à flor da pele...

Na natureza as cobras mudam regularmente de pele, em Portugal o sistema muda regularmente a pele à cobra.

O sistema é estruturalmente avesso a grandes mudanças, a grandes reformas, no fundo o sistema tem-se afanosamente em boa conta, e não acha nem de perto nem de longe que precise de ser mudado, quanto muito o sistema concede de vez em quando uma ou outra mudança cosmética, operações de lifting para consumo externo, para que continue na mesma.

É fácil
falar em novas eras, em novos amanhãs que cantam, novos tempos até, mas todos sabemos, até porque já ouvimos essa cassete antes, que tal não se resolve com uma ou duas caras novas, não defumadas pelo protagonismo. Já os antigos diziam que "não era uma andorinha que fazia a primavera", mas em Portugal não se aprende, o sistema, essa máquina voraz, cuja unica função é auto-preservar-se e aos seus, não deixa.

Adelino Salvado caiu, demitiu-se, e com ele se demitiu uma série de gente em solidariedade; Logo a seguir uma cara nova apareceu - para gáudio de todos, ainda por cima do bloco central - e logo alguns dos demissionários foram repescados. Os princípios que levaram à apresentação das suas demissões horas antes são os mesmos fins que levam à sua repescagem, é a vida, é o sistema em todo o seu esplendor.

Já sem Salvado, a PJ é suposto ser hoje um mar de rosas, os problemas estruturais e estruturantes desapareceram como que por passe de mágica, bastou mudar a pele até que a seja preciso mudar outra vez. Reformar para quê? se está tudo tão bem como está, se é tudo tão prático... Tudo para grande irritação de Salvado, para quem infinitamente pior do que já não ser Director Nacional da PJ é não ter sido ele o alvo primordial da campanha - ainda por cima orquestrada por quem tanto lhe dev(er)ia pensava ele - que o icenerou, mas apenas a cenoura, já que - infâmia das infâmias - o alvo real afinal era Souto Moura, aquele impassível com a mania das regras de quem se fartou de fazer queixinhas a Aragão Seia.

Agora segue-se Souto Moura. Não porque se queira reformar a PGR, não porque se queira fazer o que quer que seja, mas porque é preciso mudar de novo a pele, para que tudo volte a ser o que era - e algumas coisas deixaram de o ser fora do programa, porque Souto está a mais. Está a mais, porque mesmo não percebendo muita coisa (e os últimos tempos devem-lhe ter sido particularmente dolorosos) percebe o suficiente para não ceder à lógica do sistema. E o sistema fica sem saber o que fazer.

Querem mudar a pele à coisa mas sabem que não a podem arrancar, tem que ser algo de natural, que pareça minimamente espontâneo, daí que se faça de tudo nos bastidores, as maiores perfídias, para ver se Souto sai pelo seu pé mas nada explícito ou em on. Isto porque no fundo o sistema é cobarde, estruturalmente cobarde, existe porque não denuncia explicitamente a sua existência, porque se se denunciasse corria o risco de acabar.

Aos meros e profanos mortais não é dado a conhecer o verdadeiro sistema, apenas o que dele emana, e chega. O sistema vive do medo que provoca e do respeito que inspira, teme quem não o teme, amendronta-se com quem o ignora, mas tem subsistido sempre.

Houvesse decência e transparência e todos saberiamos o que realmente pensam o Lopes, o Sampaio e tantos outros, mas não há, apenas debitam banalidades em on e caneladas em off. Até o PS se recusa a pedir a demissão de Souto Moura não porque não a deseje mas porque não quer um PGR demitido mas sim um PGR demissionário, humilhado, derrotado...

O sistema é assim, sempre foi e por sua vontade sempre será, é como uma moeda que ora está com um lado para cima, ora com o outro, mas nunca de pé. Nos próximos dias e semanas a campanha continuará, uma notícia aqui, outra ali, uma fonte anónima acolá, outra autorizada algures, umas vozes oportunamente dissidentes no seio do MP, outras oportunamente mefistofélicas no seio do CSMP, é assim que eles jogam, na sombra, à canelada, arbitram-se a sí próprios e julgam-se senhores do mundo. Quase que o são.

No dia em que alguém conseguir acender a luz, e mantê-la permanentemente acesa, o sistema, este sistema, acabou.

Publicado por Manuel 15:47:00  

4 Comments:

  1. Anónimo said...
    A Nélita anda perturbada. Tudo lhe corre mal. A acusação desmorona-se, os seus heróis afinal têm pés de barro, enfim tristezas ainda sem fim à vista. Um conselho grátis: oferecer aos seus heróis um exemplar do livro de Sara Pina 'A Deontologia dos Jornalistas', ed. Minerva.
    eh eh eh eh eh eh eh eh eh eh
    Anónimo said...
    O coitadinho é o Salvado!?

    Quais são os interesses do manelito, assumido "ex" spin.doctor?!

    Duvidador?!
    Manuel said...
    Ó "duvidador" de meia tigela...

    Onde é que em momento algum se infere que estamos com peninha do Salvado ?

    Cresça e depois apareça...
    Anónimo said...
    Magnífico post, Manuel.
    Viu como cantam os defensores do regime acima, esfregando as mãos de contentamento. A alguém com princípios se está a passar uma rasteira? Logo os sórdidos se deleitam.
    Que tristeza o que querem fazer ao meu país, ao meu povo. Perdemos a esperança. Muda-se a pele, mas são os mesmos a rastejar e amordaçar a democracia: os reptéis.
    Talvez não seja que ele não percebe, Manuel, talvez não queira perceber...
    Viva Souto Moura, mesmo que seja demitido (já disse que não se demite) terá sempre mais dignidade num dedo do que os que procuram atingir (e assim abafar o seu atrevimento de julgar os crimes dos poderosos) no corpo todo, todos juntos.

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