"Jogos de dados na PJ"

Há um obscuro projecto governamental a cujo teor o Expresso terá tido acesso e que se refere à possibilidade de a Polícia Judiciária aceder e controlar informações das bases de dados do Ministério das Finanças, designadamente da Direcção Geral de Impostos e da Segurança Social, sem que tal acesso e controlo se façam no âmbito de um Inquérito. Por isso, a Polícia Judiciária poderá fazer as chamadas "averiguações preventivas" que nada mais são do que meros processos administrativos em que se recolhem elementos indiciários relativos a eventuais crimes. Tais processos administrativos não estão sujeitos a controlo do Ministério Público muito menos de qualquer Juiz de Instrução.

São autênticos dossiers policiais sem qualquer base de sustentação legal, atento o quadro em que se insere a investigação criminal em Portugal.

Vejamos...

O discurso oficial da Ministra da Justiça (e portanto do Governo) é o que se segue - Em 2 de Abril de 2004, na Intervenção da Ministra da Justiça na apresentação pública das alterações ao Código Penal e Código de Processo Penal, para além do mais, foi dito ...

"O governo tem uma perspectiva integrada da política criminal, por isso quisemos fazer coincidir no tempo as iniciativas de reforma do sistema prisional e de revisão da legislação penal e processual penal. Uma e outras são a expressão coerente das opções políticas que adoptamos
(...)
Entrando na apresentação destes anteprojectos, gostaria de começar por referir que o governo considera que o Código de Processo Penal de 1987 permanece válido na sua essência."

Contudo, em 7 de Maio de 2003, durante a cerimónia de assinatura do Protocolo entre a Administração Tributária e a Polícia Judiciária, o Primeiro Ministro Durão Barroso, referiu publicamente ...

"Durante os últimos seis anos a dívida ao Fisco triplicou. Esta situação é insustentável. E não voltará a repetir-se. (...) O protocolo que hoje é assinado na sequência de um Decreto Lei aprovado pelo Governo, permite a partir de agora o cruzamento de informações com vista a uma combate mais eficaz á evasão fiscal."

Esqueçamos o pormenor de o nosso primeiro se referir à evasão e esquecer a fraude e vamos ao que interessa.

Se a essência da lei processual penal não se alterou com as mudanças projectadas, temos que uma das essências da lei processual penal que temos desde 1987 é o papel do Ministério Público da investigação criminal.

O que é que o MP tem a ver com isto?

Simples e directo: Tudo!

Antes do mais, compete ao MP, nos termos do seu estatuto, dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades;

"Não se estranhe, por isso, que, no seio da Organização das Nações Unidas, do Conselho da Europa ou de instituições como a Associação Internacional para o Direito Penal, tenham sido aprovados princípios ou recomendações que apontam para a necessidade de as polícias realizarem a investigação criminal sob a direcção de uma autoridade judiciária ou, em qualquer caso, de um órgão encarregado do exercício da acção penal. "

Com base em tais pressupostos e ainda nos que resultam do Código de Processo Penal, desde há uns anos para cá, os sucessivos governos tentaram dar expressão prática a estes princípios, que " é bom recordar! - o actual Governo não põe em causa!

Para tal, legislou-se e o povo português decidiu o seguinte ...

O Núcleo de Assessoria Técnica foi criado pela Lei n.º 1/97, de 16 de Janeiro.

Compete ao Núcleo de Assessoria Técnica assegurar assessoria e consultadoria técnica à Procuradoria-Geral da República e, em geral, ao Ministério Público em matéria económica, financeira, bancária, contabilística e de mercado de valores mobiliários.

Na prática, o poder político nunca resolveu de modo satisfatório, as carências que se fizeram desde logo sentir.

Porém, actualmente, e segundo orientação do próprio primeiro ministro, em debate mensal na A.R., em 27.2.2003

"Estamos a dar à Justiça a prioridade política que ela merece.
Demos prioridade absoluta ao reforço dos meios para a investigação criminal - foram desbloqueadas 300 novas vagas para futuros inspectores da Polícia Judiciária, 10 novas vagas para peritos contabilísticos e financeiros e foi finalmente criada a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária. Além disso o Governo reforçou os poderes da Policia Judiciária no combate à fraude fiscal. Todos estes meios e instrumentos são essenciais para um combate sem tréguas à corrupção, ao crime fiscal, à criminalidade económica e financeira e ao crime violento e organizado"

Para além do NAT, foi criado em 1999 o DCIAP.

O que é e para que serve?

