"Read My Lips" - Um choque fiscal pode não ser boa ideia...

Antes de mais, é com enorme jubilo, que vejo que os companheiros de blogoesfera acidentais a abandonaram a escrita acompanhada de cartazes, e a dedicaram-se agora, a prosar sobre economia, e logo economia portuguesa. Bem sei que o critério editorial é só vosso entenda-se, mas eu como leitor atento prefiro a actual versão... leia-se sem cartazes e com mais sumo.

O tema não é de fácil resolução, e prende-se essencialmente com a possibilidade aventada por Santana Lopes em baixar os impostos – a ser possível seria o IRS – aliada a ainda débil situação económica das finanças públicas portuguesas.

Em primeiro lugar, convém realçar que Portugal possui ainda a maior carga fiscal de toda a Europa dos 15, quer para as empresas quer para os particulares. Se para as empresas, uma elevada carga fiscal leva que num espaço económico onde não existe harmonização nos impostos, a que se assista a tão famosa deslocalização empresarial, contribuindo assim para o baixo nível do investimento directo estrangeiro em Portugal e para aumento do Investimento Directo no Estrangeiro de Portugal – veja-se os casos específicos da transferência da sede da PT SGPS S.A para a Holanda - , para os particulares, a elevada carga fiscal a que estão sujeitos obriga a que o rendimento disponível obtido pela diferença entre rendimento e impostos acrescido de subsídios seja menor. E menor como diz e bem Luciano Amaral (LA) para o consumo. Sim por que os particulares não se constituem por si só entidades que efectuem investimentos.

Em segundo lugar, e devido à forte dependência da população activa portuguesa do sector empresarial do estado bem como da chamada função pública, é conhecida a forte despesa que o Estado tem. Se por um lado criticamos muitas vezes a inépcia da função pública, por outro achamos intolerantemente que os funcionários públicos deveriam ganhar mais. Não sou a pessoa certa para dizer se eles merecem ou não, sendo justo que uns merecem e outros nem por isso. Por isso caro LM, concordará comigo que se fosse possível efectuar a actual reforma da administração central, que por tanto tempo ficou na gaveta, isso seria o primeiro garante de custo/benefício. Por muito que custe, a administração central é ineficiente tendo um custo salário/produtividade abaixo da média já de si reduzida na economia portuguesa.

Afirma o LA no Acidental , em determinado contexto que

Há duas maneiras de cobrir o défice: ou se arranjam novas fontes de receitas ou a receita aumenta em consequência do crescimento económico.
A afirmação por muito estranha que possa soar, não anda longe da realidade. Parece-me no entanto e como o próprio LA uns posts mais à frente afirma, que a redução da despesa pública deveria ser o modelo empreendido para cobrir o défice. No fundo a chamada consolidação orçamental. Isto porque caro LA, a economia quando cresce, seja ela estimulada pelo consumo ou pelo investimento gera receitas. Foi assim em grande parte da governação socialista que se conseguiu de uma alguma forma “esconder” o estado das finanças públicas. Nessa altura não se estava a reduzir a despesa, mas sim fruto do crescimento da economia, o apuramento de receitas ainda que sujeitos a já tradicional evasão fiscal, induziam em erro o mero espectador dos relatórios de execução orçamental.

O choque fiscal, hoje, pode não ser uma boa escolha. Se for do lado dos particulares, o simples facto de existir mais rendimento disponível, fará com que o consumo aumente. Aumenta por isso a tributação de IVA, e as receitas fiscais crescem duas vezes. Uma pelo IVA outra pelo efeito que o aumento do consumo terá no resultado das empresas. As empresas aumentando os seus resultados, e assumindo que pagam à colecta o imposto antes de lucros, deixam novamente receitas fiscais nos cofres do Estado. Bom, mas assim é, parece óbvio que a descida do IRS, iria beneficiar todos. Não.

Primeiro não está garantida a solidez das finanças públicas para que se possa empreender uma medida deste género. A economia ainda cresce pouco, e não é líquido que o efeito multiplicador da redução do IRS no consumo seja pelo menos igual ao provocado pela descida na taxa. Depois, e porque a economia não é estática, um aumento no consumo, gera por si uma pressão na procura que associada à incapacidade da oferta em satisfazer a procura, originará um aumento do défice comercial, fruto do aumento das importações. Associado a isto, teremos um acréscimo da inflação provocada pelo ajustamento dos níveis da procura elevada face a oferta mais baixa, pela variável preço. Um aumento da inflação irá ter como consequência, temporária um aumento dos lucros nas empresas, mas de seguida, o consumo começará a baixar ajustando-se por baixo. E aqui das duas uma, ou a economia portuguesa dispõem de consumidores endinheirados ou recorre ao endividamento para satisfazer a necessidade consumista. Ou seja na prática uma descida do IRS que imediatamente provoca um aumento no consumo termina com uma descida nos níveis de consumo. Isto é no ponto zero. Para além de uma medida destas se assumir claramente como eleitoralista.

