A retoma segundo "São Barroso" ou apenas a visão de um crente

A liturgia de hoje fala da parabóla de São Barroso aos gentios, onde prometendo incessantemente a retoma, um dos gentíos terá questionado o mestre em pleno concílio.


Mestre em vez de me dares o peixe, ensina-me a pescar.


Com o devido respeito pelas sagradas escrituras uma análise aos últimos números da economia portuguesa poderia perfeitamente cingir-se a este pequeno preâmbulo
.

Primeiro, porque a nossa economia saiu de facto do vermelho mas de uma forma que a mais pequena derrapagem poderá conduzi-la novamente lá.

Segundo, porque, tal e qual no passado, não saimos do vermelho porque resolvemos os nossos graves problemas estruturais mas sim porque conjunturalmente, as economias europeias estão de facto a crescer e com isso arrastam os seus parceiros onde se incluiu naturalmente Portugal.

Não é igualmente desprezível o efeito do Euro-2004 na economia, nomeadamente na criação de emprego temporário, que poderá de certa forma explicar uma parte do crescimento do consumo privado.

Os números divulgados pelo INE, na passada quarta-feira, ainda que oportunamente se possa questionar o porquê de um relatório referente ao 1º trimestre, ser apenas divulgado no dia 09 de Junho - isto é em vespéras de eleições - quando o mesmo INE revela até ao dia 15 de cada mês as contas do mês anterior, não trazem assim tantas boas notícias como alguns golfistas deste imenso campo de golfe nos querem fazer passar.

Primeiro, é um facto que no 1º trimestre crescemos 0,1%. É igualmente verdade que é preferível crescermos 0,1% do que estarmos no vermelho. Mas isto não foi novidade, até porque se sabia que a economia portuguesa haveria de apresentar um crescimento real da economia de 0,5 % por trimestre, embora dado o saldo negativo que transporta de 2003 o mesmo ficará pelos 0,8 % no final do ano. Portugal registou o maior declínio do PIB junto da Europa dos 15 em 2003 e este facto não nos deve deixar orgulhosos. A verdade é que já na segunda metade dos anos 90 a procura interna, que vinha a ser aquecida pela “excessiva” animação da entrada do Euro e consequente controlo sobre as taxas de juro que não se verificaram, não teve o devido acompanhamento do lado da oferta.

Uma acumulação de défices sucessivos e uma incoerente aposta no Estado como motor da economia quando a economia possuia ganhos acumulados capazes de aguentar reformas de contra-ciclo, que iriam concerteza catapultar a economia.

E crescemos devido única e exclusivamente ao facto de a procura interna ter contribuído no 1º trimestre de 2003 de forma negativa em 4,6% para a queda de 1,4% registada nesse trimestre, contra a subida de 0,9% da procura interna no 1º trimestre de 2004.

Aliás uma análise rápida a evolução da procura interna por trimestre por comparação à contribuição da procura externa desde o 1º trimestre de 2003 revela que afinal o discurso de Manuela Ferreira Leite durante dois anos, não se realizou. Todos estamos lembrados, que a aposta deste governo era que a retoma fosse puxada pelas exportações. Pura falácia que serviu para enganar meio mundo e outro meio ainda acreditava quando via que o défice da balança comercial com países terceiros diminuia. A verdade é que assim que a nossa economia acelerou a procura interna, a insuficiência de matérias primas e produtos manufacturados, obrigou as mesmas empresas nacionais a recorrer as importações para satisfazer o circuito produtivo. Afinal já há 20 anos que assim é e, infelizmente, este Governo não mudou nada. Tal facto é bem vísivel no gráfico abaixo onde se denota que à medida que o PIB vai crescendo a contribuição da procura externa vai diminuíndo....




O consumo privado cresceu de facto 2,1% em volume no trimestre referido, ou 1,6 % em termos homológos, e tal se deveu ao facto das famílias terem aumentando o consumo de bens de consumo duradouro. Uma notícia positiva passa pelo investimento que há 8 trimestres que não pisava terreno positivo tendo crescido homologamente 0,6%. Um sinal que, repito pode, muito bem, advir dos investimentos no evento Euro/2004.

Mas vamos agora ao que o INE, vá-se lá saber porquê, não divulgou em vespéras de eleições europeias.