"O Departamento Central de Investigação e Acção Penal é um órgão de coordenação e de direcção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade.
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal é constituído por um procurador-geral-adjunto, que dirige, e por procuradores da República, em número constante de quadro aprovado por portaria do Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público.
O director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal é o Senhor procuradora-geral-adjunta, Drª. Maria Cândida Guimarães Pinto de Almeida.( Desde 2001).
Compete ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal coordenar a direcção da investigação dos seguintes crimes:
  • Contra a paz e a humanidade;
  • Organização terrorista e terrorismo;
  • Contra a segurança do Estado, com excepção dos crimes eleitorais;
  • Tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição directa ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico;
  • Branqueamento de capitais;
  • Corrupção, peculato e participação económica em negócio;
  • Insolvência dolosa;
  • Administração danosa em unidade económica do sector público;
  • Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
  • Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática;
  • Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.
O exercício das funções de coordenação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal compreende:
  • exame e a execução de formas de articulação com outros departamentos e serviços, nomeadamente de polícia criminal, com vista ao reforço da simplificação, racionalidade e eficácia dos procedimentos;
  • Em colaboração com os Departamentos de Investigação e Acção Penal das sedes dos distritos judiciais, a elaboração de estudos sobre a natureza, o volume e as tendências de evolução da criminalidade e os resultados obtidos na prevenção, na detecção e no controlo.
Compete ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal dirigir o inquérito e exercer a acção penal:
  • Relativamente aos crimes indicados identificados supra, quando a actividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais;
  • Precedendo despacho do Procurador-Geral da República, quando, relativamente a crimes de manifesta gravidade, a especial complexidade ou dispersão territorial da actividade criminosa justificarem a direcção concentrada da investigação.
Compete ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal realizar as acções de prevenção relativamente aos seguintes crimes:
  • Branqueamento de capitais;
  • Corrupção, peculato e participação económica em negócio;
  • Administração danosa em unidade económica do sector público;
  • Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
  • Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática;
  • Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal foi instalado através da Portaria n.º 264/99, de 12 de Abril.

A Circular n.º 11/99, de 3 de Novembro de 1999, procedeu à definição de procedimentos tendo em vista a sua adequada instalação e à coordenação da direcção da investigação."


Quanto ao MP , estamos assim conversados.

Agora vamos á polícia!

O que é a PJ e para que serve?!

Nada melhor do que as palavras de quem a dirige.

Adelino Salvado- 24 Maio 2002

"Constituindo-se a Polícia Judiciária como um corpo de grande especialidade técnico-científica, é sua missão a de, com autonomia na definição técnica, táctica da investigação, colher provas para no plano factual e jurídico serem jurisdicionalmente sustentadas.

Polícia Judiciária constitui um corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da Justiça, organizando-se hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça (artigo 1º do Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de Novembro).

A sua arquitectura legal configura-a como um dos pilares do Estado de Direito Democrático quer na vertente da prevenção, quer da investigação criminal, bem como, neste contexto, da coadjuvação das autoridades judiciárias.

É assim que, por essa via, dispõe de instrumentos adequados a um efectivo e mais eficaz combate à criminalidade organizada e a que lhe está associada, bem como a altamente complexa e violenta.
Desta forma, e no desenvolvimento daquelas finalidades a Polícia Judiciária constitui um dos fundamentos que suportam os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a segurança e a tranquilidade públicas.

Noutro plano, mas com idêntico objectivo, a Polícia Judiciária continuará a dar a conhecer os seus comunicados à imprensa, por forma a divulgar algumas das suas mais importantes acções no combate ao crime, e assim contribuir, na medida do possível, para potenciar os níveis de confiança dos cidadãos nas instituições que garantem a sua segurança e a dos seus bens "


Como se conciliam estas tarefas da PJ com as atribuições do Ministério Público?!

Mal! Aparentemente, muito mal!

Neste constante exercício pela obtenção de poder e controlo, a coerência que nesta matéria foi ainda recentemente apregoada pelo Governo é bem capaz de deixar muito a desejar!

Senão, vejamos:

Sexta-feira, 13 de Dezembro de 2002, o Ministério da Justiça publica Decreto-Lei n.º 304/2002 que Altera o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que aprova a orgânica da Polícia Judiciária  e cria a Unidade de Informação Financeira no âmbito da PJ.

