o relativista acidental

João Morgado Fernandes, tem uma visão própria sobre o mundo, com a qual normalmente não concordamos, mais - por vezes - pela forma como se exprime do que pelos sentimentos que pretende exprimir.

Um destes dias JMF desenvolveu um raciocínio óbvio, que o grau de exigência que se aplica a uma democracia é evidentemente diferente - e muito maior - do que se aplica a uma qualquer ditadura ou regime totalitário, afinal nas democracias é suposto existir um conceito a que os americanos chamam de "accountability".

Brincando com coisas sérias, e porventura contagiado pelo facto de para a sua entidade patronal "accountability" ser uma questão de ponto de vista, Paulo Pinto Mascarenhas sai-se hoje com este naco de prosa...

Proponho, para começar, um exercício meramente académico ao JMF do Terras do Nunca. Mais precisamente uma viagem no tempo. Digamos que, por artes improváveis, aterrávamos ambos em Londres no ano de 1944, em plena II Guerra Mundial. O jornalista JMF conseguia provar então, numa investigação exclusiva para a BBC, que os EUA e a Grã-Bretanha mantinham campos de concentração altamente vigiados, onde estavam detidos várias centenas de militares e de altas autoridades alemãs, verificando-se a existência de alguns abusos e “até” de violentos interrogatórios, com a provável utilização de tortura. Ao mesmo tempo, descobria também, através de “fontes privilegiadas”, que a Alemanha de Hitler conduzia o processo de extermínio dos judeus, a chamada “solução final”, através de sofisticados campos de concentração. Pela lógica exposta no Terras do Nunca, JMF condenaria ambas as práticas. Mas, consequência lógica da sua indignação selectiva, ficaria muito mais chocado com os abusos das democracias anglo-saxónicas do que com os métodos da tirania nazi. Como o próprio explicaria a um jornal da época, “há coisas que me indignam mais que outras. Porque gostava que o nosso lado, o lado da democracia, não tivesse tantos telhados de vidro." [PPM]
# posted by PPM : 6:08 PM

Eu não vou dissertar sobre o significado da palavra "alguns", até porque há coisas que pura e simplesmente nunca deve(ria)m ocorrer, sejam praticadas por um ou por muitos, mas vou dizer uma ou outra coisa sobre a extraordinária confusão (e estou a ser simpático) que vai na cabecinha do colaborador do Ministro de Estado e da Defesa.

Paulo Pinto Mascarenhas, essencialmente divide o mundo em duas fatias - de um lado os bons, e do outro os maus. Como os maus são, por definição, os maus na peregrina tese defendida não há motivo qualquer preocupação por "alguns" dos métodos dos maus eventualmente serem utilizados pelos bons.

A Paulo Pinto Mascarenhas não passa pela cabeça o que é verdadeiramente, e o que representa, a palavra "civilização", não lhe passa pela cabeça que mais que um exército, mais que uma ideologia, os "maus" são uma forma de estar, de agir, e de pensar, e que se cedermos e se se passar a pensar e agir como eles então não somos melhores do que eles.

O relativismo moral destes bloguistas acidentais, que se fartam de falar dos crimes da esquerda, e agora de Milosevic, é o mesmo que lhes permite esquecer cirugicamente Tudjman e contemporizar com Nixon, com o Irão/Contras e com os dislates que vão sendo tornados públicos desta Adminitração Bush.

Em suma, este relativismo moral (a escolha dos nazis como teremo de comparação é tudo menos inócua) é como uma espécie de virús, um que devemos condenar a toda a força, o de que os fins justificam, pelo menos, a contemporização não só com certos "desvios" como mesmo o uso de meios extremos. Curiosamente, ou talvez não, esta sempre afinal foi a linha oficial da "esquerda" quando lhes falavam de Pol-Pot, de Gulags, ou revoluções culturais...

Os extremos tocam-se e Paulo Pinto Mascarenhas perdeu, mais uma, uma óptima ocasião para estar calado.

Publicado por Manuel 18:25:00  

3 Comments:

  1. jcd said...
    Caro manuel:

    Não há nada mais irritante do que alguém dizer a outrém que perdeu uma oportunidade de estar calado.

    E sempre que leio ou ouço essa expressão, apetece-me logo dizer a quem a proferiu que perdeu uma excelente oportunidade de estar calado.

    Sobre os posts, ambos têm uma razão relativa, na minha relativa opinião. Por isso, fizeram bem em publicá-los. Os dois.

    j.
    Manuel said...
    Caro j.

    Irrita-me a retótica balofa de quem se proclamando de direita só legitima certa esquerda, e pior, não se distingue dela no modus operandi...

    Mas tem razão - é bom que todos saibamos com o que, e com quem, se pode "contar".
    Luís Bonifácio said...
    Era tão bom que o mundo fosse dicotómico, em que tudo é preto-no-branco, claro-escuro, bons-maus, deus-diabo.
    Mas não é

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