O Expresso da Meia Noite


Um sábado atípico, obrigou-me a levantar-me cedissimo e recorrer ao doping matinal " café diga-se " acompanhado de um sol quente demais para a época.

Uma ida até ao Picoas Plaza para desfrutar do aroma do café, do sol, e das paragonas do Expresso. "Défice maior era melhor", confesso que fiquei esgasgado com o café. Seguiram-se depois algumas chamadas telefónicas e alguns alertas vindos do Irreflexões e Blasfemias.

Lendo rapidamente a notícia obra de um ex-secretário de Estado de Pina Moura, convém sempre vermos se houve congelamento algures.

Basicamente o que esse senhor no diz é que seria preferível ao Estado emitir obrigações da dívida pública mantendo o défice de 4,2 % do PIB do que efectuar a operação de securitização com o Citigroup.

Ele queria dizer isto, mas ele diz efectivamente algo diferente.

Vamos por partes...

Uma operação de securitização funciona da seguinte maneira ...

1) D é credor de A,B,C
2) D é cedente , cede (vende) esses créditos ao fundo E, cessionário, contra o pagamento de um valor acordado.
3) O fundo E emite unidades de titularização (UT)
4) Os investidores F,G,H adquirem as UT.

Esta operação não é mais que a cessão por preço inferior ao valor nominal dos créditos cedidos, mas com cláusula de recuperação da diferença, quando exista, após o pagamento integral das quantias devidas aos titulares das obrigações titularizadas ou das unidades de titularização de créditos e deduzidas as despesas e custos dessa operação.

Esta operação é uma cessão em que o cedente continua a assegurar a gestão e cobrança dos créditos cedidos, mediante retribuição.

O valor recebido de 1,765 mil milhões por cedência de 14,4 mil milhões não podia ser mais elevado. O Eurostat afirma que acima dos 15 % recebidos, a operação é contabilizada como um empréstimo e não para efeitos de redução do défice.

Refere o Eurostat...

"When government transfers to a SPV, or to another unit, specific future receipts that are not directly attached to an asset usually recorded in its balance sheet but resulting from activity undertaken by government, the securitisation unit has no involvement in the activity at the origin of the flows specified in the contract and which are assumed to be used for repayment of its debt. This unit has no control on the generation of flows unlike the case where it has the full ownership of an asset. In national accounts, such arrangements are to be considered as government borrowing".

Estamos então de acordo. Os empréstimos não contam para redução do défice.

As Obrigações do Tesouro (OT) constituem o principal instrumento utilizado pelo Estado português para satisfazer as suas necessidades de financiamento.
Cerca de 60 a 70% das necessidades brutas de financiamento do Estado nos últimos anos foi satisfeita através da emissão de OT.

Surge então o primeiro erro deste ex-secretário de Estado...  a última emissão de Obrigações do Tesouro a 10 anos foi de facto colocada à taxa de 4,375% com vencimento a Julho de 2014, tendo sido colocados 2,5 mil milhões de Euros.

Como saberá certamente nestas operações de emissão de bilhetes do tesouro a credibilidade é vista como um elemento decisivo de qualquer estratégia orientada para o mercado. No início do ano, é anunciado publicamente o programa de financiamento anual dando-se um ênfase particular à emissão de obrigações de médio e longo prazo transaccionáveis. As necessidades de financiamento brutas anuais esperadas e os montantes a serem financiados através da emissão de obrigações do Tesouro (OT) são também divulgados ao mercado.

No inicio do ano srº ex-secretário de Estado não no final!

Atendendo ao facto de não dispormos de metade da informação que o IDEFE decidiu mandar para os jornais, é legítimo perguntar : Que legitimidade teve o mesmo para o fazer ? Se o fez porque não a disponibiliza para que todos nós façamos contas.

Mas o IDEFE, não soube fazer contas, senão vejamos...


na Tabela 1 do Jornal Expresso, são apresentadas as cobranças esperadas pelo IDEFE e pelo Service Agreement do Citigroup. Diferentes porque o IDEFE legitimamente acredita que possam existir mais dificuldades em efectuar essas cobranças pelo Estado Português do que pelo Citigroup.

1º Erro - Na Tabela 1 do Expresso, onde constam as cobranças esperadas pelo IDEFE e pelo Service Agreement, um simples somatório diz-nos que...

IDEFE " 2365 mil milhões de Euros.

No texto o Expresso refere "o cenário-base do IDEFE apresenta-nos um valor total de 2394 mil milhões". Erro do Expresso ? Erro do IDEFE ?

De qualquer maneira são 29 mil milhões de euros de erro.