Primeiro, o desemprego. No primeiro trimestre de 2004, Portugal registou 6,4% de taxa de desemprego, uma subida face à taxa média de desemprego verificada em 2003 que foi de 6,3%. Dada a actualização da população residente o 1º trimestre de 2004 fecha com o mais elevado valor de habitantes desempregados desde janeiro de 2003 - cerca de 347 000.

Segundo, a inflação. A pedra de toque deste governo. De facto a inflação tem vindo a situar-se nos 2,7%. Já várias vezes aqui falamos do mecanismo da curva de Phillips. Elementar. Não se trata de uma vitória da política económica, apenas o ajuste normal de uma economia. Esta redução da inflação é explicada tanto por factores de ordem interna, como por factores de enquadramento externo da economia portuguesa. Os factores de ordem interna referem-se ao fraco crescimento económico, que permitirá aliviar um conjunto de pressões do lado da procura, que terão afectado, nos últimos anos, a evolução dos salários e dos preços no consumidor (em particular, no caso dos serviços).

A desaceleração dos salários nominais, observada em 2003, deverá continuar em 2004 e 2005 o que conjugado com crescimentos da produtividade mais próximos da média histórica determinará um crescimento reduzido dos custos unitários do trabalho. Também os factores externos deverão contribuir para a redução da inflação, com os preços dos bens importados a crescerem moderadamente em 2004 e 2005, reflectindo as hipóteses de evolução dos preços internacionais de matérias primas.

Depois, a calinada de Deus Pinheiro, ao afirmar que Portugal ainda durante este ano irá crescer acima da média comunitária. Portugal, como disse, deverá crescer em 2003 entre os 0,5% e o 1,0% quando a média comunitária se situará nos 2,0%. Sem sequer questionar se eventualmente lhe terão mostrado o gráfico ao contrário ou se ele sabe que quaisquer 2,0% estarão sempre acima de 1,0%.

Crescemos, de facto, e no final do ano vamos apresentar um saldo positivo do PIB. Mas crescemos como crescemos no passado.

Sem definir o problema estrutural da nossa economia, que à parte de um ligeiro toque no mercado laboral, nada de signicativo foi feito. Com uma agravante - este ano vamos precisar novamente de receitas extraordinárias para cumprir o limite dos 3,00%.

Os actuais níveis de endividamento das empresas e dos particulares colocam restrições do investimento e do consumo privados. Adicionalmente, a necessidade inadiável de consolidação orçamental e o declínio progressivo transferências da União Europeia traduzem projecções, na hipótese de uma contracção da componente pública da procura interna, cuja concretização também tenderá a condicionar o crescimento do Produto.

Com tudo isto, uma pergunta que se impõe - Eu que entrei na blogoesfera apelidado como ortodoxo puro e duro face a Manuela Ferreira Leite, pergunto legitimamente o que está a senhora ministra a fazer ? Ainda não percebeu que as diferenças entre este “seu” modelo e o modelo que foi seguido pelos socialistas não existem e que o modelo actualé afinal exactamente igual?

Crescer devido à expansão do consumo privado, ao endividamento das famílias no recurso à crédito, é crescer de tal maneira torto, que ao primeiro sopro de crise na economia europeia, caímos como um baralho de cartas, e penso que todos já percebemos que está na hora de mudar de parceiro....

estou farto de marcar bolas cheias ao adversário...

Publicado por António Duarte 00:35:00  

8 Comments:

  1. Rui MCB said...
    Só para esclarecer: o que é que o INE só divulgou "agora"?
    Para começo de conversa o valor da inflação há anos que é divulgado sistematicamente ao público no 10º dia útil de cada mês.
    António Duarte said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    António Duarte said...
    Caro Rui

    Como disse e muito bem, a divulgação dos valores da inflação decorre no 10º dia útil de cada mês. Acontece que analisar as contas trimestrais sem colocar lá o impacto que o consumo privado poderá ter tido na inflação é quase como atirar no escuro.

    Nota : Hoje dia 15 Junho, é o 10º dia útil do mês de Junho e até ver...nada.

