Eduârdo Damaso - "O Triunfo dos Aparelhos "


A indigitação de Santana Lopes para primeiro-ministro que se consumou ontem no Conselho Nacional do PSD é a expressão máxima do triunfo dos aparelhos partidários sobre as regras democráticas mais elementares. É a vitória dos pragmáticos do poder sobre os idealistas que partem das velhas referências de valores, competência, conhecimento, ideias.

A vitória aparelhística de Santana é o triunfo de um político que tem sobre todos os outros do seu partido a vantagem de conhecer melhor que ninguém o PSD. A vida profissional de Santana Lopes é a política. Mesmo quando ía aos congressos para perder sabia que ganhava para o futuro em espaço de manobra e influência porque as velhas referências do partido que não gostam dele não estavam para se dar ao trabalho de o combater nas bases do partido.

Santana é melhor que ninguém a explorar nos mecanismos de decisão interna as omissões de todos os "notáveis" que têm da política uma visão cómoda, desprezam essa emanação do povo militante que são os baronetes das concelhias e das distritais e, sobretudo, têm de si próprios e da sua importância uma ideia desproporcionada do peso real que lhes é dado pela máquina partidária.

Esses "notáveis" não perceberam que são meramente utilitários, quase residuais, consoante as circunstâncias da política e que só adquirem real poder quando as máquinas partidárias pressentem que através de um deles podem chegar ao poder ou credibilizar governos frágeis. O poder primordial é de quem os escolhe e não dos próprios, que raramente passam do estatuto de líderes tolerados.

Cavaco Silva ascendeu à liderança em circunstâncias excepcionais e conseguiu um ciclo de liberdade plena perante o partido de seis anos. A partir de 1991 foi amplamente derrotado pelo aparelho que se esforçou por mudar mas não conseguiu. António Guterres conseguiu algum sossego na primeira legislatura mas mitigado pela voracidade da rapaziada. Durão Barroso foi o primeiro a ter a consciência de que o seu ciclo de liberdade perante o partido seria muito menor. É que o "seu" aparelho era o resultado de vários aparelhos (santanistas, marcelistas, cavaquistas). E foi, por isso, o que conseguiu a melhor fuga do ponto de vista do seu interesse pessoal e político.

A maior parte dos "notáveis" ficam-se pela intervenção mediática, por umas declarações majestáticas entre um seminário e uma conferência, exprimindo sempre uma visão paternalista sobre um país que cada vez lhes liga menos. O país mudou mas a maior parte deles permanece agarrado a uma concepção da política que já não se compadece com emanações divinas de uma legitimidade assegurada pelos estatutos senatoriais e de sapiência.

A vida política de hoje, goste-se ou não, é de políticos como Santana Lopes, Paulo Portas e Durão Barroso, que sabem aproveitar as oportunidades pessoais, não têm visão de longo prazo nem necessitam, gerem à vista dos conflitos, são pacientes na ocupação de espaços vazios e na procura dos consensos internos que garantam o exercício do poder. São políticos que não se combatem na base das discussões abstractas sobre o carácter - porque também são especialistas em retirar dividendos da vitimização - , nem a partir do sofá de casa. Muito menos a partir do Palácio de Belém, apesar de Jorge Sampaio não ter optado pela solução que seria democraticamente mais saudável. Mesmo que, depois, Santana e Portas ganhassem as eleições.

A culpa de estarem no poder não é deles. É de todos os que não os souberam combater nos últimos dez anos dentro das regras democráticas.

in Público


Publicado por Manuel 07:33:00  

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