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Educação - notas breves, mas incisivas

De, mais, um leitor, devidamente identificado, aqui seguem estas oportunas reflexões sobre o estado do nosso sistema educativo...


Dois anos desperdiçados

Como a Pátria é a nossa política "no ensinamento de Passos Manuel" as considerações que tecemos são exclusivamente orientadas pelo interesse que julgamos ser o Nacional, e porque muito acima da política mesquinha está a Pátria em que nascemos não nos podemos coibir de publicar o que pensamos, reflectir sobre a realidade em que vivemos e denunciar construtivamente o que nos parece estar errado.

Depois da platónica paixão guterriana pela educação e do inconsumado espírito reformista barrosiano e do seu ministro Justino, só podemos dizer que desperdiçámos dois anos em política educativa, dois anos a somar aos últimos trinta ou quarenta de disparates, alucinações e negligências.

Poupando-nos a grandes elucubrações, basta perguntarmo-nos intimamente: os alunos que terminaram este ano lectivo estão melhor preparados do que os do ano lectivo anterior? Como todos sabem a resposta, escusamos de a dar...

Avançou a revisão curricular no ensino básico, reduzindo-se os tempos lectivos e os conteúdos programáticos, com os seus efeitos previsíveis.. O novo estatuto disciplinar dos alunos poderia permitir resolver alguns dos problemas comportamentais, mas a inércia das escolas e dos professores tem feito da lei simples letra morta. Os mais rigorosos critérios de transição de ano poderiam ter permitido implementar um ensino de mais rigor e de exigência, mas o que se viu nas reuniões de avaliação do terceiro período foi a mesma vergonha de sempre, com alunos a passarem ao abrigo de regimes de excepção quando se verificavam os pressupostos da retenção ou com classificações a serem votadas para que passassem quase todos os alunos. Do novo sistema de concurso do pessoal docente não vale a pena dizer muito... Perdidos mais dois anos e conhecidos o novos dirigentes políticos do Ministério, o caminho que se vislumbra só deixa como dúvida saber se o destino é o velho pântano ou o novo charco...

Imobilidade docente e empenhamento pessoal

Sendo escusado falar do atribulado processo do concurso de professores do corrente ano, pelo muito que já se disse e ainda se dirá dele, limitamo-nos a aflorar uma das ideias que enformam as novas regras que o Ministério da Educação tentou implementar. Ao pretender que os professores leccionem nas escolas a que estão definitivamente vinculados, entendem os pensadores do ministério tutelar que um professor terá um melhor desempenho profissional pelo simples facto de leccionar no estabelecimento de ensino em que é efectivo, partindo do pressuposto de que a imobilidade de um professor numa determinada escola só por si assegurará um maior empenhamento e uma melhor qualidade de ensino. A ideia parece à partida indiscutível, mas soçobra perante a realidade dos factos, desagrega-se com uma elementar reflexão da realidade e desmorona-se pela experiência secular do mundo laboral tanto administrativo como empresarial. Se é certo que a instabilidade laboral e a mudança frequente de local de trabalho não constituem estímulos à dedicação dos trabalhadores, já não é certo que a imobilização de um trabalhador num determinado emprego lhe aumente a produtividade, especialmente quando se contraria a sua vontade e se amputam as suas aspirações.

A dedicação de qualquer trabalhador à função que desempenha depende de um agregado complexo de factores, uns de ordem interior e pessoal, outros de ordem exterior e institucional. Fixar imperativamente um docente à escola em que é efectivo, impedindo ou dificultando o seu destacamento, dificilmente constituirá estímulo ao seu esforço pessoal, principalmente se for forçado a trabalhar 50, 100 ou 200 quilómetros distante da família quando anteriormente tinha a possibilidade de exercer a sua função junto de casa.

Além do mais, quem pode ousar afirmar, com validade universal, que um professor a leccionar na escola em que é efectivo terá invariavelmente um melhor desempenho do que um professor destacado?

Independentemente de questões salariais e da natureza dos vínculos jurídicos que os ligam à entidade patronal, os professores dedicam-se denodadamente às tarefas de que se ocupam quando por razões éticas e morais têm sentido do dever e brio nas funções que exercem. E porque a natureza humana é falível, a sociedade criou instituições para suprirem as carências e limitações individuais. Se ao trabalhador faltam os interiores e pessoais estímulos motivacionais, aí deve intervir o quadro institucional, designadamente através da diferenciação salarial da produtividade, da promoção na carreira que não dependa quase exclusivamente do decurso do tempo e de um sistema de avaliação rigoroso e verdadeiro... tudo o que tem faltado no nosso sistema educativo...

