Eduardo Dâmaso - "Hooliganismo Partidário"
quinta-feira, junho 10, 2004
O que aconteceu ontem de manhã no mercado de Matosinhos durante e depois da passagem dos candidatos do PS às eleições europeias merece uma reflexão atenta por parte dos dirigentes políticos em geral, mas também de nós todos. Não falamos, obviamente, da morte de Sousa Franco, mas do tipo de campanha e manifestação política que ali ocorreu.
Sob a aparência benévola de um "número" de campanha eleitoral para mostrar a "dinâmica" de uma corrida para a vitória, o que ali aconteceu foi uma manifestação de hooliganismo político entre facções de dois "gangs" que lutam pelo controlo da influente concelhia socialista de Matosinhos. Dois "gangs" controlados e liderados por dois políticos populistas - Narciso Miranda e Manuel Seabra - que não olham a meios para explorar a sua rivalidade, visando a afirmação de um pelo esmagamento do outro.
Nada daquilo que se passou em Matosinhos (e que se passa na concelhia local do PS) tem a ver com ideias ou com discussão de projectos diferentes para uma estrutura política de um partido. Nada daquilo admite um debate sereno com a direcção do partido sobre formas de organização e intervenção política, mas só a imposição de um território exclusivo debaixo de uma liderança que utiliza a manipulação demagógica e, se necessário, a força física, para afirmar um poder. Eram assim as lutas medievais entre senhores feudais, é assim uma parte da política partidária que se faz hoje em relação a tudo quanto cheire a poder. Foi por isso que a direcção do PS se viu obrigada a negociar com cada um dos "gangs" se levava o candidato à lota ou à câmara para contentar as duas partes. Foi por isso que, ao optar pela ida à lota, os dois grupos se organizaram para ver quem dominava a situação, quem aparecia mais nas fotografias e na televisão, pondo os respectivos exércitos a invectivarem-se mutuamente. Na contabilidade interna do partido sobre factores de sucesso, estas vitórias são decisivas nos momentos de escolha dos candidatos para as várias eleições. No ciclo infernal do poder interno, esta escolha acaba por ser uma benesse instrumental de muitas outras que nunca se sabe até onde podem ir na manipulação do Estado, a nível central ou autárquico.
São estes os pequenos e miseráveis poderes que pululam hoje debaixo das lideranças por muitas concelhias e distritais dos vários partidos de poder, é destes pequenos e miseráveis poderes que se alimentam os sindicatos internos de voto com que os líderes políticos são obrigados a negociar, normalmente em posição de inferioridade, de cada vez que é preciso fazer uma campanha com "banhos de multidão" para mostrar nos telejornais. É por causa destes aparelhos vorazes que a política é hoje vista como uma actividade decadente ou superfluamente folclórica. É por isso que o sentido de serviço público está desacreditado e é visto como um mero "tacho". É por isso que as campanhas eleitorais de hoje são de uma completa inutilidade e de uma total extravagância na mobilização de meios financeiros. Raramente acrescentam uma ideia, quase nunca somam um voto novo aos que já fazem parte daquela festa.
Campanhas eleitorais destas e partidos que consentem formas arcaicas de poder estão a transformar-se mais em letais instrumentos de estigmatização da política do que no seu mais nobre caminho de consolidação democrática. É preciso acabar com isto e regressar à pureza da política.
in Público
Publicado por Manuel 09:10:00
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