As contas da DGO : Viagem ao Centro da Terra

Bem que podia ser o título, de mais uma epopeia de Júlio Verne, que certamente venderia milhões de livros em várias línguas e dialectos. Mas não, é apenas uma visão das contas gerais do orçamento geral de Estado que a Direcção Geral do Orçamento nos presenteou na passada quinta-feira. Aliás congratulo-me pelo facto de elementos de quadrantes políticos diferentes, conseguirem no âmbito de um diálogo interessante e sem demagogias discutir as contas. Certamente um exemplo que alguns hemiciclos deste país deveriam seguir.

Bom, em primeiro lugar, penso que não se podem analisar as contas públicas sem o respectivo adorno de conjuntura. Isto é, sem percebermos como estão alguns dos nossos indicadores, torna-se quase inócuo, uma análise profunda da conta geral do Estado. Primeiro porque é sabido por todos, ainda que esquecido convenientemente que uma economia funciona em ciclos, segundo identificar esse ciclo pode permitir tecer algumas considerações à jusante nomeadamente na cobrança de impostos ou nas despesas com a segurança social e fundo de desemprego, terceiro e por último, a correcta identificação do ciclo económico associada a análise das contas do Estado, permite visualizar se estamos em condições ou não de propor medidas de contra-ciclo.

Um exemplo, tivesse, Durão Barroso, efectuado esta análise, e saberia que a subida do IVA de 17% para 19% numa altura em que o ciclo era tendencialmente retraccionista, iria causar, como aliás causou, uma retracção no consumo privado, com consequente diminuição da base de incidência do IVA. No fundo a subida de impostos em épocas de recessão, pode levar um problema ...

  • Diminuição do crescimento da componente da procura interna que é directamente afectada pelo aumento do imposto.

    Uma vez que a subida do imposto, não foi feita, com a intenção de controlar a inflação, o objectivo foi de apenas arrecadar maiores receitas fiscais. Os números abaixo mostram a eficiência da medida proposta por Durão Barroso :

    • Em 2001 com o IVA a 17% - 2.936,40 (Janeiro a Abril de 2001)
    • Em 2002 com o IVA a 17% - 3.072,90 (Janeiro a Abril de 2002)
    • Em 2003 com o IVA a 19% - 3.029,80 (Janeiro a Abril de 2003)
    • Em 2004 com o IVA a 19% - 3.043,80 (Janeiro a Abril de 2004)(*)
      (*) Estimativa de Execução


    Rapidamente se concluí que a subida de 17 para 19 % do IVA, não trouxe os efeitos esperados. Porquê?

    Porque a subida do imposto provocou uma retracção do consumo privado.

    O relatório da DGO, de Abril de 2004, traz-nos assim, duas grandes novidades...

    A primeira, que as receitas crescem de forma superior as despesas em 6,1 %, a segunda, que a execução orçamental está a decorrer conforme o orçamentado.

    Mas também traz algumas surpresas escondidas.

    Quanto é o valor referente a 2003, leia-se despesas, que serão imputadas ao orçamento em 2004? Ninguém sabe, nem a ministra, mas calcula-se que seja entre 250 Milhões e 330 Milhões de euros.

    Se o comportamento meritório da receita, se deve em parte ao pagamento especial por conta, ocorrido em Fevereiro, com a nuance, do valor indicado ser meramente indicativo, já que a liquidação do imposto apenas acontecerá em Maio. Depois e ainda do lado da receita, o IVA embora a respectiva receita bruta registe um crescimento homólogo acumulado de 6,4%, a evolução dos reembolsos reduz a taxa de crescimento da receita líquida.

    Do lado da despesa, o decréscimo verificado ao nível da despesa de capital (-7,7% no primeiro quadrimestre de 2004) tem vindo a reduzir-se ao longo dos meses mais recentes, traduzindo a aproximação do padrão de execução de 2004, face ao ano precedente, das despesas de Investimento do Plano, com especial destaque para as que se realizam no âmbito do orçamento do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação (MOPTH).

    Por outras palavras, o Estado tem começado a investir. Ou melhor tem deixado de desinvestir.


No entanto, é no lado da despesa, que vem alguns sinais preocupantes...
  • O crescimento moderado das remunerações certas e permanentes (+0,3%), reflectindo o impacto da política de emprego da Administração Pública, ou seja, a política de congelamento de salários.