Promover a droga

Segundo um inquérito realizado pelo "Instituto da Droga e da Tóxicodependência", há pouco tempo divulgado, o consumo de estupefacientes continua a crescer nas escolas portuguesas: entre 1999 e 2003, a percentagem de estudantes de 16 anos que já tinha experimentado drogas subiu de 12 para 18%. Nos estudantes com idades entre os 16 e 18 anos o consumo de drogas disparou: em 1995, o número de alunos que afirmavam ter consumido drogas ilícitas nos últimos 30 dias era de 6,5%, subindo para 12% em 2001.

Sendo sabido que a esmagadora maioria dos jovens que se inicia no consumo de drogas ilícitas começou por adquirir hábitos tabágicos e sendo também conhecido que a escola é um dos locais privilegiados para a iniciação do consumo de tabaco, já era tempo de o Ministério da Educação, as escolas e os professores reflectirem profundamente sobre a realidade vigente de generalizado incumprimento da legislação de combate ao tabagismo nos estabelecimentos de ensino, de modo a que a instituição escolar, pela sua negligência e laxismo, não continue a ser promotora inconsciente e indirecta do consumo de drogas e, em vez de realizar uma educação para a saúde e para a cidadania, involuntariamente esteja a pôr em prática uma educação orientada para a morte e para a destruição social. O que explicará esta inacção das instituições do Estado português em fazer cumprir a legislação supostamente em vigor?

Sindicalismo responsável

Durante a realização do Euro 2004, um sindicato de professores empreendeu uma campanha junto dos visitantes estrangeiros, denunciando em múltiplas línguas a existência em Portugal de elevadas taxas de analfabetismo e de desemprego docente. Com tal iniciativa algum dos nossos analfabetos aprendeu a ler e a escrever, algum professor infelizmente desempregado obteve um ambicionado cargo docente e o Ministério da Educação reformou a sua política? Ao invés, quantos milhares de estrangeiros terão ficado mal impressionados com o País que visitaram?
Este lamentável episódio deveria constituir motivo de séria reflexão sobre a postura da generalidade dos sindicatos. Em lugar de fazerem mera agitação política partidária e de estreitarem as suas iniciativas às legítimas mas acanhadas reivindicações laborais, talvez adquirissem mais credibilidade se, pensado no País e nos Alunos, se empenhassem prioritariamente nas questões da qualidade do ensino e do futuro de Portugal, o mesmo é dizer, no sucesso real dos nossos discentes.

Sucesso desmascarado

Um estudo do "Observatório da Ciência e do Ensino Superior", publicado recentemente, relativo ao ano lectivo 2002-03, veio revelar o que qualquer espírito atento à realidade escolar portuguesa já esperaria: cerca de 40% dos alunos que entram no Ensino Superior não concluem os respectivos cursos, sendo que o panorama é mais negro nos institutos politécnicos em que o insucesso se cifra nos 46%, contra os 36,5% registados nas universidades. Em alguns cursos o insucesso ronda os 90%...

Num sistema educativo em que desde os primeiros anos se promove um sucesso artificial, meramente estatístico, em que o rigor e a exigência longe se serem encarados como objectivos basilares são perspectivados como ideias anquilosadas e pedagogicamente ultrapassadas, onde a transição de ano se impõe como regime-regra e a retenção como excepção independentemente das verdadeiras competências adquiridas pelos discentes, em que se conclui o ensino básico de nove anos sem os requisitos elementares que no passado se obtinham ao fim de quatro anos, em que se entra no Ensino Superior com classificações inferiores a dez valores, os resultados não poderiam ser outros...

Num País em que tudo se esconde e quase todos "fazem de conta", há que dizer frontalmente, que mesmo estes resultados tenebrosos ainda obnubilam uma triste realidade: também no Ensino Superior, pela inexorável pressão da ignorância e impreparação dos alunos e pela necessidade de mostrar outros resultados, professores e instituições já começaram a adoptar o modelo do Ensino Básico e Secundário: reduzir objectivos, facilitar a avaliação, mascarar um pouco a situação. A preparação que as últimas levas de licenciados evidenciam, patenteia à saciedade esta trágica realidade. Os que furaram a barreira do desemprego já iniciaram o processo de reprodução social e escolar da sua incultura e incompetência, num ciclo vicioso que os governos não querem quebrar e que muitos professores complacentemente toleram... contribuindo para a perpetuação deste percurso colectivamente suicida...

Publicado por Manuel 14:31:00  

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