carta aberta a Telmo Correia

Caro Ministro do Turismo,

Transformamos pela primeira vez, a actividade económica em que queremos ser líderes, mesmo sabendo que nunca o seremos em ministério. O turismo que sempre foi tutelado pelo ministério da economia, passa agora a ser senhor de si próprio. É assim em Cabo Verde, Angola, Brasil e agora em Portugal, relativamente ao turismo. É uma decisão que peca por tardia, mas mesmo assim bem-vinda.

Duvido que vossa excelência, para além de ter mostrado a intenção de querer expulsar os visitantes dos claustros da Assembleia da República, conheça de facto na óptica do orgão decisor quais são os verdadeiros problemas do turismo em Portugal.

Duvido igualmente que a descentralização de um ministério até aqui inexistente, para o Algarve, possa de facto resolver os problemas. Porque o Algarve tem uma região de turismo que nunca conseguiu resolver os problemas, apenas contribuíu para os agravar. Não será por isso a tão falada deslocalização que irá transformar da noite para o dia, o panorama do turismo em Portugal. Falo-lhe especialmente do caso da região algarvia.

Considerada a partir do final da década de 50, um paraíso por turistas ingleses abastados que dividiam as suas férias pelas praias de Cascais e Estoril e pelo deserto Algarve inexplorado com poucos habitantes residentes e que tinha nas actividades ligadas ao mar a sua fonte de sustentação ( pesca, indústria conserveira e exploração das salinas ). No interior a agricultura e a pecuária ditavam a dimensão do escasso orçamento familiar.Aos poucos a região começou graças às suas excelentes condições naturais e climáticas a entrar no roteiro de viajantes e turistas do mundo inteiro, aos poucos começam a surgir hóteis de luxo para a época , e começa a iniciar-se um fluxo migratório do Norte do País para o Algarve com vista a estabelecerem-se na região quer na abertura de restaurantes, quer na exploração de hóteis. Aos poucos a região vai percebendo que o turismo é uma actividade com retorno económico e com base nesta percepção vai-se adaptando a actividade. Aqui temos o primeiro erro histórico, a região deixou desde muito cedo que fosse o turismo a ditar o desenvolvimento e não o desenvolvimento da região a potenciar a actividade turística. Aos poucos a região foi-se internacionalizando e copiando alguns dos piores exemplos em matéria de urbanismo e ordenamento do território, quintiplicando a sua capacidade hoteleira e de restauração, mas começando a diminuir os padrões de qualidade que caracterizaram a região nos anos 50. Locais inóspitos como Armação de Pera ou Quarteira ficaram transformados em autênticas urbes sem qualidade e esteticamente reprováveis. Começa a surgir o fenómeno do time-sharing e das vendas de apartamentos, a construção civil apoiada pela expansão da capacidade hoteleira torna-se na segunda actividade da região superando o comércio. É precisamente na década de 80 que se cometem os maiores atentados a sustentabilidade do meio ambiente.

Se por um lado a região recebia milhares de turistas por outro lado era ponto assente que não tinha criado as infra estruturas de base consentâneas com uma actividade motor de toda uma região. Pela primeira vez, o termo sazonalidade entra nos dicionários económicos e nem mesmo a entrada de Portugal para a CEE com consequente aumento da exploração da actividade em 1986 foi capaz de o eliminar, a região fica perto do pleno emprego no Verão mas o número de pedidos de subsídio de desemprego dispara no Outuno. Que o turismo é o motor da região algarvia não é novidade. Que o mesmo representa perto de 7,00% do PIB Português, sendo o Algarve responsável directamente por 67% da riqueza produzida directamente pelo turismo, obriga-nos a olhar para lá com outros olhos.

O ano de 1988 marcou uma viragem na forma de encarar o turismo e aquilo que ele representa para a região, sobretudo o turista português. Outrora claramente explorado e com distinção de preços para o mesmo serviço, o turista português começou a ser acarinhado na região. A razão deveu-se à queda dos mercados alemães e inglês devido à desvalorização do marco e da libra inglesa. Começam a enraizar-se outras épocas de afluxo ao algarve. Ao mês de Agosto, juntam-se a Páscoa, as pontes de Junho e a passagem de ano. Durante muitos anos, defendi que uma percentagem da sazonalidade se devia exactamente à incapacidade da região em captar outras formas de turismo associada claro a uma economia local excessivamente dependente da actividade turística. Apesar de a região possuir três cidades com importância supra-regional ( Faro, Portimão e Loulé) , todas elas com habitantes permanentes superiores a 50.000 hab, a subida para perto de 300.000 habitantes na altura do Verão levantou o véu sobre a incapacidade das infra estruturas existentes em sustentar o uso da população flutuante.

Mas , mesmo aqui a região sofreu importantes obras - O aeroporto de Faro sofreu uma remodelação e teve direito a um terminal novo e moderno, consentâneo com o turismo de qualidade que se pretendia. Em 1992 terminaram as viagens de ferry para ir até Ayamonte, uma nova ponte e uma autoestrada ( Vila Real St António a Albufeira ) colocaram a Andaluzia a pouco mais de 10 minutos e as economias ganham em todos os níveis, com o comércio e a restauração do lado português a apresentarem resultados positivos.