    Podemos continuar a conversa...
    Rui MCB said...
    O INE divulga Destaques para a Comunicação Social às 11h e às 15h de cada dia.
    Finalmente estamos a tentar ganhar o hábito de divulgar publicamente o calendário de difusão da informação com vários meses de antecedência. (Já disponível no site em "Calendário").
    Por enquanto ainda vai havendo algumas correcções às datas mas, justiça seja feita, a actual direcção do INE tem aumentado a pressão sobre os serviços produtores para que só por razões de força maior - problemas técnicos ou falta de informação fundamental dependente do exterior - é que se admite algum atraso/revisão de prazos de divulgação.
    Só temos a ganhar se houver consumidores de informação atentos que exijam sempre justificações para os atrasos...
    Quanto às contas trimestrais confesso que não as analisei detalhadamente (ainda) mas tanto quanto sei mantiveram a estrutura tradicional dos últimos anos, ou notou alguma falha/omissão cirúrgica?
    Também nesta área das contas trimestrais o INE passou recentemente para níveis aceitáveis de divulgação segundo parametros internacionais (70 dias após o fecho do trimestre) ainda que se pudesse fazer melhor caso a equipa de técnicos fosse estável (muitos eram contratados e foram sendo despedidos e/ou viram-se durante largos meses sem a situação esclarecida ao longo dos últimos dois anos) e se tivesse investido mais na coordenação de todas as fontes de informação para as contas nacionais. Tem sido mais por aqui que se tem sentido os principais efeitos da "mão política" no INE do que pelo controle descarado de prazos e manipulação de dados. Mas é preciso estar atento... Com uma direcção capaz de TOTAL isenção política, na semana passada, com a divulgação dos dados do PIB pelo Primeiro Ministro na Terça-Feira (um dia antes da divulgação pública oficial e discussão em conselho superior de estatística) o presidente do INE teria tomado uma posição, ou se demitia em ruptura com a tutela esclarecendo o porquê do seu afastamento, ou alterava de imediato o circuito/os timmings de divulgação privilegiada da informação, retirando qualquer primazia à tutela sobre os restantes agentes políticos.
    O escandalo que se fez quando Guterres apresentou um número para a inflação como sendo do INE (era da DGConc. e Preços) antes da divulgação oficial... E o silêncio que se fez com Durão Barrosos a falar do PIB junto de Gilberto Madail em plena campanha.
    josé said...
    Caro Rui:

    Fico obrigado, como leitor atento do que o António escreve, pelo seu comentário que presumo esclarecido.

    O que diz revela que a opinião pública portuguesa precisa de mais e melhor informação sobre estas matérias. Tirando meia dúzia de peritos que trabalham nos ministérios e isntitutos adjacentes, quem é que percebe disto?! Os jornalistas que têm cursos de comunicação social?! Os comentadores de economia, nos jornais?! E quererão eles afrontar o poder executivo que mais tarde ou mais cedo lhes pode dar emprego?

    É bom que se saibam as regras; quem as cumpre e quem as viola e por que razão.
    Perante uma generalizada analfabetização nesta área ( entre os quais me incluo) só um escândalo é que alerta as pessoas para as manigâncias. Porém, é nesses escãndalos que os jornalistas ganham o seu espaço de manobra e é por aí que ainda vamos sabendo coisas.

    Thank God que há blogs!
    Rui MCB said...
    Se os jornalista fazem pela vida, eu que sou pago pelos contribuintes devo mesmo ser um temerário.
    Seja como for tentarei ir deixando algumas dicas no Adufe. Até ver disseram-me que uma das minhas funções no INE passa pelo serviço público e pelo esclarecimento dos utilizadores da informação.
    Seguirei a sugestão e tentarei divulgar no blogue procedimentos publicos do INE mas de conhecimento pouco público.

    Um abraço.
    josé said...
    Pois caro Rui, movido pela curiosidade na menção de Adufe, cheguei ao Portal! E lá vi uma menção a uma canção clássica entre os clássicos da música popular: the lion sleeps tonight. Tenho a versão do Eno, numa caixita que por aí andou há anos, mas é apenas uma entre cento e tal!

    Há uns anos a revista Mojo, salvo erro, publicou um artigo sobre esse clássico e as andanças dos direitos de autor que parece não estão reconhecidos.
    Neste sítio também se dá conta do assunto:
    http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/3000090.stm

    Thanks for the memories.
    Rui MCB said...
    Roger that!

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