Casa Podre

Nada como levar com o esterco em que, já o sendo, se tornou ainda mais o caso Casa Pia para ter a certeza que voltei à nossa triste e pequena realidade de país periférico (pior que isto, só uma sequência de directos do exterior do Estádio da Luz em dia de Agosto e apresentação do Benfica aos sócios e simpatizantes).

Sendo no mínimo questionável que um director da PJ tenha conversas off ou on the record sobre este assunto com um jornalista, para mais, de duvidosíssima reputação, não resta qualquer dúvida que esse mesmo director não pode, em circunstância alguma, revelar a esse jornalista o que quer que seja sobre o dito assunto, ainda que considere que aquilo que está a dizer “não é nada de importante”. Nessa medida, e por mais que custe (por ser, também, uma vitima de quem quer descredibilizar o processo), perante o que veio a público, muito dificilmente a continuação de Salvado à frente da policia seria sustentável.

Um dos maiores problemas que se têm levantado ao longo desta miserável saga é o do papel e limites dos media na cobertura de casos judiciais.

Vejo uma enorme (e saudável) indignação perante aqueles que, não sendo jornalistas, se suspeita terem violado o segredo de justiça, mas também vejo uma (patológica) complacência generalizada perante os jornalistas que, violando-o, vão mais longe e divulgam-no a um imenso número de pessoas.

Sempre que sai uma “notícia” com origem na violação de segredo de justiça, logo aparecem várias sumidades a exigir inquéritos para que se apure quem foi o violador original, mas poucos reparam e menos ainda assinalam que o jornal, televisão ou rádio (mais precisamente, o jornalista autor e o director que aprova a sua publicação ou emissão) que dá a “notícia”, quando consciente que ela tem por base matéria que está sob segredo de justiça, também está a violar 'o segredo', com a agravante de estar a fazê-lo perante um universo de pessoas substancialmente maior.

Enquanto persistir a cultura de impunidade dos jornalistas que, materialmente, violam as regras a que todos (incluindo eles!) estão obrigados, abrigando-se para isso em subterfúgios formais, o descrédito continuará a aumentar e o sistema continuará a apodrecer.

É inadmissível (só não é, porque já nos conformámos com esta mediocridade em que tudo parece ser normal) que um tipo que gravou conversas sem autorização dos visados continue a trabalhar num jornal, em qualquer jornal. É inacreditável que a directora de um jornal (o Independente, capaz do bom e do péssimo) publique conversas gravadas e obtidas de forma criminosa e conteúdos de escutas telefónicas feitas no âmbito de um processo de investigação (como há uns meses fez com as conversas de Ferro Rodrigues) e venha, a rir, falar em serviço público. Mais inacreditável é sendo a directora de tal jornal filha do advogado de um dos arguidos do processo e sabendo-se que a divulgação pode, indirectamente, beneficiá-lo.

Que não haja vergonha é algo que não me surpreende. O homem e a mulher, quando acossados (ou não), são capazes de tudo. Agora, que não haja lei capaz de travar a falta de vergonha é que, inexplicavelmente, ainda me continua a espantar. Continua? Cada vez menos. Aos poucos todos nos iremos habituar.

in What do you represent

Publicado por Manuel 17:54:00  

4 Comments:

  1. Anónimo said...
    E de repente apeteceu-me comentar este comentário...
    Desde o dr. Pacheco a acabar na pachecada generalizada, anda toda a gente a afiar os caninos nos jornalistas que, desgraçados, violam o segredo da... como dizer, sei lá... humm... acho que é justiça que lhe chamam mais comummente. Mas, caramba, a coisa anda mesmo ao contrário. Antes de se querer saber se o... humm... acho que lhe chamam segredo, mas é-o sempre pouco, foi "penetrado", não se devia antes perguntar: o que este gajo diz, escreve... é verdade ou não é... é que, até prova em contrário, se é segredo é porque existe e se existe é porque tem interesse! Ora, tirando os casos de clara matéria criminal, como, por exemplo, relatar algo como sendo segredo de justiça, nas entrelinhas, para lhe dar credibilidade, mas que, de facto, é pura invenção, tudo o resto é mérito, e por vezes muito, dos jornalistas... se há interesses a montante, pois a juzante esse interesse passa a... serviço público. E, vá lá, admita-se de uma vez por todas, são muitas as vezes em que só assim a tal coisa chamada comummente de justiça é feita...
    Contabilizem-se porra, contabilizem-se os casos em que a tal tal justiça é feita só porque o jornalista meteu o guedelho onde... devia!
    O resto é... sarrabulho!
    primo Sousa
    josé said...
    Tem razão, primo SOusa...tem razão!

    Quando a mensagem era desagradável, no antigamente o que é que se fazia?

    O segredo de justiça destina-se antes do mais a proteger a investigação! Só depois vem a reserva da intimidade das pessoas. Mas ninguém fala nisto.

    Ainda agora mesmo ouvi o inefável Almeida Santos a dizer uma calinada na TV: diz que as cassetes roubadas servirão de prova da violação de segredo de justiça.

    Não servem! Pelo menos desde o caso Fernando Negrão, não servem. A lei foi feita pelo inefável Almeida Santos também ele, em 1987...

    Estes hipócritas!
    zazie said...
    muito inteligente este comentário. Realmente tendemos a esquecer que a Justiça da Lei é algo mais complexo que a natural tendência humana para que se faça justiça. Ainda que associadas, a Lei passou a tar a missão cívica de evitar a barbárie. E entre a "barbárie" e o desejo de justiça muita coisa anda misturada. Este caso tem vindo a prová-lo. E prova que se é impensável viver-se sem o civismo da lei, também não se consegue manter um povo anestesiado à espera que essa cívica prática seja levada a cabo.
    Quanto mais não seja porque ele vê quem dela foge a 7 pés e com todas as artes que a civilidade lhes oferece.
    zazie said...
    deve ser por isso que sempre achei cínico o discurso pretensamente civilizado dos que dizem que não deve haver opinião até à decisão do tribunal e apontam o dedo incriminatório a quem vai desmontando as aldrabices. Dá-me sempre a ideia que, ou se estão nas tintas para o caso, ou é a cobardia a falar por eles.

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