Resenha de Imprensa de opinião

Os artigos de opinião que se copiam a seguir, representam de algum modo ¿o sentir¿ da opinião pública neste recente escândalo político-futeboleiro.

Aqui fica a análise desabusada de Vasco Pulido Valente. E aqui fica também a habitual e peculiar ingenuidade (?!) de Luís Delgado que atira logo com uma máxima de catedra -  autêntica pérola que pelos vistos guardou na algibeira para momentos como este - ¿O lema, na ditadura e na guerra colonial, era «primeiro mata-se, e depois pergunta-se»"

É de uma pessoa ficar abismada com tamanho salto semiótico, dado por quem habitualmente se agarra ao terra a terra do lugarzinho perto do poder!

Depois fica também o sabidolas de experiência feito, Miguel Sousa Tavares, que aqui desencanta a profecia da desgraça que anuncia: ridículo e descrédito é o menos que prevê para o desfecho do caso!

Fica ainda o editorial do DN de hoje. Politicamente correcto como convém mas de informação duvidosa, ao indicar ¿o procurador do DCIAP responsável pelo processo de Pimenta Machado é, simultaneamente, membro do Conselho de Justiça da FPF.¿

Será, caro editorialista anónimo?

Sabe-se que há um indivíduo chamado Albano Pinto, que é magistrado do MP e neste momento é responsável pela DCICCEF da PJ, colocado aí em substituição de Maria José Morgado. No DCIAP manda a procuradora geral adjunta Cândida de Almeida.

Estas pequenas desinformações são um pequeno nada, mas não são um mero lapso. São fruto de uma ignorância sobre quem faz o quê e como. Entre pessoas da rua que se dedicam aos afazeres do dia a dia, comprendem-se. Entre jornalistas, começa a tornar-se penosa a ignorância crassa sobre coisas e assuntos que normalmente deveriam ser de conhecimento corrente.

Isto também faz temer o pior quanto à compreensão de outros fenómenos judiciários. E falo neste aspecto porque é o que vou percebendo. Temo que noutros sectores a iluminação não seja melhor.

Assim, aqui fica

A crónica de Vasco Pulido Valente...

Com a detenção de Valentim Loureiro voltou a ladainha: «O futebol é um mundo à parte.» Ah, sim? E à parte de quê? À parte da política, da administração, dos negócios, do espectáculo, da saúde, da própria justiça? Com certeza que há em Portugal maravilhosos «mundos», em que a lei impera e que são regidos por uma meticulosa honestidade. Ninguém os conhece, ninguém, por acaso ou fugazmente, passou por eles, mas que existem esses paraísos, refulgindo com modéstia em regiões perdidas da nossa consciência e da nossa vida, lá isso existem. Têm de existir. Não se está mesmo a ver? Francisco Sarsfield Cabral, reflectindo anteontem sobre o caso, chegou surpreendentemente a uma tese pessimista: não se está a ver. A corrupção já se tornou, segundo ele, um «dado normal». Como os que julgam o futebol «à parte», não quero desiludir o bom Francisco. Infelizmente, não me lembro de um único regime, desde o fim do século XVIII, em que a corrupção, essa terrível novidade de hoje, não fosse também um «dado normal». Era um «dado normal» na Monarquia Absoluta, no Liberalismo, na República e na Ditadura. As tabernas da Ribeira, o Marrare do Polimento, o Grémio Literário, os cafés do Rossio e os discretos retiros do Estado Novo estiveram sempre cheios de patriotas com angústia: «Tudo podre, tudo podre!», diziam eles. «Francamente não sei onde isto vai parar.» «Isto» foi andando e foi parar aqui, a 2004, com o futebol «à parte» e o resto exactamente como o futebol. Um país pequeno, íntimo e pobre, com um Estado omnipotente e uma burocracia tropical, segrega corrupção. Se calhar, não funcionava sem corrupção: já alguém pensou nisso? Concordo que nos falta uma grande dose de ética protestante (não católica, por amor de Deus); e polícia e um sistema judicial decente. De qualquer maneira, não acredito que as coisas melhorassem.

Aqui fica parte da crónica de Miguel Sousa Tavares no Público de hoje...

