Uma PJ de «meter medo», não obrigado.


A definição da política criminal é – queremos continuar a pensá-lo – uma questão nuclear de qualquer Estado de Direito.

E os órgãos institucionalmente encarregados da execução de tal política não podem, consequentemente, ser deixados numa deriva de voluntarismo ou, menos ainda, de securitarismo.

As polícias portuguesas, no seu conjunto, têm dado mostras de um notável esforço por corresponder aos desafios das novas formas de criminalidade. Com incipiências e défices, obviamente, mas com determinação e empenhamento da grande maioria dos seus responsáveis e agentes.

Nesse contexto, a Polícia Judiciária – órgão superior de investigação criminal – surge posicionada como uma instituição com um património de merecido prestígio, pela bem sucedida experiência de investigação criminal de várias décadas, para o que contribuiu o esforço e abnegação da esmagadora maioria dos seus responsáveis e profissionais.

A PJ é um pilar fundamental da execução da política criminal e, como tal, do Estado de Direito.

Deverá estar ao serviço da procura da verdade material, norteada por princípios de objectividade, isenção e legalidade.

A sua directa dependência funcional do executivo fragiliza a sua pressuposta autonomia, fazendo mais sentido estabelecer uma dependência da PJ face ao Ministério Público, órgão auxiliar de administração da Justiça (penal, para o que interessa), não só em termos processuais – como agora sucede – mas funcionais.

Na verdade, o MP – enquanto titular da acção penal e entidade que detém a efectiva direcção do inquérito – intervém na execução da política criminal. A definição das metodologias, do estabelecimento de prioridades e os resultados das investigações não lhe podem ser alheios, já que é ao MP que cabe sustentar em Tribunal a pretensão punitiva do Estado.

O que sucedeu com o folhetim das demissões dos responsáveis da Directoria do Porto da PJ é de uma gravidade inaudita, mas, convenientemente minimizada (cujo «encerramento» foi tentado pelo 1º Ministro).

Começa a ser insustentável a permanência na direcção nacional de PJ de alguém que, no período de cerca de dois anos, após os haver nomeado, afastou dois sub-directores nacionais adjuntos, Maria José Morgado (implicando a saída de Carlos Farinha)e de Pedro Cunha Lopes , e, agora, de toda a direcção da segunda mais importante estrutura de investigação criminal, a nível nacional, a Directoria do Porto: de uma assentada, foram sumariamente afastados Artur Oliveira, Teófilo Santiago e João Massano.

Das duas uma, ou o director nacional não sabe e não conhece quem nomeia, e deve ser responsabilizado por isso, ou tais afastamentos são motivados por circunstâncias sempre mal explicadas.

Demasiados erros de casting?

Cremos que erro de casting há só um.

Perante a demissão de Artur Oliveira, poderá dizer-se que não teria condições pessoais para continuar no exercício do cargo. Porém, a investigação sobre os seus familiares não é um dado recente. Estava já pendente e, há cerca de um ano, foi do conhecimento do director nacional. Porque não tomaram, então, a resolução de aquele se afastar?

Parece que foi, afinal, uma situação que o director nacional geriu e utilizou quando se tornou oportuno, por o director do Porto se ter tornado incómodo. Incómodo, não pela circunstância atinente aos familiares (facto que era já do domínio público dentro da instituição e do directo conhecimento do director nacional), mas incómodo pela «mossa» que ficou dos supostos défices de comunicação e reporte sobre os passos do processo «Apito Dourado».

E que dizer dos sub-directores? Que puseram o lugar à disposição, por uma questão de solidariedade institucional, esperando, obviamente, ser reconduzidos, dado que o problema pessoal da Artur Oliveira lhes era totalmente alheio. No entanto, dois profissionais de polícia com mérito e um passado de dedicação integral à PJ (Teófilo Santiago será o único «crachat de ouro» no activo) foram «trucidados» na voragem de uma lógica desenfreada de domínio e controlo. Aprenderam à sua custa uma amarga lição com que, porventura, não contavam.

Mas, para refinar o quadro, é colocado a substituir Artur Oliveira o seu ex-colega (amigo?) Ataíde das Neves, que coordenou a investigação que culminou com a detenção dos familiares daquele.

Perfídia a mais? Cada um tire as suas conclusões.

Os sobressaltos criados com tais afastamentos num corpo de polícia que se pretende consistente e estável provocam, necessariamente, o descrédito, o desânimo dos seus agentes e funcionários, ao ser-lhes exibido o poder das lógicas de prepotência que norteiam os destinos da PJ.

O grande problema é que todas estas questões só são possíveis, num órgão como a PJ – a que está privilegiadamente consignada a execução da política criminal – porque não há, em boa verdade, uma política criminal ou, sequer, uma noção aproximada do que isso seja.

Há episódios espúrios na história recente da PJ que já o vieram demonstrar: os desaguisados entre Mário Mendes e Cunha Rodrigues e a demissão de Fernando Negrão são por demais eloquentes para o ilustrar.

O que possibilitou este clima de «mercantilização» da PJ é a indefinição (consciente, entenda-se) do poder político quanto às prioridades do que deve ser a investigação criminal, num quadro mais vasto da definição de uma política criminal consequente.

O que revela a consciência da total inconsequência do director nacional da PJ é o facto de, na sequência da demissão dos responsáveis do Porto, ter vindo dizer, em entrevista ao DN de 3 de Junho, que...

A PJ...quando cresce (??) – e quando actua como está a actuar – mete medo a muita gente.

Não sabemos a quem se estaria a referir. Não pode é a PJ servir para atemorizar quem quer que seja.

A PJ é um instrumento de investigação de factos criminalmente puníveis e de responsabilização dos seus agentes – dentro de mecanismos processualmente definidos – e de defesa de direitos fundamentais dos cidadãos.

Não pode ser uma arma de intimidação destes.

Acrescenta, depois, referindo-se à nomeação de um dos novos subdirectores do Porto, que conduziu

...a melhor investigação de pedofilia realizada em Portugal

insinuando, mais uma vez, a adopção de critérios inadequados de actuação dos elementos da PJ que investigaram o processo «Casa Pia» sob a direcção do MP, o que evidencia que tem os seus «preferidos» (sem menoscabo para a pessoa em causa, Dias da Silva, e para a qualidade da investigação do processo da pedofilia dos Açores).

Aproveitou, também, para se demarcar do resultado da investigação do dito processo, quando, em conjunto com o PGR – por causa de especulações sobre alegadas divergências quanto à condução da mesma – veio, em comunicado, expressar a total identidade de pontos de vistas e conjugação de esforços.

O cinismo raia a irrisão, quando se pensa que não há memória.

Estamos, contudo, esclarecidos quanto à concepção que este alto funcionário tem do que deve ser a «sua PJ». Certamente nada tem a ver com o que deve ser a PJ dos cidadãos.

Uma PJ de «meter medo»? não obrigado.

P.S. - Ataíde das Neves e Mouraz Lopes estão em «estado de graça». Hoje. Amanhã, sabe-se lá... O episódio teve um efeito positivo - para «acelerar» uma investigação como o processo «Apito dourado», o melhor método é substituir os seus responsáveis. Adelino dixit.

Mangadalpaca


Publicado por josé 14:53:00  

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