Os Senhores do Défice : A Irmandade de Guterres
sexta-feira, abril 30, 2004
O meu primeiro post sobre este assunto parece ter colocado algumas dúvidas existenciais. A parte dos elogios , que desde já agradeço, afirmo que não sinto vergonha de ser de direita, mas sim vergonha da situação que atravessamos, por ela , atingir à esquerda, ao centro e à direita, todos por igual.
Por isso avanço destemido para o debate, em três tiradas certeiras :
Os Senhores do Défice : "A Irmandade de Guterres" - A era dourada (1997-2000)
Os Senhores do Défice : "As duas torres e a Economia Portuguesa" (2000-2002)
Os Senhores do Défice : "O Regresso do "Rei" que não Governa" (2002-2004)
Para já, a primeira...
Não sou apologista das teses de herança culpabilizadoras do presente e limitativas do raio de acção no futuro, mas por ser um facto relevante. A situação inicial da economia que o EngºGuterres encontrou diferia em muito daquela que Durão ainda não conseguiu agarrar.
O Partido Socialista herdou uma economia portuguesa, com a proximidade de um evento como a Expo-98, catalizador de investimento público e privado, motivador de consumo público e privado, gerador também de inflação por via do aumento da procura interna. O ano de 1997 apresentava um crescimento da produção industrial de 5,2 %, um aumento do consumo de energia na casa dos 6,2 %.
O investimento era o grande responsável pelo crescimento económico, apesar de em 1997, já se referir que o mesmo dinamismo estava a ser potenciado pela Administração Pública, pelas empresas de capitais públicos, por algumas empresas privadas ligadas a grandes projectos e pela compra de habitação por parte das famílias.
As exportações desciam por via da diluição do impacto da Auto-Europa, onde o número de veículos montados em Portugal com destino ao mercado externo teve um crescimento homólogo de apenas 3,8 % em Janeiro de 1997, depois de ter registado uma subida de 53 % em 1996. Devido a este efeito, o valor das exportações cresceu apenas 6,5 %, se excluirmos o sector automóvel ficávamos por um crescimento de 4,00 %. O valor das importações subiu 6,8 % durante o trimestre terminado em Outubro, e pela primeira vez em 2 anos e apenas após 2 meses de o PS estar no Governo, A contribuição líquida do comércio externo para o crescimento económico passou a ser negativa.
Durante os 6 anos que teve no poder, e aproveitando a situação inicial , logo em 1997, o défice registava comparado com o ano de 1996, acréscimo de 247,7 milhões de contos, para o que contribuiu a evolução positiva da receita corrente, com um ritmo de crescimento homólogo cerca de 6,4 % superior em relação ao aumento da despesa corrente.
A receita fiscal de 1997 , teve um crescimento da ordem dos 348,9 milhões de contos (9,6 por cento) em resultado, fundamentalmente, da cobrança acrescida dos IRS (+159,6 milhões de contos), do IVA (+153,9 milhões de contos), do Imposto Automóvel (+12,6 milhões de contos), do Imposto sobre o Tabaco (+11,3 milhões de contos), e do Imposto de Selo (+6,8 milhões de contos).
O decréscimo, em termos homólogos, da execução do ISP prende-se com a não actualização da carga fiscal deste imposto em função do aumento do preço dos produtos petrolíferos, ou seja o celebre congelamento dos preços.
A despesa total estimada para 1997 ascendeu a 9 868,2 milhões de contos, o que traduz uma variação de 48,4 por cento face ao ano anterior, variação é essencialmente explicada pela amortização da dívida pública e pela transferência para o Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP), com crescimentos homólogos de 171,5 e de 116,7 por cento, respectivamente.
Excluindo da análise estas duas componentes, regista-se uma taxa de variação homóloga global de 4,9 por cento. O crescimento de 120,0 milhões de contos decorre do acréscimo verificado em "Remunerações Certas e Permanentes" (+75,6 milhões de contos) e "Segurança Social" (+44,5 milhões de contos).
Efectivamente, o crescimento de 57,4 milhões de contos (+10,2 por cento) registado nas remunerações certas e permanentes dos estabelecimentos de ensino básico e secundário, a Segurança Social, com +41,5 milhões de contos, dos quais 21,8 milhões de contos se reportam ao Rendimento Mínimo Garantido, o Serviço Nacional de Saúde (+34,0 milhões de contos), a Administração Local, com +13,5 milhões de contos, dos quais 6,9 milhões de contos no âmbito do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), os estabelecimentos de ensino superior e respectivos serviços de acção social, com vista à cobertura das despesas de funcionamento normal (+9,7 milhões de contos), o Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) e a CGA, para pagamento de pensões de invalidez das Forças Armadas e de preço de sangue e de subvenções vitalícias (+1,8 milhões de contos). Paralelamente, são de referir as variações homólogas positivas nos subsídios à habitação própria (+3,8 milhões de contos) e aos transportes aéreos (+2,9 milhões de contos).
Ou seja , se por um lado em 1997 uma economia em ascenção e crescimento gera receita, por outro lado parece implicíto que a subida da despesa logo no primeiro ano de governação atingia valores extraordinários. Nada que me espante, até pelo modelo que normalmente caracteriza a governação à esquerda, que é se de facto o endividamento presente e futuro do Estado, colocado aqui como catalizador da economia , seria uma atitude racional ou não. Portugal apresentava assim no triénio 1997-2000, uma evolução dos indicadores estabelecidos da seguinte forma :
A verdade é que tendo atingido uma taxa de desemprego abaixo de 4% da população activa, pergunta-se: como se compreende que já antes desta crise fosse muito provável que o crescimento do PIB português se situasse abaixo da média da União Europeia. A nossa produtividade é a mais baixa da Europa. Ou seja, a produtividade nacional representa 43% da média europeia. Com a explosão do consumo entre 1995 e 1999, devido à descida do desemprego e das taxas de juro, a fraquíssima produtividade portuguesa acabou por se reflectir na incapacidade da oferta para acompanhar o dinamismo da procura. Isto é, tivemos que recorrer às importações para satisfazer a procura, o que provocou o aumento do endividamento externo do País, originando uma forte deterioração das contas externas nacionais.
Mas a verdade é que nos primeiros três anos de governação socialista o país possuia uma robustez na economia, ainda que distante dos tempos de Cavaco, mas chegámos a 2000 com um défice corrente externo de quase 10% do PIB, a grande falha é que durante a conjuntura favorável (entre 1996 e 1999) nada foi feito para aumentar a competitividade da nossa economia. As grandes reformas, potenciadoras de um aumento da produtividade e, portanto, de um maior crescimento, ficaram na gaveta. E a política orçamental foi pró-cíclica, ou seja, ajudou ao fortalecimento da procura interna, contribuindo para o aprofundamento do problema das contas externas.
Seria injusto se não dissesse que não tinha existido consolidação orçamental, mas seria mais injusto ainda se não dissesse que a mesma foi feita a custa do crescimento das receitas e não do controlo da despesa pública.
Publicado por António Duarte 13:58:00