Quanto ao IRC, o caso é diferente. Quanto mais baixo conseguirmos manter o IRC, menor será a nossa diferença para com os países europeus que praticam taxas de IRC mais baixas. Isto traduzir-se-á na capacidade de captação de maiores níveis de investimento directo estrangeiro, fruto do ganho de vantagens competitivas. Mas a descida de IRC provoca “apenas” maiores resultados líquidos nas empresas. Estas podem depois decidir como aplicam os lucros. Ou distribuem pelos accionistas – aumento o rendimento disponível – ou constituem reservas que servirão nos exercícios seguintes para aumentar o investimento. O investimento está directamente relacionado com a taxa de juro controlada agora pelo Banco Central. Um aumento do nível do investimento privado gera sem dúvida um crescimento económico associado ao aumento do nível do emprego. Aumentando o emprego, diminuem as contribuições do Estado para fundos de desemprego e de segurança social, diminuindo assim o défice da segurança social – redução da despesa - , bem como aumentando o rendimento disponível dos novos beneficiados pelo aumento do nível do emprego. Isto é, o Estado ao descer o IRC depara-se com a descida da despesa e com a subida das receitas fruto do aumento do nível de empregados.

Parece-me assim lógico que competirá a cada um decidir agora em plena consciência qual o modelo que escolheria se porventura tivesse sido bafejado com o cargo de Ministro das Finanças. No entanto, alerto novamente para o facto de o Estado das finanças públicas não se coadunar com descidas de impostos.

O choque fiscal deverá ser utilizado sim, como medida de contraciclo e, se me permitem, actualmente estamos em todas as situações menos na situação de crescimento galopante da economia portuguesa.

Caro LA, tenho pena que como diz...
Mas estamos aqui a falar de um governo que vai durar dois anos, que vai querer tomar medidas rápidas e não vai poder cortar nas despesas.

Pior do que um choque fiscal agora, são as medidas que os governos tomam sem a noção do efeito que as mesmas tem no futuro.

Concordará comigo que é desta forma que se colocam em causa as gerações futuras.



Publicado por António Duarte 16:00:00  

4 Comments:

  1. irreflexoes said...
    Caro António,

    Tem ali em baixo um erro de typing. Onde se lê "bafejado com o cargo de Ministro das finanças" não deveria ler-se "amadiçoado com o cargo de Ministro das finanças"?

    Quanto ao resto. Concordo no geral mas tenho duas ou três observações.

    1) Quem lhe garante que as empresas não aplicam o seu dinheiro no estrangeiro, o que significa subsidiar com o choque fiscal em Portugal as economias de outros países?

    2) Em vez de baixar o IRC, que tal dar beneficios fiscais para formação?

    3) Como o Adufe (sem link, não dá :)) bem explica, porque é que se presume que todo o acréscimo de rendimento das familias é para consumo?
    António Duarte said...
    Caro Irreflexões

    Respondendo às suas perguntas :

    1 ) Nada garante que as empresas associem o benefício fiscal à fuga a tributação para paraísos fiscais. Concordara que quanto mais baixo for o valor a tributar maior será o risco. Mas permita-me que uma sugestão ganhe o seu espaço, as empresas poderiam ter taxas de IRC mais baixas se reinvestissem em Portugal. Mas depois a celébre pergunta : Quem controla este re-investimento.

    2)Não está de todo mal pensado.

    3)Com as taxas de juro em baixo, parece-me óbvio que o nível de poupança é mínimo. Depois basta olhar ao endividamento das famílias e perceber. Aliás mal a economia cresceu 0,5 % este semestre e veja-se o comportamento do consumo privado. Admito que uma parte do rendimento disponível seja para poupança...mas uma parte residual.
    Rui MCB said...
    Com as taxas de juro em baixo parece-me óbvio que o autofinanciamento não é um problema sério que esteja a limitar o investimento...

    Um bocadinho lateral a esta questão: já pensaram bem no que é que Bagão Felix estaria a falar com se referiu a reduzir os benefícios fiscais para arranjar folga para baixar o IRS? Muito pasmado ficaria se ele desse uma machada nas contas poupança habitação, PPR, PPA's...
    Luís Bonifácio said...
    Qualquer analfabeto vê que neste momento falar em reduzir os impostos seria puro suicidio.
    O LA do acidental esquece-se (vá-se lá saber porquê) que em Portugal tem outra maneira de aumentar a colecta fiscal - Aumento da fiscalização e duras penas para quem foge aos impostos.
    Em Portugal falta apenas vontade para o fazer, pois como alguns membros desta loja são Magistrados, penso que até devem conhecer pessoalmente muitos membros de uma certa categoria profissional, que declaram rendimentos de 500 euros/mês e têm crédito bancário imediato de 500 000 euros, para alêm de guiarem bons carros etc e tal. Quem diz magistrados diz também elementos da PJ, pelo que, se existe uma despodurada fuga aos impostos neste país é porque simplesmente o poder assim o deseja.
    Acho que se a colecta de impostos fosse similar ãos níveis dos outros estados europeus, com o nível actual de despesa teriamos orçamentos superavitários

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