulgue o conteúdo de conversas que foram gravadas sem autorização dos próprios?
Thanks
1ª:
Artigo 199º do Código Penal.
Gravações e fotografias ilícitas
1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. (...)
PAra além disso, o procedimento criminal depende de queixa ( artº 198) e a pena será agravada de um terço no mínimo e máximo se o facto for praticado através de meio de comunicação social ( artº 197).
Voilà!
mas se esta não é das coisas mais estúpidas... então ele estava ao telefone e os tontinhos todos vaidosos cantam o que sabem e o que não sabem...