"(I)mobilidade e renovação das "nossas" elites?"

Um amigo chamou-me, recentemente, a atenção para um facto muito característico no "nosso" meio político: há um grupo relativamente reduzido de pessoas que, sendo todas mais ou menos conhecidas umas das outras, tendo maioritariamente tido, todas elas, experiências sociais e tipos de vida semelhantes, frequentando habitualmente os menos lugares e movendo-se, familiar e preferencialmente (quase em exclusivo), pelo mesmo "circuito" Lisboeta (de instituições, de escritórios, de clubes, de restaurantes e outros espaços públicos e de lazer), divide, desde o "25 de Abril", o Poder. Por Poder entenda-se, não só o conjunto de cargos de poder político directo, propriamente dito - nomeadamente, os que resultam de eleições - mas, principalmente, as funções e os órgãos que se assumem como estrutura ou staff daquele (Secretários e Subsecretários de Estado incluídos, mas, também e principalmente, assessores, adjuntos, chefes de gabinete, secretários qualificados, responsáveis por recursos humanos, por funções de colaboração vária aos decisores políticos, cargos de chefia em Institutos Públicos, sociedades de capitais públicos, etc., etc.).

Mais, referia-me esse amigo - invocando as teses pessoais defendidas por um dos mais reputados e interessantes académicos da nossa "praça" - que, além do mais, essa espécie de grupo ou "casta" que, de um modo geral, vai repartindo maioritariamente, entre si, o dito Poder (os vários poderes ou a verdadeira estrutura do Poder), acabava por ser muito fechado, quase familiar e instintivamente avesso à renovação. A sucessão de pais para filhos, nos respectivos cargos, lugares e funções era frequente. Curioso - notava esse amigo meu - era o facto de quase todos se conheceram, directa ou indirectamente, desde pequeninos; serem ainda "primos" ou "tios" e, ainda que tal familiaridade não fosse tão grande como isso, procurarem sempre, face a terceiros, solidarizarem-se, como que de uma "corporação" (de Poder? Social? Económica? de "vizinhos"?) se tratasse!

E apontava-me exemplos que, no mínimo, eram bizarros: a recém licenciada nomeada para um conselho de administração de uma sociedade de capitais públicos que, por acaso, era sobrinha de um recente ex-ministro; ou, o caso de um jovem, também recém licenciado, que começava a sua vida profissional, desde logo, como assessor do Presidente de um Instituto Público, sendo que o seu "nome de família" era emblemático num certo circuito financeiro; ou o da outra jovem de 23 anos, claro que também recém licenciada, nomeada para a administração de um Hospital público que, por acaso, era filha de um conhecido deputado; ou o Secretário de Estado que, sem nenhum percurso académico ou profissional relevante, sem nenhuma visibilidade ou ligação política, sem possuir alguma (ínfima que fosse) experiência na área da tutela da respectiva Secretaria de Estado era, por acaso, familiar de alguém muito importante, num certo sector de negócios, em Portugal. E os exemplos poderiam continuar....chamava-me a atenção esse amigo com quem tive a referida conversa.

Além disso - continuando a reportarmo-nos ao referido académico da ?nossa praça? ? o Poder (e os vários poderes) têm sido, em Portugal, sobretudo, uma espécie de domaine reservé de um grupo eminentemente familiar (ou que actua numa lógica para-familiar), desde há pelo menos, 200 anos a esta parte!

Grupo esse que, invariavelmente, tem em comum, também, uma certa proveniência "micro- lisboeta", uma capacidade económica considerável, independentemente até do trabalho (bom ou mau) efectivamente exercido e, last but not the least, a interessante coincidência de serem todos familiares ou parentes, mais ou menos chegados, de alguém que também desempenhou funções e ocupou cargos, no mínimo, tão decisivos (e de poder), ao longo de várias eras da nossa história contemporânea - "atravessando" reiteradamente vários regimes - desde a Monarquia Constitucional, passando pela implantação da República, sobrevoando o Estado-Novo e chegando ao pós-"25 de Abril".

Curioso e enigmático era o facto - dizia tal académico sempre "presente" nesta conversa - de nunca nenhum sociólogo, historiador ou mesmo jornalista ter desenvolvido e clarificado (comprovado, acrescentaria eu) estas teses. No fundo, nunca ninguém tenha "pegado" nesta possível radiografia das elites - aparentemente, estáveis e muito pouco permeáveis à renovação - do poder em Portugal...

in Blasfémias


Publicado por Manuel 02:51:00  

4 Comments:

  1. Luís Bonifácio said...
    Um destes exemplos é a familia "Pacheco Pereira", andam pelos corredores do poder há mais de 500 anos
    josé said...
    Análise interessante. Cheia de buracos, porém, que lhe retiram coerência- e ainda bem. Seria terrível concluir que andamos há anos e anos numa espécie de monarquia feudal sem rei nem roque, só com duques e almocreves.

    O Pacheco parece-me destes últimos, embora com uma função muito diferente de outro notório almocreve: Dias Loureiro.
    Mas que não me levem a mal, pois nessa escala social, melhor ser almocreve do que palerma, como eu.
    Anónimo said...
    Também tenho escrito sobre o assunto, mas não se mudam as figuras, sem mudar o sistema.
    António Balbino Caldeira said...
    Também tenho escrito sobre o assunto, mas não se mudam as figuras, sem mudar o sistema.

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