Calma.. os homens estavam inspirados.

Service Agreement " O mesmo somatório dá-nos 2984 mil milhões de euros.

No texto do Expresso "O Service Agreement estima cobrar 2982 mil milhões de euros". Erro do Expresso ? Erro do IDEFE ?

De qualquer maneira são 2 mil milhões de euros de erro.

Sem metade da informação disponível, com 31 mil milhões de erro face aos quadros apresentados, a Grande Loja não desiste.

O que estes senhores nos querem dizer é que seria preferível não efectuar a operação de securitização mantendo o défice e emitindo titulos da divida pública " que não contam para a diminuição do défice - mas isto só se percebe lendo bem os quadros e mantendo as estimativas de cobrança das dividas.

Senão vejamos, as contas da tabela 2, "emissão de mais dívida pública", estão certas, de facto, mas partindo de um principio que se chama taxa de juro igual a última emissão de OT´s. Será que o mercado pagaria a mesma taxa ? Será que o rating da república portuguesa actualmente em "AA" seria o suficiente aliado a um défice de 4,2 % para não mexer na taxa de risco do país ?

Por um empréstimo obrigacionista de 1765 mil milhóes de euros, a taxa de 4,375%, eu pago ao fim dos 10 anos ... 778,43 mil milhões de euros, ou se preferirem 77,84 mil milhoes por ano.

Assim, e amortizando na totalidade o empréstimo, eu teria um encargo final de...
  • Capital a Amortizar : 1765 mil milhões
  • Juros a Pagar : 778,43
  • Custo Final : 2534 mil milhões
O que o IDEFE inteligentemente acrescenta é a assumpção de eu receber as dívidas dentro de um plano que se sabe o Estado não consegue cumprir, tanto que ele, IDEFE, estima bem abaixo que o Citigroup.

Assim e estimando que segundo o "Service Agreement" o Estado receberá os tais 2982 mil milhões, o diferencial será de 450 mil milhões de euros.

Mas atenção se o valor recebido for o que o IDEFE diz 2365 mil milhões de euros, está visto que o estado não receberá nada ao fim de 10 anos, tendo a operação um prejuizo de 169 mil milhões de Euros. Ou seja não é preferível a Emissão de OT´s.

A Grande Loja em mais um serviço público, certamente.

Finalmente, importa aqui realçar o que sempre defendi desde o principio: 

Tendo em conta a evolução do PIB em 2003 e o disposto no PEC, Portugal poderia não precisar de recorrer a medidas extraordinárias neste ano de 2003.
 
Isto porque, de acordo com as regras constantes do PEC (Reg. (CE) n.º 1467/97), um défice que exceda o valor de referência de três por cento pode ser considerado excepcional e temporário...

"quando resulte de uma circunstância excepcional não controlável pelo Estado-membro e que tenha um impacto significativo na situação das finanças públicas, ou quando resulte de uma recessão económica grave".

A recessão é considerada "grave" quando se verificar uma redução anual do PIB real de, pelo menos, dois por cento.

Porém, o Conselho poderá de acordo com as regras do PEC considerar "que uma redução anual do PIB inferior a dois por cento tem contudo um carácter excepcional à luz de outros elementos justificativos, em especial, relativos ao carácter abrupto da recessão ou a um decréscimo acumulado da produção relativamente à evolução tendencial verificada no passado".

Existe no entanto um compromisso dos Estados-membros no sentido de tomarem como ponto de referência, regra geral, uma diminuição anual do PIB real de, pelo menos, 0,75 por cento (de acordo com o n.º 7 da Resolução do Conselho Europeu sobre o PEC, tomada em Amesterdão, a 17 de Junho de 1997, e publicada no J.O. n.º C 236 de 2.08.1997). Ora para 2003 estima-se uma quebra do produto português entre 0,7 e 1,25 por cento, e as receitas fiscais foram bastante afectadas por essa evolução negativa da economia.

Desta forma, o governo poderia invocar essa cláusula de excepção para permitir que o défice ultrapassasse os três por cento do PIB, não recorrendo às medidas extraordinárias.

Mas que me perdoem os críticos, a consolidação orçamental deverá sempre existir, sobretudo por questões de equilibro interno da nossa economia.

N.A. O IDEFE é o Instituto para o Desenvolvimento e Estudos Económicos, Financeiros e Empresariais e "tem como missão desenvolver a ligação do ISEG com o mundo empresarial, a administração pública e a sociedade em geral. Para o desempenho dessa missão o IDEFE conta com recursos humanos, científicos e técnicos de excelência".

Publicado por António Duarte 01:07:00  

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