A cópia do dia.

Aqui há uns meses, um dos mentores do blog Blasfémias, escreveu que havia um segredo bem guardado na Justiça portuguesa.

Parece-me bem que o director do Público pegou na deixa e começa, ele mesmo, a levantar a ponta do véu...


A Justiça a Funcionar ?

Um dos lugares comuns mais repetidos cada vez que se conhecia uma reviravolta no processo da Casa Pia foi o que isso demonstrava que, afinal, em Portugal a Justiça sempre funcionava. Formalmente, o lugar comum é certeiro: as reviravoltas resultavam regra geral da apreciação de recursos por tribunais superiores e o direito de recorrer é um dos alicerces da Justiça. Na substância, contudo, confrontámo-nos com situações em que pessoas estiveram presas sem que tal se justificasse, ou que foram libertadas sem que se percebesse bem porquê. O que significa que a "justiça a funcionar" foi produzindo injustiças.

Esta semana foi conhecido o recurso do Ministério Público relativo ao não pronunciamento de Paulo Pedroso e a decisão do Tribunal da Relação sobre o Caso Moderna. E mais uma vez se fica perplexo. O primeiro é de uma enorme violência para com a juíza do Tribunal de Instrução responsável pela decisão e permite perceber como os seus critérios foram completamente distintos dos adoptados por outro juiz que serviu no mesmo tribunal, o mediático Rui Teixeira. Já a decisão da Relação no Caso Moderna quase que destrói a sentença do tribunal de primeira instância, nuns casos inocentando quem fora considerado culpado, noutros reduzindo fortemente as penas. Para os que pensavam que o primeiro tribunal tinha querido fazer do caso - em que a montanha parira pouco mais do que um rato... - um exemplo de punição de poderosos, eventualmente exagerando nas penas, esta sentença foi uma vitória. Já para o Ministério Público foi uma derrota que suscitou a Maria José Morgado, procuradora na Relação de Lisboa, uma declaração surpreendente: "o crime de administração danosa é muito difícil de provar" pelo que... "há opiniões para tudo".

"Opiniões para tudo" na administração da Justiça? Já tínhamos ouvido formas mais elegantes, no mínimo, de evocar a falibilidade dos juízes. E formas menos cruas de dizer aquilo que muitos começam a pensar: que a nossa Justiça é, muitas vezes, uma lotaria. Que depende do juiz que se apanha. Da habilidade do advogado. Ou da inépcia do acusador público. Para não falar das falhas na investigação criminal.

De facto, havendo "opiniões para tudo", compreendem-se melhor as reviravoltas do processo da Casa Pia ou a forma como a Relação destruiu a sentença da Moderna. Mas também se compreende, por exemplo, como é que noutro caso famoso, o que envolveu o antigo governador de Macau Carlos Melancia, este foi absolvido da acusação de corrupção passiva e, no mesmo tribunal mas algumas portas ao lado, os que estavam acusados de serem os seus corruptores foram condenados.

É natural que os juízes cometam erros, é natural que os recursos revertam decisões anteriores, é natural que tudo isto seja o "normal funcionamento da Justiça" já que os homens, todos os homens, são falíveis. Mas não é natural a sucessão de tantas contradições, pelo que é necessário dizer alto o que muitos dizem baixo: há demasiada incompetência e uma quase total falta de controlo de qualidade no sistema judicial, onde os juízes funcionam mais como uma corporação que protege os incompetentes do que como uma profissão onde o mérito seja critério de evolução na carreira. Ora isso é que já não é "normal funcionamento da Justiça"

José Manuel Fernandes


Publicado por josé 11:02:00  

1 Comment:

  1. zazie said...
    estas coisas é que assustam... as reviravoltas, os critérios que se anulam mutuamente... e depois fala-se em incompetência... Incompetência não, competência para o que importa. Afinal o que conta não é a hierarquia de quem decide? chamar-lhe "opiniões" é um eufemismo.

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