A "Operação Apito Dourado" da PJ e do Ministério Público vai saldar-se por mais um momento de ridículo e descrédito da justiça portuguesa. A menos que as buscas completas aos arquivos da Federação e da Liga de Clubes permitam obter elementos para chegar onde verdadeiramente interessa, esta "mega-operação", como gosta de dizer a PJ, que terá envolvido 150 agentes e um ano de investigações (!), está condenada a tornar-se mais um inútil e arrastado folhetim mediático-justiceiro para encher noticiários e enganar papalvos.
Não é que não haja, muito provavelmente, corrupção e tráfico de influências no futebol português: se existe em todos os sectores da vida pública portuguesa, por que não existiria no futebol? Aliás e como é bem sabido, todo o futebol português gira à roda de laços que indiciam tráfico de influências instalado, como modo de vida permanente: deputados, governantes e autarcas que são ou foram dirigentes desportivos, autarquias que subsidiam clubes para além do que é legal e decente, o Governo Regional da Madeira e as suas relações de íntimo conúbio com os clubes da região, construtores civis que financiam clubes e campanhas autárquicas de dirigentes desses clubes, simultaneamente autarcas. Quanto à tão falada corrupção ao mais alto nível das arbitragens, seguramente que agora, com todos os dados na mão, a PJ e o MP vão poder esclarecer-nos se ela existe ou é apenas ficção sabiamente alimentada por crónicos maus perdedores. Tudo isto, mais o futebol como território de lavagem de dinheiro sujo, como acusa Maria José Morgado, é aquilo que verdadeiramente interessa saber. Não é, com certeza, apurar a verdade desportiva da palpitante carreira do Gondomar Sport Clube no nacional da terceira divisão. Por importante e simbólico que isso possa ser, não é isso que o país, os telejornais e os jornais esperam.


O editorial do Diário de Notícias...

O que se deseja é que o processo de Gondomar decorra com normalidade e que os culpados, a existirem, sejam punidos. O País começa a não ter paciência para suportar a enorme diferença entre as expectativas criadas por uma investigação muito mediatizada e os posteriores efeitos práticos da Justiça. Não vale a pena ir mais longe - o caso da ponte de Entre-os-Rios está aí para lembrar a todos que , ao contrário da política, em que o que parece é, no sistema judiciário , o que parece muitas vezes não é ou deixa de parecer.

O processo de Gondomar, no entanto, e qualquer que venha a ser o seu desfecho, tem à partida vários méritos.

1º - Pôe em causa a estrutura de cúpula do futebol português, ou seja a Federação Portuguesa Portugal (FPF), cujo presidente, face às repercussões deste caso, retirou ontem a sua candidatura a um lugar de prestígio na UEFA. Este tipo de organização, que favorece a perpetuação no poder e bloqueia a renovação de pessoas e procedimentos, está ferido de morte.

2º - Estimula a transparência. A sensação de impunidade acabou. Daqui para o futuro, dirigentes, membros dos órgãos da FPF, designadamente do Conselho de Arbitragem, árbitros, observadores, etc., terão, por certo, práticas mais cuidadosas e critérios mais apurados. Este cartão amarelo estende-se também às associações regionais, que organizam muitas competições.

3º - Outro mérito do processo é que não se fica pelos «suspeitos do costume»: políticos (autarcas), empresários de construção civil e dirigentes desportivos. Ao ser citada a Comissão Disciplinar da Liga, constituída, na totalidade, por magistrados, a malha alarga-se a um sector até aqui intocável. Note-se, por exemplo, esta coincidência : o procurador do DCIAP responsável pelo processo de Pimenta Machado é, simultaneamente, membro do Conselho de Justiça da FPF.

Ninguém está acima da lei, nem livre de suspeita.



E claro, o melhor para o fim, do Diário Digital, a crónica de Luís Delgado!

Os velhos métodos

O lema, na ditadura e na guerra colonial, era «primeiro mata-se, e depois pergunta-se»: Hoje, salvo o exagero, mas quem o disse foi o bastonário da Ordem dos Advogados, é «primeiro prende-se, e depois interroga-se». Alguma coisa não está bem, se isto for usado como princípio.
 
O reforço das garantias individuais deveria ter sido objecto, aliás, desta escassa revisão constitucional, tendo em conta o que se aprendeu e conheceu com os abusos contra essas liberdades no caso Casa Pia.
Ninguém se preocupou com isso, apesar de ser unânime o pedido, e os cidadãos continuam sujeitos a esta nova moda, perigosa e arbitrária, de mandar deter pessoas para serem pela primeira vez interrogadas, e ainda por cima sem nenhum tempo definido.

Isto não é regra num Estado democrático.

Estas questões de base nada têm a ver com o que se passa de essencial no Tribunal de Gondomar, onde ainda está tudo por perceber e esclarecer. Isso é competência da Justiça, e se há culpados que sejam punidos. Mas até lá convém cumprir um dos capítulos fundamentais da Constituição Portuguesa, e de todos os Estados democráticos, que refere e sistematiza os Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos.



Publicado por josé 11:29:00  

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