Pelos trilhos do Comboio...
quarta-feira, junho 02, 2004
A recente notícia de que a CP estará interessada em privatizar as linhas suburbanas de Lisboa e do Porto decorre naturalmente de uma lógica de mercado mas que tem, à partida, riscos.
Em Portugal, a situação ferroviária, é mais ou menos esta - uma empresa de capitais públicos – CP – explora a rede comercial, através dos transportes de passageiros e de mercadorias, ainda que este último seja feito muitas vezes com recurso a operadores privados. Numa lógica empresarial, e até por obrigação de Bruxelas, a CP, fica com o modelo de negócio, e foi criada uma empresa – REFER – que tem como objecto, a infra-estrutura. A CP paga assim o “aluguer“ da infra-estrutura à REFER.
Em termos de gestão, estamos na presença de um monopólio natural, ainda que estatal, que há muito que deixou para trás algumas obrigações de carácter social que estão subjacentes às empresas públicas, e para isso, basta vermos o número de linhas que tem sido coercivamente encerradas. No fundo, se por um lado é legítimo, que se apliquem critérios rigorosos de gestão e que confinam a uma avaliação dos proveitos de cada linha, por outro é indelével que alguns pontos do país perderam o único meio de comunicação que lhes permitia um acesso mais ou menos cómodo ao Portugal mais avançado.
De um ponto vista operacional, apenas a linha Lisboa-Porto-Braga, se apresenta verdadeiramente rentável. Com a capacidade de utilização da linha completamente esgotada, a procura excede a oferta, e os resultados são obviamente positivos. Isto no longo curso. De resto abundam pelo país fora linhas onde a capacidade de utilização não é atingida nem pela metade.
Uma das soluções passa evidentemente pela inovação tecnológica. Linhas mais rápidas traduzem economias de escala, ainda que a preços mais altos. Mas o grande desafio que os caminhos de ferro portugueses tem, passa, pela conversão da actual bitola, na bitola europeia. Depois falamos de um mercado de 10 milhões de passageiros. Em nada comparável com o mercado espanhol ou francês.
Existem assim, no meu entender, vários passos que podem transformar o caminho de ferro, num meio de transporte procurado e adequado às necessidades. O primeiro passa, por um maior incentivo à utilização de caminhos de ferro, como por exemplo se passa em França, onde existem descontos generosos à utilização. O segundo passa por uma concertação dos vários transportadores com o caminho de ferro, e uma real adequação dos horários. Só assim será possível optimizar e relançar a procura do caminho do ferro.
A solução de privatizar as linhas suburbanas não é de todo descabida até por que existe em Portugal um caso de sucesso, que é a travessia do Tejo, a cargo da Fertagus. Os benefícios sociais estão contemplados, os transportes são cómodos e rápidos, e existe uma interligação na margem sul entre comboio e autocarros que fomenta o uso do comboio.
A questão do monopólio, coloca-se hoje e colocar-se-á sempre. A França, que em termos de caminhos-de-ferro dá lições, efectuou uma reorganização empresarial, transformando uma única empresa - SNCF - em várias empresas regionais, consoante as regiões do país. Bom, a nossa dimensão, poderiam ser criadas algumas empresas participadas da CP, que teriam a seu cargo a gestão das linhas que lhes forem atribuídas.
Depois, as linhas que o Governo pretende ver privatizadas, são linhas suburbanas, com uma procura excedente à oferta, e que não são mais utilizadas, por externalidades não imputáveis ao transporte em si, e que os operadores privados certamente que estão mais habilitados que o Estado para lidar com eles. Parece-me que um sector regulador, transversal, poderia lidar e bem com o problema do monopólio natural, que de facto existe, mas que não se coloca da forma como indica.
Ao contrário do que possa parecer, Portugal tem linhas a mais, que não são eficientes nem tem procura..
Finalmente, e porque o transporte ferroviário, ao contrário do que se possa pensar, tem concorrentes, ainda que noutros sectores, a questão coloca-se da seguinte forma - É preferível que um Estado que se quer eficiente, continue a injectar anualmente Milhões de Euros, numa empresa que tem como core-business o transporte, ou transferir, o transporte para os privados, deixando que os privados façam a natural adequação da procura à oferta ? Abrir o mercado ferroviário aos privados pode muito bem ser entendido, como uma oportunidade para todos. Veja-se o caso de Mirandela, que hoje a cargo de uma empresa municipal, explora o troço Tua-Mirandela...
Publicado por António Duarte 11:21:00
O que coloca, pode ser facilmente resolvido. È um facto há linhas em Portugal que tem uma procura abaixo dos 20 % da capacidade. Uma das soluções e porque acho que há linhas que sao verdadeiro património, passa pela exploração turística das mesmas.
E o que se sucedeu, na maioria dos casos, foi não haver alteração das linhas e as terras desenvolveram-se e afastaram-se dos núcleos antigos.