«Artigo 33.º-A
Unidade de Informação Financeira
1 - Compete à Unidade de Informação Financeira recolher, centralizar, tratar e difundir, a nível nacional, a informação respeitante à investigação dos crimes de branqueamento de capitais e dos crimes tributários, assegurando, no plano interno, a cooperação e articulação com a autoridade judiciária, com as autoridades de supervisão e com os operadores económico-financeiros referidos no Decreto-Lei n.º 313/93, de 15 de Setembro, e no Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, e, no plano internacional, a cooperação com as unidades de informação financeira ou estruturas congéneres.
2 - A competência a que se refere o número anterior não prejudica as atribuições, nesta área, dos órgãos da administração tributária.
3 - Podem integrar a Unidade de Informação Financeira, em regime a definir pelos Ministros das Finanças, da Economia e da Justiça, funcionários das autoridades de supervisão ou de outros serviços e estruturas governamentais sob sua tutela. "

Esta legislação destina-se aparentemente a permitir o tal combate à "evasão fiscal".  Mas vai muito mais longe!

Esse magnífico combate tem obtido resultados brilhantes como todos já se aperceberam e têm sido comunicados à população em geral, pelo menos numa entrevista da actual responsável por essa Unidade, Sílvia Pedrosa que se mostrou orgulhosa por a PJ Ter "confiscado" 5 milhões de euros no combate ao branqueamento de capitais!

Recentemente, os números apontam já para seis milhões! Podemos dizer que vamos, neste nível, de vento em popa... na fuga, claro!

Apesar desse discurso patriótico e triunfal, nem todos parecem comungar da euforia, particularmente a antiga responsável pela PJ nessa área, Maria José Morgado que se tem mostrado céptica - et pour cause.

De resto, o marido de Maria José Morgado, o fiscalista Saldanha Sanches, já tinha avisado, numa entrevista à Focus, em 2 de Outubro de 2002:

"A ideia de pôr a Polícia Judiciária a combater a fraude fiscal é um completo disparate. A PJ é um bem escasso e, como tal, deve ser utilizado para o mais importante, ou seja, nas grandes redes, nos grandes interesses económicos e nos advogados dos Bibis que se gabou de não pagar impostos. Se a PJ se vai perder na fraude fiscal em geral, perderá essa batalha, porque se trata de um campo vastíssimo. Além do mais, a fraude fiscal exige um bom conhecimento da lei fiscal, que a PJ não detém de todo."

À pergunta sobre quem devia lutar contra a evasão fiscal, dizia o mesmo:

"À administração fiscal, que deve ser capaz de assinalar os grandes casos e de os entregar depois à PJ. Tamém é preciso que o trabalho de casa seja feito: é preciso descobrir internamente os focos da corrupção. A prova para a instrução dos processos é que já pode estar acima da DGCI e é preciso sublinhar que a maior parte das pessoas que lá trabalha ainda é séria. Estão é desmotivadas."

Estas declarações são de 2002 e sabemos já como é que o processo de investigação da corrupção fiscal (não) foi investigado pela PJ...

Pois bem! Com base nestes elementos, podemos desde já concluir o seguinte:
  1. O MP e neste caso, o DCIAP dirigido desde 2001 pela procuradora Cândida de Almeida, é quem dirige os Inquéritos sobre estas matérias. Não é a Polícia!

  2. Não é possível compatibilizar a existência de inquéritos que sejam meros dossiês administrativos de recolha de prova ou indícios para se saber se existe um crime com os processos de Inquérito que tem de ser imediatamente comunicados ao MP. Não é possível legalmente sustentar a existência de processos de natureza administrativa em que se averigue matéria criminal sem comunicar imediatemente ao MP que dirige esses Inquéritos e os poderá avocar.
  3. <><>
    Esta área é de virtual conflito entre a PJ e o MP e não esclarecer este assunto, é contribuir para uma maior confusão. Mesmo atendendo à delicadeza de algumas matérias, como sejam as atinentes ao terrorismo, não parece muito curial aplicar os mesmos princípios quanto à criminalidade económica e de âmbito fiscal ou de branqueamento de capitais, tanto mais que os resultados conseguidos até agora são inócuos e aparentemente ridículos< style="font-weight: bold;">

    Mesmo no caso da existência de prevenção criminal , prevista na lei- Lei n.º 36/94 de 29 de Setembro, - relativa às medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, essa prevenção é sempre documentada; não podem ofender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e obriga a uma comunicação, para análise e acompanhamento, do director-geral da Polícia Judiciária informa, mensalmente, ao Procurador-Geral da República, dos procedimentos iniciados no âmbito da prevenção.
Não se vê como uma lei como a que agora se projecta, poderá subsistir constitucionalmente com estes escolhos...

