A cópia do dia é um texto sensato que atenta contra uma boa história...

A Mão Que Tudo Esconde

José Pedro Zúquete, Universidade de Boston
in Público, 24/05/04

Passados mais de 200 anos da Revolução Francesa, continua a ser difícil ter uma percepção exacta do verdadeiro terramoto social, político e psicológico que ela representou no seu tempo. Representou algo tão brutalmente novo que desafiou as formas tradicionais de entendimento do mundo. Todas as teorias pareciam inadequadas para descrever uma mudança tão radical nas estruturas da sociedade. De repente, o Homem viu-se refém de um passado que compreendia, enquanto que olhava incrédulo para um futuro, incompreensível, que lhe fugia. Como adequar a mente humana, habituada ao velho, aos acontecimentos de 1789, que representavam o novo?

Ora, uma das consequências desta tentativa de encontrar respostas para aquilo que parecia não ter resposta, foi uma verdadeira explosão da lógica conspiracionista. Assim, surgiram teorias de todos os lados que atribuíam a transformação da realidade ao trabalho subversivo das sociedades secretas, desde a maçonaria aos "illuminati". Numa demonstração visível da urgência em restabelecer a continuidade histórica ameaçada, defendeu-se mesmo que estes grupos eram descendentes dos medievais Cavaleiros Templários. Acima de tudo estes grupos tornaram-se o alvo por causa das suas ideias de ecumenismo e liberdade. Eram acusados do crime de abstracção e da tentativa de imposição dos seus ideais artificiais às realidades tradicionais e naturais dos povos.

Rapidamente, um outro bode expiatório foi encontrado. Os judeus, emancipados pela Revolução Francesa, foram vistos como os seus grandes beneficiários e defensores dos seus valores. Os judeus "eram" a modernidade, personificavam o novo mundo pelo que em cima deles desabou todo o ódio visceral de todos aqueles que não queriam que o mundo tivesse mudado. Os judeus tornaram-se o alvo preferido do conspiracionismo.

Um documento falsificado pelos serviços secretos do Czar da Rússia, "Os Protocolos dos Anciãos de Sião", surgiu no início do século XX como "a prova" de que os judeus tinham um plano para dominar o mundo. Hoje em dia, os judeus continuam a ser o alvo preferido da lógica conspiracionista, sobretudo, mas não só, no Médio Oriente.

Curiosamente, o crime capital pelo qual os judeus são hoje acusados pelos fundamentalistas religiosos é o mesmo dos tempos da Revolução Francesa: Israel representa o mundo da modernidade e novos valores no meio de um mundo dominado por muitos que não querem a mudança ou dar aos outros a possibilidade da mudança. Não é pois estranho que, por exemplo, em 2002 a televisão estatal egípcia tenha passado uma série, muito popular, baseada no mito dos tais "Protocolos". Ou que, os judeus tenham sido acusados por responsáveis políticos de terem sido os perpetradores do 11 de Setembro. Aliás, uma das grandes mentiras que passa por verdade em boa parte do Médio Oriente é a versão segundo a qual os judeus que trabalhavam nas torres gémeas foram avisados para faltar ao trabalho na manhã do dia fatal. Assim é a paranóia conspiracionista.

Contudo, não existem obstáculos geográficos para a lógica da conspiração. Geralmente a explosão conspiracionista requer um momento traumático. A Europa teve um outro desses momentos com o fim do sistema internacional da guerra-fria e a aceleração do sistema da globalização. A crescente mobilidade de capitais, bens e pessoas desenvolveu percepções de um mundo em mudança. É neste momento que se assiste a uma inconsciente união de forças entre a extrema-esquerda e a extrema-direita numa rejeição, de raiz conspiracionista, contra o mundo que muda, neste caso através da globalização.

A extrema-direita rejeita a nova ordem mundial, aquilo que entende como a tentativa de se criar um governo à escala mundial dominado pelos herdeiros da abstracção iluminista. Existiria pois um projecto deliberado para destruir as identidades nacionais, entendidas como "barreiras" à construção de um mercado fluído e único onde o homem é desvalorizado e reduzido a um produto económico, como outro qualquer. Assim, a imigração é vista como um instrumento desta destruição programada da etnicidade e dos sentimentos nacionais. Quem está por trás deste projecto? A América, as grandes corporações económicas e interesses sinistros de grupos como a Comissão Trilateral ou o Grupo de Bilderberg.

A extrema-esquerda fala antes em "imperialismo" do capital como a raiz de quase todos os problemas do mundo, desde o militarismo ao subdesenvolvimento e à poluição, passando pela pobreza e pelas desigualdades sociais. O seu objectivo seria permitir o enriquecimento de uma pequena elite à custa do empobrecimento do resto do mundo. Quem está por trás deste projecto? As mesmas forças apontadas pela extrema-direita.

Os atentados do 11 de Setembro, momento traumático e novo na história, como não podia deixar de ser, deram origem a toda uma vaga conspiratória, destinada a tentar compreender aquilo que parecia incompreensível. Esta vaga foi amplificada pela Internet, o oráculo anárquico da "mão oculta.". Antes, escrevia-se um panfleto. Agora, abre-se uma "webpage" ou cria-se um "blog". Um intelectual francês de seu nome Thierry Meyssan publicou mesmo um livro onde defendeu a tese de que nenhum avião caiu no Pentágono, mas que foi o governo americano, instrumento de uma conspiração de extrema-direita, que ordenou mísseis contra o Pentágono de forma a justificar a primazia do lobby "militar-industrial". O livro vendeu milhares de cópias e tornou-se um best seller em França. E há mais. Um americano célebre residente na Europa, Gore Vidal, com a concordância de muitos, insinuou que o governo americano tinha sido cúmplice do ataque terrorista de forma a justificar a invasão do Afeganistão e a construção de um oleoduto na região.

