carta aberta a David Justino

Leio o contributo recebido por e-mail, presente no penúltimo post, e apetece-me lançar um repto ao ex-Ministro da Educação, David Justino.

Em diversas ocasiões tive oportunidade de o criticar, de mostrar a minha estupefacção perante os diversos capítulos da novela que invariavelmente se conta a cada novo Ministro e em cada Ministério.

Houve até uma das mais interessante discussões na blogoesfera sobre a questão dos manuais escolares de que o Aviz foi repositório e à qual regressou hoje, ainda que lateralmente.

Apesar das críticas a David Justino, tenho-o em suficiente conta para lhe pedir um último esforço de serviço público: Escreva! Diga coisas, conte-nos a sua visão do que fez e não fez, diga-nos os seus quês e porquês.

O "aparelho" do Ministério parece um autêntico monstro de devorar ministros e pouco estes conseguem deixar de legado útil e/ou visível no final dos respectivos consulados.

O governante precisa urgentemente de aliados, particularmente daqueles que votam e que, perante o silêncio ou as dificuldades de defesa pública de um Ministro, perante grupos tão organizados e profissionalizados em usar a comunicação social, cai facilmente no engodo da crítica ignorante, na manipulação populista dos detractores.

Talvez uma intervenção polémica após a conclusão de um mandato seja recebida de outra forma e colha melhor entre os que o venham a ler do que a própria defesa imediatista do frenesim próprio do exercício do poder.

Temos sempre que admitir que um dia alguém tentará, de novo, combater o imobilismo. Quem lhe segue os passos no actual governo, ou em futuros, passará pelo mesmo e enfrentará, porventura, um "adversário" ainda mais difícil de condicionar e de gerir.

Mais do que identificar-se com um partido, ou com um governo, é preciso defender o Estado de si próprio usando e abusando da sinceridade num último esforço de contribuir significativamente para a coisa pública.

Em Portugal, não há esta tradição dos antigos dirigentes executivos da nação deixarem o seu legado escrito em bom português. Quando muito temos compilações de discursos e, se bem me lembro, houve um ou outro Ministro dos Governos de António Guterres que nos ofereceram alguns contributos que se aproximaram daquilo que aqui tento promover.

Se o relato for genuíno, seja ele mais ou menos apologético, será sempre bem vindo. Para valer a pena, basta que tenha um leitor, mas pode até haver a sorte de ser um leitor particularmente adequado.

Qualquer Ministro que se preze deveria, no mínimo, ler o que os seus antecessores lhe quiseram dizer.

No final, só teremos que lhe agradecer.


Publicado por Rui MCB 16:54:00  

12 Comments:

  1. Anónimo said...
    RUI: juro que não estou a ironizar e até suponho ser uma proposta honesta e válida a que faz. Mas este ministro (ex), com ou o quê pode escrever se, durante dois anos, deixou a pior imagem das últimas décadas de um ministro da Educação? Não se lhe conhece uma só medida coerente e eficaz na área que deveria ter liderado, além daqueles sorrisos seráficos para engodar...D.Justino não tem nada a dizer.É o que penso.
    Luís Bonifácio said...
    O repto do Rui tem toda a razão de ser. David Justino tentou mexer as águas da educação em Portugal e talvêz por isso apareceram aqueles escândalos da colocação de professores, em bom timing diga-se de passagem.
    David Justino organizou muitos encontros com professores do ensino secundário de todo o país onde a problemática da educação nacional era discutida.
    A minha irmã participou em pelo menos um e a opinião que ficou do antigo ministro foi excelente (E ela que é uma pessoa que detesta o PSD), pelo que acho que David Justino deveria falar, pois temos o direito de saber.
    josé said...
    Ouvi uma vez o ministro Justino ( que tem a minha idade...)num encontro com professores e outras pessoas, num GOverno Civil, por aí.

    Gostei de ouvir o que então disse; gostei do modo como respondeu às várias qestões que então lhe foram colocadas, mesmo simples questões sobre laboratórios de química em escolas secundárias. Mostrou saber do que estava a falar. Mostrou ter ideias que me pareceram válidas e mostrou que queria fazer algo para as pòr em prática.
    POr isso mesmo, acho que é uma pessoa que deve falar, escrever e dissertar sobre o assunto, pois não é um diletante.
    Espero que o faça, de modo simples e directo como o ouvi.
    josé said...
    Pois é entrar, caro Mano Pedro. É entrar- que por mim, já cá estava, se quisesse associar-se nesta agremiação de ideias e opiniões livres. Tem as condições objectivas: escreve bem; tem ideias e expõe-nas melhor. Venha fazer companhia aos lojistas. Fica aqui o convite público.
    Anónimo said...
    O que me parece é que o descalabro da educação pública é propositado, e tem como objectivos levar as pessoas a encher os bolsos dos donos das escolas privadas e a estupidificar quem não o pode fazer.