Depois, os apeadeiros passaram a ficar de tal modo distantes das localidades que se extinguiram. Podia dar-te dezenas de exemplos a começar por Abrantes, Portalegre, Portimão, olha, nunca mais acabava porque já fiz o país inteirinho de transporte público (e ilhas também) e sei como é. Tenho mesmo uma série de histórias sobre o assunto que se tivesse tempo passava a papel. E faz-me pena assistir a esta estúpida morte de um dos meios de transporte mais bonito, mais limpo, menos perigoso, em troca do asfalto. Em troca da sinistralidade nas estradas, da falta de qualidade de vida; da ideia que temos de ir automaticamente de um local a outro sem “curtir” uma viagem, sem olhar para a paisagem. Tu vais-me dizer que isso é um detalhe de requinte. E eu concordo. Pois é e somos um povo pobre que desconhece o requinte. De acordo. Mas também me incomoda algum tipo de liberalismo saloio que deu em inverter a situação colocando apenas na balança o factor rentabilidade. E na rentabilidade o espírito é de pato-bravo. Faz-se a média por baixo. O luxo não entra. E é estúpido porque se devia tornar muito mais caro o que é luxo e massificar o que é de massas. Por mim o preço da gasolina devia ir para o sêxtuplo. E era barato. E depois que se invista em transportes públicos.
Eu tenho sinceras dúvidas que os tais comboios de alta velocidade que lá fora estão a ser postos de parte, venham agora a ter interesse num país minúsculo, por exemplo. Mas tenho sempre a ideia que estamos irremediavelmente condenados ao fracasso. Ou é a miséria estatal e as coisas caem por si, ou vem a “rentabilização” privada à toa e à “americana rica” e cai-se na megalomania bacoca. Quanto ao património... mas quem é que se importa com o património??! Quem é que sabe o que é património ou floresta, por exemplo? És capaz de me dizer?
O teu comentário, e perdoa-me tratar-te na primeira pessoa, define de uma forma geral aquilo que penso, com uma ou outra ressalva.
È um facto indesmentível, que nos portugueses, preferimos o carro para quase todas as deslocações. Como tu dizes e muito bem, a utilização do transporte público ferroviário iria reduzir entre muitas coisas, a sinistralidade rodoviária e iria trazer inerentes benefícios para o Ambiente.
O grande problema do comboio, parece-me a mim, ser que de facto, não houve durante muitos anos, um incentivo ao uso do mesmo. As linhas traçadas em 1920 /1940, reflectiam na altura um hábito que hoje por via do desenvolvimento não existe.
Perdoa-me a pergunta, mas já pensaste, o que seria se o Estado incentivasse de facto o uso do transporte público ? O que aconteceria as receitas provenientes da venda de gasolina ?
Um sinal positivo da ferrovia, surgiu este fim de semana, quando finalmente, a partir de Sines, saira um comboio para a Bobadela, que retirará 100 camiões da estrada, todas as semanas.
Um sinal negativo, só na semana passada, ficou concluída a ligação directa entre Braga e Faro. Certo estou que num país tão pequeno como o nosso, há muito que tal investimento deveria ter sido feito.
Viajar de comboio entre o Algarve e o Porto, implicava entre outras coisas, andar de Barco, para atravessar o tejo. Apesar de a CP, ter uma linha entre o Setil( Linha do Norte)/Coruche/Alcacér e apenas a utilizava uma vez por semana, num comboio chamado azul.
estou de acordo e os exemplos que apontaste são sinais positivos. Eu nem sei se estava a falar no Estado incentivar ou não incentivar o uso de transportes públicos. Porque o que tenho assistido é à substituição dos comboios pelas camionetas e muitas são estatais. E tesn razão quanto às linhas. Eu referi isso. O que se passa é que sou uma apaixonada por comboios e pelos apeadeiros. É uma das coisas mais bonitas que tinhamos, as estações do minho... um prazer tão grande percorrer aquelas terrinhas de comboio e tu fazes a experiência e só vês velhos e turistas!
Há gente nova que nem conhece! que nunca deu um desses passeios. Eu ia jurar que nem sabem que existe, o que é mais grave. E trocar isso por vias rápidas por tudo e por nada (eu sou a favor do investimento nas estradas e não sou das que o opõe à educação- essa é outra mania)O que queria referir é que não vejo investir-se em luxo. Ao que eu chamo luxo é demorava muito tempo para explicar mas, resumidamente, não é o que os nossos liberais têm em mente. O meu luxo é mais do tipo do Ribeiro Telles... e concilia-se com qualidade de vida.
Eu também sou um apaixonado por comboios. E entendo que o comboio deve ter um papel fundamental no desenvolvimento de um país. Mas o mesmo papel não consegue ser cumprido, quando, por exemplo para fazer 120 Kms entre Vila Real De Santo António e Lagos, o tempo de viagem atinge as 3 horas.
Por isso só me resta a pergunta: e porque não um rápido (nem digo TGV) apenas um bom expresso que faça o raio da coisa mais básica que ninguém se lembra: uma ligação directa e funcional entre Lisboa-Madrid, por exemplo. E, em poucas horas irmos ao Prado ainda a tempo de uma tarde em Toledo e umas tapitas ao fim do dia? Hã? Isto é luxo ou isto são meia dúzia de kms que noutro país qualquer era uma mera linha secundária?