A venda da GALP e o Sistema Europeu das Contas
sexta-feira, maio 21, 2004
É público na blogosfera, agora evidenciado pelo amigo Irreflexões, que sou favorável a este Governo.
Ainda que não totalmente falso, já aqui várias vezes , defendi tomadas de posição dos mesmos, e já aqui tomei posições diametralmente opostas, sustentadas de uma forma coerente e construtiva.
Ser de um determinado partido ou apoiante desse partido não implica, para mim, um simples agitar de bandeiras, sempre que o líder fala e assumir o discurso como uma parábola. Antes pelo contrário. Quanto a isto estamos conversados.
Da mesma forma defendi, com unhas e dentes a operação de securitização durante meses a fio, o ponto de vista, não só de antecipação de receitas que de outra forma a inepta máquina fiscal portuguesa nunca conseguiria cobrar, como da necessidade óbvia do governo em arranjar receitas extraordinárias capazes de colocar o défice abaixo dos 3,00%.
Da mesma forma que aqui, quando a ministra Ferreira Leite, disse que desconhecia alguns factos referentes à titularização, eu senti-me um advogado do diabo. Da mesma forma que reconheço que Portugal poderia ter ficado sem punição na questão do défice acima dos 3,00%, devido à legislação em vigor, ainda que seja um adepto rigoroso da consolidação orçamental.
Hoje sinto-me igual...
A nossa Ministra das Finanças, afirmou à Agência Reuters, no princípio da semana que que a receita da venda da posição estatal na GALP pode abater ao défice do Sector Público Administrativo. Dizia Ferreira Leite que ...
É uma venda de um activo e pode ir ao défice, como, por exemplo, um dividendo.
Bom, acontece que são afirmações feitas com e leviandade e falta de rigor, e porque eu peço sempre factura aonde vou, já que se todos pagarmos, todos pagamos menos, decidi consultar o manual de contas públicas do sistema europeu – vulgo SEC 95 – e pedir a factura.
O Negócio... O Estado pretende assim alienar através da Parpública, a parte que a ENI Spa detinha (33,34%) detinha na GALP e esventrar a petrolífera nacional do negócio do gás, criando para esse efeito a empresa EDP Gás.
O SEC levanta assim quatro hipóteses nas vendas de activos...
- As administrações públicas vendem por si próprias acções ou outras participações que detêm numa empresa. Diz-se que esta venda é directa.
- As administrações públicas possuem uma empresa A (geralmente, uma sociedade holding): esta empresa vende acções ou outras participações que possui numa empresa B e devolve os resultados da venda às administrações públicas. Diz-se que esta venda é indirecta.
- As administrações públicas vendem activos não financeiros que possuem. Diz-se que é uma venda directa de activos não financeiros.
- As administrações públicas possuem acções ou outras participações numa empresa: esta empresa vende activos não financeiros e devolve os resultados da venda às administrações públicas. Diz-se que é uma venda indirecta de activos não financeiros.
A Grande Loja identifica assim o negócio acima descrito...
Parece consensual que a GALP Energia se trata de um activo não financeiro. Como o negócio envolve a Parpública, torna-se indirecto. E assim caímos na opção de venda indirecta de activos não financeiros.
A venda indirecta de activos não financeiros tem de ser inteiramente registada nas contas financeiras das administrações públicas e da GALP Energia (A): é uma retirada de acções ou outras participações da empresa que era, parcial ou totalmente, detida pelas administrações públicas, tendo, como entrada de contrapartida, um aumento de um activo financeiro.
Ou seja, não tem qualquer efeito nas necessidades de financiamento das administrações públicas. Ou seja não conta para efeitos de redução do défice.
Mas a Grande Loja, numa missão didáctica, vai ensinar, já que pelos vistos a senhora ministra parece desconhecer, como contabilizar a operação da GALP Energia. Certamente mais um serviço público, que não nos coibimos de prestar, não vá Manuela Ferreira Leite à luz das suas afirmações decidir contabilizar as coisas de um forma incorrecta.
Penso que muitos mitos se desfizeram com este post.
Publicado por António Duarte 15:32:00
Servico Publico, sao muitos dos seus posts...