Há trinta anos houve uma revolução em Portugal!
domingo, abril 25, 2004
Estas últimas semanas têm sido pródigas na recuperação de memórias de há trinta anos.
A pretexto das comemorações do trintar revolucionário, várias publicações surgiram com fotos, escritos de época e crónicas evocativas.
Em suma, nunca se falou tanto do 25 de Abril de 1974 como nestes últimos dias. E ainda bem!
Contudo, essas recordações não ecoam de modo igual para toda a gente. A geração dos actuais trintões não se recorda da efeméride, porque a memória da realidade não se inventa.
Por isso, um copista valoriza mais os testemunhos que quem viveu de perto os acontecimentos e os relata, mesmo com toda a carga de subjectividade que isso pode comportar.
O 25 de Abril de 1974 de um copista, é o de um adolescente deslumbrado pelas descobertas musicais que passavam na rádio e que nesse dia se interrompiam para deixar passar comunicados atrás de comunicados, do Movimento das Forças Armadas.
Porém, antes desse dia, houve outros e o sentido geral era de opressão da expressão livre das ideias e pensamento. Não se podia falar abertamente sobre certos assuntos, porque nessa altura as paredes tinham de facto ouvidos que catavam dissidências e reprimiam as manifestações delas de modo eficaz e com visitas discretas à casa das pessoas.
Alguns anos antes de 1974, em Portugal, havia uma atmosfera pesada para quem não comungava dos ideiais gerais do “A Bem da Nação”.
A ideia que ficou a um copista desse período em que Salazar mandava efectiva e eficazmente, foi escrita num jornal regional minhoto, A Aurora do Lima, de 10/03/2004, por um professor da Universidade Lusófona: Alfredo Margarido que intitulou a crónica “ A particular ignorância do Dr. Salazar”.
Como para um copista, parece retratar com muita fidelidade um certo ambiente político do regime deposto a 25 de Abril de 1974, aqui fica a cópia de parte do escrito:
Segunda etapa: à rua do Heroísmo, no Porto, de onde me levaram a Valença para poder revisitar a casa e os meus papéis. Fiz notar que a casa era da minha cunhada e que não tendo sido ela presa enm acusada no que parecia ser um processo complexo, teriam de lhe pedir autorização ou prendê-la para oder espiolhar a sua residência. O que me permitiu levá-los a um quarto que não era meu, pois cometera a imprudência de conservar correspondência que podia comprometer terceiros.
De novo o Porto; depois comboio para Lisboa, para que uma carrinha nos levasse à António Maria Cardoso onde me instalaram numa cadeira, à espera. A situação era irritante, pelo que reclamei, tendo obtido uma resposta singular: o senhor não é nosso preso; estamos à espera de instruções da Presidência do Conselho, pois foi o senhor Presidente que ordenou a sua detenção”.
Deixo de lado outros pormenores, pois quero mostrar que não só o dr. Oliveira Salazar sabia tudo, mas participava na caça aos membros da Oposição.
Tive disso confirmação em 1964 quando a situação política me impôs sair de Portugal. O meu amigo Mário de Oliveira, arquitecto e pintor, sugeriu que fosse para o estrangeiro com uma bolsa da Gulbenkian. Parecia-me não só difícil mas impossível conseguir uma solução dessa natureza, mas Mário de Oliveira fez-me notar ser um dos raríssimos especialistas da sociologia da arte entre nós.
E , com efeito, obtive a bolsa, mas fui obrigado a informar o dr. Victor Sá Machado que não estava autorizado a sair de Portugal. A resposta foi seca e elucidativa: “Onde já se viu um bolseiro da Gulbenkian no estrangeiro não poder sair de Portugal? O sr. Presidente ( Azeredo Perdigão) vai ocupar-se dessa questão”. Um telefonema no dia seguinte deu-me a saber que a autorização estava obtida: Ó pá, você tem de ir ver o director da Pide, amanhã às 11”.
“ Mas, ó Sá Machado, Você garante-me que eu entro para sair?”
O dr. Victor Sá Machado protestou contra o que considerava ser uma piada de muito mau gosto e lá fui no dia seguinte, rigorosamente às onze, tendo sido recebido pelo capitão Silva Pais:
“Não sei como é que você faz, mas da última vez que o prendemos nós sabíamos que você não estava maduro, mas a prisão foi-nos imposta pela Presidência do Conselho. Agora, que você já está maduro, eis que você mobiliza não sei quem para poder sair do país.”
Limitei-me a perguntar “mas então o senhor director mandou-me vir aqui só para me dizer que não me pode prender?”
“Não é bem isso, mas parece que não se querem dar conta que Você vai conspirar com os seus amigos, contra nós, claro”.
Mas certamente o senhor director não esperaria que eu fosse conspirar com os meus inimigos!”
Se um dia me decidir á escrita de memórias serei mais minucioso. Aqui pretendo apenas mostrar que a presidência do Conselho e o Presidente do Conselho mantinham uma relação apertada com todas as forças de repressão e que tentar explicar que o dr. Oliveira Salazar não “sabia de nada” constitui um pesado contra-senso.”
Lendo este relato e comparando esses tempos do salazarismo, com os de hoje, podemos analisar a entrevista que Adelino Salvado, director geral da Polícia Judiciária dá ao Diário de Notícias de hoje, na qual além do mais afirma
De facto, quem afirma que não houve revolução no dia 25 de Abril de 1974, com a destituição de um regime que ainda conservava como director da PIDE/DGS, o “velho” capitão Silva Pais, entretanto promovido a major, deve andar muito distraído destas coisas da política ou tem uma ideia muito particular do valor semântico das expressões fortes.
Publicado por josé 16:10:00