Aliás, este verdadeiro problema de competências é antigo e redunda sempre nisto que a deputada Odete Santos disse aquando da discussão da nova lei orgânica do MP em 1998:

"Governo pretende alterar a Lei Orgânica do Ministério Público. Importará saber até onde vai o Governo na definição da autonomia do Ministério Público. Importará saber se no desenho do modelo de Ministério Público corresponde às exigências de um Ministério Público dirigindo a investigação criminal a cargo das polícias agindo na dependência funcional daquele."
Acusada a falência dos Juizes de Instrução, criou-se o modelo de direcção da investigação constante do actual Código do processo Penal. Para o triunfo da qual se reivindicou como necessário dotar o Ministério Público de verdadeira autonomia, dotá-lo dos meios técnicos e humanos necessários para verdadeiramente dirigir a investigação criminal, sem o que se corriam riscos de policialização da mesma. Com todos os perigos, à mesma inerentes.

A entrega da direcção da investigação ao Ministério Público, magistratura que muito justamente reivindicava a consagração constitucional da sua autonomia, indispensável a quem, pela própria Constituição, tem o Estatuto de defensor da legalidade democrática, entrou no texto Constitucional através da revisão de 1989.

Mas continuavam a faltar os pressupostos que confeririam ao Ministério Público na direcção da investigação o papel de defensor da legalidade. Faltavam os meios técnicos e humanos, como ainda continuam a faltar.

Os que desconfiavam da fartura, quando ao Ministério Público fora entregue à direcção da investigação, julgaram poder respirar quando se consagrou constitucionalmente a sua autonomia.

Logo surgiu o contraponto. Uma alteração da Lei Orgânica do Ministério Público viria a tentar limitar a fiscalização pelo Ministério Público dos órgãos de polícia criminal, à actividade processual destes.

As consequências que daqui se poderiam extrair, ficaram bem patentes num famoso diploma dito- e mal dito- de combate à corrupção, através do qual se permitiam actividades extra- processuais da Polícia Judiciária sem controle do Ministério Público. Como bem se anotou no Ac do Tribunal Constitucional que considerou inconstitucional o pré- inquérito."

"A questão da autonomia não é de somenos importância na reflexão sobre a constituição do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.

Vem justificada a criação deste Departamento com o facto de o Ministério Público para verdadeiramente dirigir a investigação em crimes de grande complexidade, necessitar de concentração de meios que o municiem em relação a criminalidade altamente organizada.

Esta foi, aliás, a justificação para a criação do NAT.

Como tive ocasião de assinalar a proposta constitui um modelo de Ministério Público um tanto diferente daquele por que vínhamos clamando. Não é, no entanto, um modelo completamente diferente. Porque os meios proporcionados ao Ministério Público com a criação do DCIAP, tornam possível o exercício de uma verdadeira direcção da investigação criminal. Investigação que continuará a cargo dos órgãos de polícia criminal, a quem, aliás, nomeadamente à Polícia Judiciária, devem ser concedidos meios que não têm, para a investigação de crimes de extraordinária complexidade.

Sem os meios que é justo prever que o DCIAP proporcionará, teremos um Ministério Público completamente desmuniciado, apondo assinaturas em volumosos processos, sem poder de facto dirigir a investigação criminal.

Ponto é que a este reforço de meios correspondam também meios de reforço da magistratura judicial. Um Juiz de província a quem é remetido um processo de extraordinária complexidade, também mais não fará do que apor um visto sobre uma assinatura do Ministério Público.

Mas ponto é também que se esbatam as possibilidades de governamentalização do Ministério Público do DCIAP."

Não obstante toda esta problemática que é muito séria e provavelmente irá redundar mais uma vez em inconstitucionalidades já anunciadas, o Governo e entidades administrativas menores e a quem não se conhece capacidade para ver além da sua própria quintarola - que aliás é de todos nós -, insistem já despudoradamente em protocolos e mais arranjos de pormenor. Disso dão conta os jornais:

PJ pressiona Governo a legislar - Público de 9.2.2004, Helena Pereira:

Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária (PJ) elaborou e já entregou ao Governo um projecto do decreto-lei sobre interconexão de dados entre a administração fiscal, segurança social e PJ. A Assembleia da República aprovou uma autorização legislativa nesse sentido, contida no Orçamento do Estado para 2004, e publicada em Diário da República a 31 de Dezembro do ano passado. Dias depois, a PJ pressionava o Governo a legislar rapidamente sobre esta matéria ao apresentar o documento, a que o PÚBLICO teve acesso.
"A eficácia do combate a tal fenómeno implica a conjugação de esforços e coordenação das várias entidades com responsabilidades legais na matéria, designadamente, através do acesso actualizado à informação criminalmente relevante", lê-se no preâmbulo da proposta de decreto-lei, que determina que a PJ possa "aceder em tempo real às bases de dados da Direcção-Geral de Impostos [DGI] e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, para obter os dados registados na administração fiscal e na segurança social que sejam relevantes para as investigações relacionadas com crimes tributários da sua competência, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo". Na prática, isto permitirá à PJ dispor de maior autonomia para as suas investigações em relação à DGI.
"Impõe-se ampliar o regime, então criado, para os crimes contra a segurança social, prevendo-se, por outro lado, uma cooperação mais eficaz com a administração tributária", refere o documento enviado pela direcção da PJ ao Governo.
Contactado pelo PÚBLICO, o porta-voz do Ministério da Justiça (MJ) afirmou que o projecto recebido da PJ está a ser trabalhado em conjunto pelos ministérios das Finanças e da Segurança Social e que já sofreu algumas alterações, nomeadamente sobre o modelo a adoptar. O MJ adiantou ainda que o futuro decreto-lei vem na sequência de um decreto-lei do ano passado que estabeleceu as condições de troca de informação entre a PJ e a administração tributária.
Segundo o assessor do Ministério, o entendimento do Governo era o de que as relações entre PJ e Segurança Social caberiam naquele decreto-lei, mas que isso veio a ser impraticável devido à oposição da Comissão Nacional de Protecção da Dados.
No entanto, a legislação produzida no ano passado sobre esta matéria, datada de Maio, nunca refere explicitamente a Segurança Social. A necessidade de articular a PJ com a Segurança Social só surge em Outubro, quando, na apresentação do Orçamento do Estado para 2004, o Governo apresentou uma autorização legislativa para vir a decretar nesse sentido. É esse processo que agora está a decorrer. A 13 de Janeiro, a Comissão Nacional de Protecção de Dados deu parecer positivo sobre esta troca de informações.
Em entrevista ao "Diário de Notícias" esta semana, a directora da Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, Sílvia Pedrosa, dizia que o decreto-lei de 2003 "não prevê" a possibilidade de troca de informações entre a PJ e a Segurança Social. "Estamos a lutar para que a Segurança Social possa partilhar desta troca de informação. Queremos também que a cooperação seja mais do que a mera troca de informações contida nas bases de dados e isso já é importante. Queremos uma coisa mais dinâmica e em tempo real. Porque sem isso perdemos a actualidade da intervenção, perdemos a informação necessária em termos de prevenção de alguns fenómenos", dizia.
Sílvia Pedrosa admitia também "dificuldades" no relacionamento entre a PJ e a administração tributária. Tanto o decreto-lei do ano passado, que deu origem a um protocolo assinado entre o fisco e a PJ na presença do primeiro-ministro, como o actual projecto fala em troca de informações em tempo real, o que pressupõe a informatização de todos os dados, mas a administração fiscal ainda nem está totalmente informatizada. A UIF foi criada em Junho de 2003 e ocupa-se dos casos de branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e criminalidade tributária grave"

E estamos assim, neste Portugal de 2004 em que o Governo assegura que não alterou nem quer alterar a filosofia essencial do processo Penal e em que autoriza ao mesmo temo, uma polícia a funcionar como verdadeiro motor da política criminal, que investiga matérias sensíveis de direitos liberdades e garantias, sem dar cavaco à magistratura, em nome de uma suposta eficácia!

Apesar de constitucionalmente o MP "participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania" (artº 219 nº1 da Constituição), segundo relata o Expresso deste fim de semana, o Ministério Público não foi visto nem achado nesta legislação que já percorreu vários ministérios e colheu pareceres favoráveis de grandes especialistas em direito penal como sejam a secretária de Estado da Segurança Social e até o próprio director geral da PJ, Adelino Salvado de onde aliás, aparentemente, saiu a peça jurídica !

Pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados?! Para quê? Para empatarem?

Darem a conhecer publicamente o projecto publicando-o, por exemplo, no Portal do Governo? Para quê? Isso é alimentar curiosidades mórbidas! Como dizia o outro: deixem-nos trabalhar!

E por isso se vão celebrando os protocolos que têm vindo a ser notícia!

E assim, apesar de por esse mundo civilizado fora, se enfatizar cada vez mais o papel imprescindível dos magistrados no controlo efectivo de matérias do âmbito criminal que contendem com direitos liberdades e garantias, cá em Portugal, o Governo anuncia publicamente um discurso de coerência e em nome de uma ilusória eficácia, que fatalmente irá dar com os burros na água, subtrai ao Ministério Público ou ao JIC, não só a competência para o controlo da investigação de assuntos delicadíssimos, como até se dá ao luxo de nem sequer lhes dar cavaco.

Ao governo que temos, bastam-lhe alguns salvados.

Vão longe!

Publicado por josé 18:39:00  

0 Comments:

Post a Comment