O Sotavento algarvio já possuia alternativa a EN 125, o barlavento havia de ter a Via do Infante (VLA) em 2003. A auto estrada que liga Lisboa ao Algarve ficou concluída em 2002, terminando as filas inóspitas na zona da Mimosa e as viagens de 6 horas. O Hospital do Barlavento abre as portas e dota a regiáo da mais moderna tecnologia médica permitindo assim dividir com Faro os cuidados de saúde outrora totalmente canalizados para a capital algarvia. Ainda antes da VLA ser uma realidade, já Portimão tinha recebido uma nova ponte, bem como uma ETAR novinha em folha e que iria tratar os resíduos antes de estes irem para o rio arade. Mesmo no final do ano e mesmo sem nenhum clube na Superliga, é inaugurado um estádio novinho em folha, fruto da cooperação intermunicipal para receber 3 jogos do Euro-2004. No campo da energia foram reforçadas as ligações de distribuição de energia entre Sines e Tunes e depois criada um linha de abastecimento alternativa para a região, depois do celebre apagão da cegonha. As barragens do Funcho e de Odelouca começaram a ser utilizadas para reforçar o abastecimento de água. Também os comboios algarvios vão receber uma linha electrificada entre Lisboa e o Algarve e já é hoje possível utilizar a ligação Oriente – Algarve via ponte 25 de Abril.Mas todas estas obras, apenas conseguiram atenuar o fenómeno, nunca elimina-lo. A região começa a receber vagas de imigrantes de leste para trabalhar na construção civil, criando-se autênticas comunidades de leste com direito a jornais nas línguas mãe e tudo. Provavelmente o chamado reservo da medalha.

O tecido empresarial da região continua a denotar forte influência do turismo, apesar de se modernizar não soube aproveitar algumas vantagens que a região possui em termos climáticos senão vejamos :

  • Porque razão uma empresa espanhola instalada em Silves foi pioneira na produção de sumo de laranja no país ?
  • Que visão terá tido um empresário holandes em produzir flores na região algarvia e hoje exporta-las para o Benelux ?
  • Por que importa o Algarve produtos horticolas , quando possuí condições para os produzir em excelentes condições apesar de ter uma agricultura de minifúndio ?

A razão constítui o segundo erro histórico da região. O turismo deve funcionar paralelamente com as outras actividades, sendo que estas se estiverem localizadas na região e se utilizarem o turismo como principal consumidor, terão concerteza economias de escala, geração de emprego e eliminação da sazonalidade. Apostar única e exclusivamente no turismo revelou-se um logro, não adequar a oferta turística para com o nível de procura originou entropias que nem mesmo as camas paralelas podem servir de desculpa. O Algarve é hoje uma urbe desorganizada sem sustentabilidade e com fracas noções de estratégia de desenvolvimento.

Numa altura em que o Algarve sofre uma concorrência de mercados mais atraentes por um lado e que recebe os visitantes que outrora preferiam países hoje marcados pelo terrorismo, é importante pensar – algo difícilna estratégia que a região quer para o futuro, mas sobretudo nos meios que se vão utilizar para alcançar os fins desejados. Apesar de ser uma tarefa que o tempo revelou não estar ao alcance de todos na região – pensar - torna-se relevante definir acima de tudo se queremos continuar a apostar no turismo da forma que temos feito até aqui ou se queremos introduzir algo inovador na região - Planeamento.

Não é possível que as autarquias – verdadeiros responsáveis pelo desordenamento do território - continuem a equilibrar os orçamentos municipais através da cobrança da SISA (agora Imposto Municipal de Imóveis) efectuando construções em altura onde nos respectivos PDM´s constam àreas para moradias ou espaços verdes. Não é admíssivel que a Região de Turismo do Algarve continue a ser um mero instrumento dos interesses do sector, é necessário que seja ela a definir algumas linhas do sector. O primeiro passo deverá surgir através de um levantamento da qualidade e da quantidade da oferta turística existente. Se a região recebe 2 Milhões de visitantes por ano faz algum sentido ter uma oferta na casa dos 4 Milhões de camas ? Depois seria eficiente que a própria CCR Algarve fosse chamada a intervir neste processo definindo quais os sectores económicos que mais terão a ganhar com uma colagem ao turismo. Ao garantir a produção de produtos ou serviços para o turismo, se os mesmos forem de qualidade serão certamente utilizados por consumidores fora da região e durante todo o ano.

Mas talvez mais importante que tudo o que para trás se encontra dito, não é aceitável que os responsáveis da região continuem a esgotar os recursos em prol de um inexistente modelo de desenvolvimento, colocando em causa o futuro das próximas gerações. Depois, o produto turístico que o Algarve vende não é único no mundo, pois o sol nasce em todo o lado, mas é exactamente aquilo que a região for capaz de oferecer para além do sol que irá atrair o turista. Seja ele o turismo de inverno ou de verão, o turismo cultural ou desportivo.