Mas a conspiração favorecida por muitos é aquela que liga os interesses económicos da família Bush aos sauditas e à família Bin Laden. Um dos modernos profetas da lógica da conspiração, o activista Michael Moore, preparou mesmo um "documentário" dedicado à trama. O facto de poucos dias após o ataque terrorista muitos sauditas residentes na América, entre os quais familiares de Bin Laden, empresários, estudantes terem sido autorizados a partir para o seu país é a prova para muitos da cabala. Pouco importa que a Comissão do 11 de Setembro tenha declarado recentemente que tudo foi feito com aprovação do FBI porque os sauditas, sobretudo aqueles que tinham no nome "Bin Laden", temiam pela sua segurança. Ou que Osama está afastado da família há anos (ele é o mais novo de 24 irmãos!) e constitui motivo de embaraço para todos. Ou ainda que o "sinistro" Grupo Carlyle, na base do conluio Bush-Sauditas-Bin Ladens, tenha como um dos principais investidores George Soros, inimigo declarado de Bush e que tem como missão, nas suas palavras, "retirar Bush da Casa Branca."

Mas nada disto interessa. A conspiração não permite estas "subtilezas" da lógica porque a conspiração cria "a sua" própria lógica. Ou seja, o mecanismo demolidor, hipnotizante e monolítico do mito. Desde sempre. Realmente só há uma coisa mais forte do que uma teoria da conspiração: é o nosso desejo de acreditarmos numa.

Publicado por josé 11:34:00  

5 Comments:

  1. Manuel said...
    O problema, como habitualmente, é definir fronteiras e calibrar o bom-sensoA fronteira entre uma teoria da conspiração e uma boa teoria da (sobre)simplificação às vezes é uma coisa muito ténue.

    E o perigo das teorias da simplificação acaba por ser o mesmo do das teorias da conspiração - moldar o mundo a gosto - ignorando o que não convém ou borra a pintura. (vide toda a amálgama de teses revisionistas)Os esquimós tem umas largas dezenas de palavras diferentes para definir o conceito de "neve" e dessas uma boa parte tem a ver com a cor desta...
    zazie said...
    O texto tem uma série de pressupostos que me parecem excessivos e está muito desconchavado (como o meu comentário). No entanto retiro esta passagem: “É neste momento que se assiste a uma inconsciente união de forças entre a extrema-esquerda e a extrema-direita numa rejeição, de raiz conspiracionista, contra o mundo que muda, neste caso através da globalização." com que estou plenamente de acordo.

    Quanto ao Michael Moore é uma palhaço e foi bem triste ver um festival de Cannes a premiar palhaçadas apenas por motivos políticos. O cinema não passa por ali. Mas não deixa de ser curioso assistir a tanto aplauso por parte de pessoas geralmente muito mais criteriosas em matéria artística.

    Quanto às teorias da conspiração há quem lhe ache piada porque pode ser que um dia acertem. Pela minha parte creio que apenas servem para se entender a cabeça de quem as usa.
    zazie said...
    fiem-se que as armas de destruição massiva são ficção fiem-se...
    e depois inventem outra teoria de conspiração que os responsáveis políticos sabiam mas preferiram jogar golfe...
    tontinhos ":OP
    zazie said...
    se não és tonto pareces. Se és tonto és bem vindo à palhaçada que também gosto muito de tonteria.
    ":OP
    mas fizeste-me lembrar uma história verídica passada aqui há uns anos na sequência do desastre de Chernobil. Os militantes do PCP decidiram fazer uma excursão à pátria do comunismo e foram mesmo até ao local da catástrofe para provar que estava tudo bem. à chegada, foram examinados por dectores e estavam acima dos níveis de tolerância.
    Estavam completamente radioactivos.
    Mas recusaram-se a admitir porque nisto como em tudo a crença é que conta. Para eles não existia radioactividade comunista
    ":O))))
    zazie said...
    não, os extremos tocam-se mas não é entre líderes e apoiantes tontinhos, é entre tontinhos. Os tontos e fanáticos é que são sempre iguais. Os que defenderam com unhas e dentes a ideia de uma guerra revolucionária para exportar democracia é que são tontos e propagandistas. Nunca o Bush ou restantes, por muita fantasia ideológica que possam ter, iam embarcar num gasto desses se não estivessem a defender os seus interesses. Pela simples razão que já Maquiavel dizia e todos os príncipes do renascimento sabiam, que a política externa é movida por interesses.
    E com isto não implica partir-se da má fé que todos os interesses particulares são maus em geral para o mundo nem que todos os que não embarcam nesses interesses particulares o fazem por motivos éticos.
    Estamos entendidos?
    O Manuel aqui há tempo colocou um texto curioso a esse propósito. Era até feito por um americano a dar para a esquerda. E a ideia era mais ou menos esta: o Bush pode ser um idiota mas até tinha boas razões para temer o Iraque e a probabilidade de adm mais que certa se não no presente, a curto prazo no futuro.
    Com isto não se está a legitimar a aventura da invasão mas pode-se estar a ser mais realista para ter a noção que as adm são de facto uma ameaça e não é a sua inexistência no Iraque que o contraria (e ainda mais que o fundamentalismo islâmico é uma ameaça e não é apenas reacção aos EUA).
    Pode-se também estar a ser menos "anjinho" ao tentar vender a ideia que a França, Alemanha, Rússia e todos os que não alinharam na aventura o fizeram por meros motivos humanitários.

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