  • A redução dos subsídios (-16,6%), essencialmente relacionada com o decréscimo dos encargos associados à bonificação de juros à aquisição de habitação própria.

  • A “aquisição de bens de capital”, registando uma variação de 21,5%, encontra-se determinada por um ritmo de execução mais célere dos investimentos militares realizados no âmbito da Lei de Programação Militar.


A despesa global efectiva atingiu, de Janeiro a Março de 2004, o montante de 3 678,8 M€, representando, em relação a idêntico período de 2003, um acréscimo de 11,5%.
  • Pensões - a execução evidencia uma despesa de 2 060,4 M€, reflectindo um crescimento de 8,7%.

  • Subsídio de desemprego e social de desemprego e apoios ao emprego – atingiram, no período, o montante de 418,8 M€, superando em 24,1%.

  • Subsídio de doença – no montante de 130,4 M€, apresenta um acréscimo 8,3%


Ou seja por outras palavras, uma tragédia nas contas da segurança social, que por este caminho, deverá fechar as portas lá para 2020, pois a base demográfica continua a ser cada vez menor, e a idade de reforma ou a idade em que o Estado assume os encargos é cada vez mais cedo.

Uma leitura, apenas superficial, destes dados, dar-nos-ia, a impressão que o Estado se por um lado caminha no trilho certo, por outro, está a descarrilar nalguns sectores. Uma leitura mais profunda dá-nos esse sinal... Pura verdade.

O facto é que conjunturalmente, o país apresenta melhoras. O consumo privado cresceu, o indicador de clima económico no seu valor mais alto dos últimos 16 meses, o indicador de Formação Bruta de Capital Fixo no seu valor mais alto dos últimos 35 meses, Isto significa claramente que a procura interna está finalmente a mexer-se, e a provocar a tão ansiada retoma.

Ainda que de uma forma ténue e devido ao facto de Março ter tido em 2004, mais 5 dias úteis que em 2003.

Mas ainda há sinais negativos e um muito preocupante.

Negativo o facto de a produção industrial ter descido. Negativo o facto de o desemprego se manter. Preocupante a subida do défice externo, associada à descida das exportações. Pior é que a correcção de um dos piores desequilíbrios da nossa economia, parou, e, inverteu-se.

Uma pequena chamada de atenção, aos nossos amigos Jumento e Irreflexões - Ao compararem os dados de 2002 e de 2004, convém ter em atenção, o ciclo económico. Depois ainda que a culpa não seja vossa, não confundam estimativa orçamental com execução orçamental.

Publicado por António Duarte 15:02:00  

1 Comment:

  1. irreflexoes said...
    Meu caro António,

    Em vez de carregar de bytes o estaminé - além de que hoje não me apetece postar - deixo-lhe aqui dois ou três apontamentos a este post:

    1) Gostei de o ler

    2) Não se esqueça que o actual momento do ciclo não é indiferente à conduta do Governo(que, nas felizes palavras do Jumento, pensou que podia provocar o acerto do ciclo económico aos interesses eleitorais antecipando o ponto mais baixo da crise o mais possível) e que, portanto, não é - nunca foi - desculpa;

    3) O ratio importações/exportações, sempre o disse, é artificialmente favorável em fases baixas do ciclo em países como o nosso, fortemente dependentes de importações.

    4) A retoma estará para chegar, não ainda este ano mas no próximo. Chega sempre, fatalmente. Simplesmente, tivémos uma crise mais forte e mais prolongada do que resultaria do normal andamento da economia e eu não vejo com que benefícios, porquanto:

    i) temos mais desemprego;

    ii) a balança comercial continua e continuará desquilibrada;

    iii) a nossa dívida tem vindo a crescer e excede já os 60% do PIB;

    iv) o défice tem estado a crescer e está em mais de 5% (excluindo receitas extraordinárias);

    v) a destruição de capacidade produtiva foi assinalável;

    vi) a AP esteve a envelhecer e a desqualificar-se (congelamento de admissões);

    vii) houve um claro abrandamento do investimento em infra-estruturas (nomeie, se puder, uma grande obra lançada por este Governo);

    viii) as empresas públicas (incluindo os novos hospitais SA) foram descapitalizados - quem vai pagar essa factura?

    etc, etc, etc.

    Sinais de preocupação, meu caro. Uma gestão desastrosa da coisa pública. Pina Moura não faria melhor.

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