    Mário
    retorta.net
    MJMatos said...
    Sugest�o pertinente. T�o pertinente que fiz uma chamada para aqui no "Que Universidade?".
    JVC said...
    Como exemplo de um testemunho de um ex-ministro, lembro o "Difícil é sentá-los" de Dulce Neto, uma longa entrevista a Marçal Grilo, com muitas notas do próprio.
    MJMatos said...
    Ou "Desafios da Educa��o. Ideias para uma pol�tica educativa no s�culo XXI", Oficina do Livro, 2002, do mesmo ex-ministro.
    josé said...
    " Os primeiros documentos da reforma educativa surgiram nso primeiros meses de 1987. Uma mega-equipa de investigadores tinha sido chamada por João de Deus Pinheiro para a gigantesca tarefa de recolocar Portugal no mapa educativo. (...) Os eleitos- entre os quais se encontravam os mais tarde reitores, Meira Soares, Alberto Amaral e Machado dos Santos - e o futuro secretário de Estado da Educação, Joaquim Azevedo, traçaram as primeiras linhas do projecto. Criaram uma série de comissões e estruturas de controlo, avaliações e acompanhamento das variadíssimas fases do processo de reorganização da escolaridade.
    ROberto Carneiro e Marçal Grilo encontram-se no grupo de trabalho para propor a reorganização dos currículos dos ensinos básico secundário. Os técnicos superiores do Ministério da Educação juntam-se a Frausto da Silva - ministro da educação entre 82 e 83-para elaborar o documento que não deixa dúvidas sobre a importância do projecto. Um esforço verdadeiramente nacional é requerido.(...) O diagnóstico está traçado e tem cores tão negras que obrigam a soluções abrangentes: é preciso reorganizar currículos, mas também mudar a estrutura organizacional das escolas, mentalidades e qualificação dos professores, chamar a comunidade para o sistema educativo, acompanhar os alunos com diferentes ritmos de aprendizagem. É destas ideias que saem as ideias de ´territórios educativos` ,de projectos como `área escola`, do ´professor-tutor`ou mesmo e reforço do papel de formador de cidadãos que a nova escola deveria assumir."

    Acabei de transcrever uma parte de um texto do Expresso de há alguns anos( não muitos...) por ocasião do laçamento do documento O Futuro da Educação em Portugal. Tendências e Oportunidades 2020: 20anos para Vencer 20 décadas de Atraso Educativo, da autoria de...ROberto Carneiro e Marçal Grilo, os bravos e intrépidos guerreiros da " Área Escola"; dos "territórios educativos" e do "professor-tutor"!!

    Estamos conversados a propósito disto e também do recente veto do Presidente à Lei de Bases do Sistema Educativo.

    Só mais uma coisa:
    Tenho uma filha que nasceu em 1987, quando estas ideias revolucionárias desses génios começaram a germinar.
    Tenho agora outra, com oito e que daqui a dez, se Deus quiser, poderá ter outra perspectiva de vida e de educação. No entanto, vai sendo formada nesta "Área-escola", com professores-tutores e com a ideia genial de " chamar a comunidade para o sistema educativo"!!

    Desculpem-me senhores professores esta prosápia, mas o tempo do experimentalismo, ainda por cima com esses senhores, não me interessa. Porque acho sinceramente que são eles os autores do descalabro dos últimos vinte anos. COmo se vê, gostariam de repetir a dose por amis vinte...safa!
    MJMatos said...
    Lan�o-lhe ent�o um desafio, Jos�. Se n�o h� realmente nada a fazer, porque � que se d� ao trabalho de comentar? � uma pergunta pertinente, n�o acha?
    Tamb�m podia indicar em que pa�s estudou, para que se possa avaliar a sua dist�ncia em rela��o � realidade portuguesa.
    S�o perguntas duras porque, mais do que os erros que se cometem quando se faz, fico irritado com cr�ticas destrutivas de quem est� de fora, sem qualquer sugest�o de correc��o.
    josé said...
    Caro MJMatos:

    O simples facto de comentar estes assuntos, denota o meu interesse nos mesmos- desde há muito. Mas não assegura nenhuma autoridade- que não tenho. Nem sequer pretensões a tal. Sou mero cidadão que observa da bancada os jogadores e a equipa que me parece a mesma há dezenas de anos. Porém, terei legitimidade para apontar criticamente o que me parece mal, porque as medidas que ao longo dos anos foram aplicadas no ensino me afectam e posso por isso apreciá-las criticamente, mesmo sem possuir todos os dados das questões.

    A ideia que venho alimentando de há anos para cá, é no sentido de responsabilizar pessoalmente os arquitectos do sistema de ensino que apontei- e ainda mais uma pessoa, a inefável senhora Benavente- pelo falhanço rotundo do sistema que temos.
    NO secundário, que é aquele a que me refiro:

    Falhanço na gestão da "escola" e da ideia da participação da comunidade que desresponsabiliza tudo e todos. Por isso, a ideia que ouvi ao Justino foi no sentido de repristinar os velhos directores e reitores- como acontece lá fora em alguns sítios e também já houve cá dentro, até ao 25 de Abril.
    Falhanço na disciplina escolar e contemporização generalizada no facilitismo que se traduz na menor exigência em disciplinas básicas como o Português e a Matemática. O latim e o grego deixaram de contar como disciplinadoras do espírito e base da ortografia e da precisão no uso de termos e afinação de conceitos.

    Falhanço no ensino tecnico profissional. As escolas de formação profissional actuais não se podem comparar, a meu ver, com o antigo sistema das escolas técnicas de ensino comercial e industrial. Os antigos mestres que se formaram com outros mestres, tinham uma grau de conhecimento e competência a meu ver, elevados e sem comparação actualmente.

    PArece-me, a terminar que as experiências dos últimos vinte anos, foram prejudiciais para o nosso sistema de ensino e só agora se começa a ter consciência de que as soluções antigas, não eram assim tão más...


    Estarei enganado nestes pressupostos, caro professor?
    Se estiver, serei o primeira a dar a mão à palmatória (que não defendo como método correctivo, tal como não gostaria de ver repristinadas as orelhas de burro).
    MJMatos said...
    Não, caro José, não está enganado. Ainda bem que objectivou o seu comentário anterior. Podemos discordar em questões pontuais, eventualmente, mas isso são pormenores. Espero que não tenha levado a mal o meu comentário (hoje estou com tendência para "espirrar").

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