Se nada for feito dentro de 10 anos o Algarve estará a beira do colapso em termos de recursos hidricos e de consumo de energia. Mas porque o perigo existe alguém consegue quantificar os efeitos na economia portuguesa se um Prestige qualquer encalhar numa inóspita praia algarvia ? Não creio.

Senhor Ministro,

se não souber porventura estar ao alcance destes desafios, faça aquilo que sempre fez até hoje... Turismo.




Publicado por António Duarte 19:54:00  

5 Comments:

  1. Unknown said...
    Desculpe, mas fica horrível! "Alcance" e nunca, mas nunca mesmo "Alcançe".
    António Balbino Caldeira said...
    O redordenamento possível só é possível após uma crise séria - que parece estar a acontecer. Até lá, cada promotor, construtor, autarquia, hoteleiro, tenta ganhar benefícios próprios (mais apartamentos, comissões e sisa, camas e bares).

    A criação do Ministério do Turismo é absolutamente certa e já deveria ter sido feita nos anos 60... Todavia, não me parece que consiga resolver o problema das camas clandestinas - além dos particulares, os hotéis clandestinos (não licenciados). Por exemplo, Fátima está cheia de hotéis que, realmente, não constam como tal, apesar do anúncio na porta...
    António Duarte said...
    Caríssimos...

    Miguel - A situação da desvalorização da libra e do marco, passou-se em 1988, não agora. Nessa altura o Algarve não era um destino caro, e competia exactamente com os outros destinos por ter essa pequena vantagem competitiva. Actualmente, alguns destinos em Espanha são bem mais baratos que o Algarve.

    Santa Cita - O erro está corrigido. Lamentavelmente.

    Antonio B Caldeira - É exactamente essa a questão. Se existem 2 milhões de visitantes por ano, e a região possuiu 4 milhoes de camas, há algo que não está bem.
    Alexandre said...
    excelente artigo, excelente.
    Anónimo said...
    Gostei deste artigo, que fala do turismo. Toda a gente deita as mãos à cabeça do Luís Pobre Guedes no Ambiente, agora T. Correia no Turismo, pouco sururu houve, nem mesmo o figadal inimigo de Santana Flopes, o pregador de Domingo destacou muito o caso. Mas todos dizem que é o nosso "core business", vector estratégico fundamental, etc, etc, mas na prática... Acho muito bem a criação do Ministério, agora o Ministro(...) espero sinceramente que surpreenda tudo e todos e se rodeie de alguém que perceba alguma coisa do assunto.
    Duvido que a Região de Turismo do Algarve ou outra qualquer tenha poderes para fazer aquilo que o António sugere. As regiões de Turismo em Portugal, como um professor meu defendeu na sua tese de doutoramento, são verdadeiramente "associações de municípios" e, como tal, reproduzem em menor ou maior escala as burrices,os desordenamentos urbanísticos e os interesses locais . O sector precisa de uma reforma (qual o sector em Portugal que não precisa?). Profunda. O dr. Vital Moreira (percebe tanto do assunto como Telmo Correia, mas de Tuismo toda a gente acha que percebe... ) esteve incumbido de fazer um projecto de reorganização das regiões de turismo, ficou tudo como estava, ao tempo de Guterres. Ao cerne da questão ninguém vai. A maioria das vezes porque não sabem. Vejamos países como a Austrália, Reino Unido, Nova Zelândia, Estados Unidos, etc., com escolas de turismo e produção científica a sério. O saber, neste campo, como em todos é decisivo. A maioria das pessoas que "mexe" nos assuntos (presidentes de câmara, presidentes, comissões executivas de regiões de turismo, etc.) nem sabem o que é um "turista" ( nem todos os que passam no castelo ou se deitam ao sol da praia da terra são turistas, né!!). Os cursos de Turismo multiplicaram-se, incluindo os de gestão turística. Dava um estudo interessante analisar as qualificações dos professores de ensino inferior desses cursos. Só para dar um exemplo: uma jurista, que tal como Telmo Correia só fez Turismo, dá aulas de Introdução ao Turismo, de Suportes Geográficos do Planeamento do Território, etc., no Politécnico de Leiria (que dado o ensino de qualidade que ministra, quer passar a Universidade...). Mas também se o Minsitro não percebe nada de turismo, por que hão-de perceber os professores dos cursos de Turismo? As pessoas criticam os novos ministros não perceberem nada da área que (des)governarão. Mas é o retrato do país. Do improviso, do jeitinho, do padrinho e do afilhado, do "não mexas que dá merda", que é como quem diz, perdem-se eleições e pior que isso lixamos os interesses dos amigos, que são os nossos. Este é o país do faz de conta: criam-se cursos, diplomam-se alunos,e é um desconsolo olhar para a maioria da formação ministrada. Quantos são os doutorados na área? Alguém alguma vez os ouviu falar? O único interlocutor é o qualificadíssimo dinossauro Atílio Forte... E então a maioria dos empresários!!! O país passa a vida a fazer mal, descaradamente, e queixa-se de ter maus resultados... Esse é que é o problema. Num mercado hipercompetitivo como o do turismo, a sermos amadores... vamos ter um rico enterro. Ai do core business português!

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